A base do feminismo lesbiano, e também do feminismo radical, é o amor entre as mulheres. Esse é um conceito essencial dentro do feminismo. Seguindo esse conceito, pode-se afirmar que a lésbica é a mulher cuja consciência de si própria e energias (inclusive energias sexuais) são direcionadas às mulheres. Ela se identifica com mulheres, e as procura em busca de apoio emocional, físico, econômico e político. Ela se importa com mulheres, e ela se importa com ela própria. O amor e a amizade entre mulheres são vistos e tratados com hostilidade pela sociedade e cultura supremacista masculina. A amizade feminina foi transformada em um tabu, ao ponto de que há mulheres que repudiam suas semelhantes. Por esse motivo, a sobrevivência do feminismo depende da solidarização entre as mulheres. Se não nos amarmos umas às outras e a nós mesmas, não possuiremos uma base com a qual identificar e rejeitar atrocidades praticadas contra mulheres. Porém, o amor entre as mulheres é mais do que uma versão feminina de camaradagem.
A criação de laços que é o amor entre as mulheres ou ginoafeto como denominado por Janice Raymond, é muito diferente da união entre homens. Esta última tem sido o que mantém a dominação masculina, e está baseada no reconhecimento da diferença que os homens vêem entre eles próprios e as mulheres, e que se fundamenta num conjunto de comportamentos — a masculinidade — que cria e mantém o poder masculino. Mary Daly definiu a união entre mulheres que amam mulheres como sendo biofílica (amor à vida), a fim de distingui-la de outras formas de criação de laços na “sado-sociedade” supremacista masculina. Ela aponta que a camaradagem/união masculina subsiste da energia sugada das mulheres.
A lésbica do feminismo lésbico é diferente da homossexual feminina ou desviante sexual feminina ou a lésbica de movimentos assimilacionistas, e também muito diferente do homem gay da libertação gay. Embora a libertação gay tenha reconhecido que a orientação sexual é construída socialmente, em nenhum momento fazia a sugestão de que a homossexualidade poderia surgir de uma escolha voluntária, a ser feita como uma forma de resistência ao sistema político opressivo. A feminista lésbica encara seu lesbianismo como algo que pode ser escolhido, e como resistência política posta à prática. Os homens da libertação gay costumam dizer “eu tenho orgulho”, enquanto que feministas lésbicas dizem “eu escolho”. Isso não implica que a feminista lésbica tenha escolhido seu lesbianismo de forma consciente. Ela pode ter sido lésbica antes de se identificar como feminista. Mas, independente da forma que uma mulher vivencia o seu lesbianismo, ela se rebelou contra a exigência de tornar-se a mulher dependente do homem, a mulher heterossexual. Essa rebelião impõe um grande risco ao patriarcado.
A ênfase na necessidade de algum grau de separação da política, das instituições e da cultura dos homens é uma das características que distingue o feminismo lésbico de outras modalidades de política lésbica. Tal separação é necessária porque o feminismo lésbico, bem como o feminismo radical, se baseia na noção de que as mulheres vivem, como descrito por Mary Daly, num permanente “estado de atrocidade”. O estado de atrocidade é a condição na qual as mulheres têm sobrevivido às violências e torturas ao longo da história da civilização. Essas violências incluem, por exemplo, a violência doméstica que destrói as vidas das mulheres, abusos, estupros, incesto, a indústria do sexo e o tráfico internacional de mulheres. Essa condição na qual as mulheres vivem é criada e defendida por um sistema de idéias representado pelas religiões do mundo, pela psicanálise, pela pornografia, sexologia, ciência, medicina e pelas ciências sociais. Todos esses sistemas de idéias estão fundados no que Monique Wittig denomina o “pensamento hétero”, ou seja, construídos pela heterossexualidade e sua dinâmica de dominação e submissão. Aos olhos de feministas lésbicas radicais, esse pensamento hétero é universalmente difundido nos sistemas de idéias da supremacia masculina.
A criação de espaços para abrigar uma nova visão do mundo é um dos motivos essenciais para o separatismo lésbico. Lésbicas se organizam para formar seus próprios grupos, espaços, expressões artísticas, etc. Frequentemente, estes espaços são abertos para mulheres em geral, não apenas para lésbicas.
O separatismo lésbico pode assumir duas formas diferentes. Algumas lésbicas buscam criar uma cultura, espaço e comunidade lésbica na qual elas podem viver tão distantes do mundo dominado pelos homens quanto possível. Essa forma de separatismo pode apresentar riscos para a sua ética feminista. Ela pode culminar em uma dissociação do mundo, ao ponto de que o contexto no qual certas práticas e idéias surgiram na supremacia masculina é esquecido, e tudo que uma lésbica faz ou pensa recebe apoio. Portanto, as práticas sadomasoquistas criadas por lésbicas ou papéis sexuais butch/femme, por exemplo, podem parecer práticas lésbicas legítimas, ao invés de serem originárias da dominação masculina. Tais práticas podem aparecer em um espaço de mulheres politicamente dissociado do mundo masculino; no entanto, elas inserem essas mulheres de forma muito eficiente no mundo da sexualidade esquerdista e masculina gay, caracterizado pela erotização da dominação e submissão, da desigualdade.
A segunda forma de separatismo é aquela em que as mulheres continuam vivendo no mundo que os homens criaram ao mesmo tempo em que trabalham por modificá-lo a partir de um espaço construído pela amizade e cultura femininas. Nessa forma de separatismo, ou “separatismo tático”, feministas lésbicas podem desenvolver idéias e práticas mantendo em vista a realidade das vidas da maioria das mulheres. Dessa forma, o sadomasoquismo, por exemplo, deve ser avaliado quanto a suas origens na cultura supremacista masculina, suas implicações na vida das mulheres e se é adequado para a sobrevivência coletiva das mesmas. A base do feminismo lésbico sempre foi uma cultura e instituições feministas lésbicas separatistas.
O feminismo lésbico adotou do feminismo radical o conceito de que “o pessoal é político”, o qual aponta que a hierarquia deve ser eliminada da esfera privada se desejamos que a vida pública mude. Dessa forma, feministas lésbicas rejeitam papéis sexuais e qualquer manifestação de desigualdade em relacionamentos lésbicos. Compreendemos que lésbicas que adotam papéis sexuais estão reproduzindo os padrões nocivos da heterossexualidade que constituem obstáculos para a libertação lésbica.
A concepção do futuro pelo feminismo lésbico não consiste em um mundo público de oportunidades oficialmente iguais construído sobre um mundo privado no qual a desigualdade pode ser erotizada e utilizada para a excitação sexual. As esferas pública e privada devem ser parte de um todo comum, moldado para representar uma nova ética.
O feminismo lésbico desenvolveu a noção de que o pessoal é político em uma análise crítica não apenas de alguns aspectos da heterossexualidade, mas da heterossexualidade em si. Nessa análise, a heterossexualidade é vista como uma instituição política e não o resultado da biologia ou da preferência individual. A heterossexualidade deve ser analisada como um sistema político que possui tanta influência e implicações quanto o capitalismo e o sistema de castas. No sistema de castas da heterossexualidade, as mulheres são coagidas a servir aos homens de forma sexual, material e emocional. O seu trabalho é explorado através da sua posição subordinada e justificado pelo amor romântico ou por prerrogativas sociais. O sistema é reforçado pelo que Adrienne Rich chama “invisibilidade lésbica”, violência masculina, pressões familiares, restrições econômicas, o desejo de se adequar e de evitar exclusão e discriminação. Sheila Jeffreys sugeriu que o termo “heterossexual” seja utilizado para denominar práticas sexuais que surgem do poder masculino e da submissão feminina e erotizam diferenças de poder, e que o termo “homossexual” seja utilizado para definir o desejo que erotiza a igualdade.
A criação de uma sexualidade da igualdade em oposição à sexualidade da supremacia masculina, que erotiza a dominância e a subordinação, é crucial dentro do feminismo lésbico. A sexualidade na supremacia masculina é construída por via da opressão de mulheres e possui a função essencial mantê-la. A sexualidade é socialmente construída para homens a partir de sua posição de dominação, e para mulheres a partir de sua posição de subordinação. Dessa forma, a desigualdade erotizada das mulheres é o que constitui a excitação do sexo na supremacia masculina. Consequentemente, a sexualidade masculina comumente assume a forma de agressão, dominação, objetificação, a separação do ato sexual e emoção e o foco do sexo inteiramente direcionado ao intercurso e à penetração do pênis no corpo da mulher.
A sexualidade feminina assume a forma de prazer na sua posição subordinada, e a erotização da dominação do homem. Esse sistema não se demonstra eficiente. Por este motivo, uma legião de sexólogos e colunistas de dicas sexuais buscam incentivar, treinar e chantagear mulheres para que tenham orgasmos, ou ao menos entusiasmo sexual, no intercurso com homens. Feministas lésbicas identificaram o fracasso das mulheres em obter esse prazer (menos de 30% das mulheres heterossexuais relatam ter orgasmos freqüentes durante o coito) como resistência política, o que pode ser interpretado por “autoridades do sexo” como uma “ameaça à civilização”.
A construção da sexualidade ao redor da erotização da subordinação das mulheres e da dominação dos homens é problemática por outras razões, visto que ela sustenta a violência sexual masculina em suas diversas formas e cria a prerrogativa sexual dos homens de utilizar as mulheres, que se dissociam para sobreviver, na indústria do sexo, da prostituição e da pornografia. Por isso, feministas lésbicas e radicais compreendem que a sexualidade deve mudar. A sexualidade que torna excitante a opressão das mulheres é radicalmente contrária a qualquer movimento de mulheres em busca de libertação. Somente uma sexualidade igualitária é condizente com a ética feminista e a liberdade das mulheres.