lésbicas radicais autônomas sofrem violência lesbofóbica dentro do ato do 8 de março em SP

Difundimos e declaramos nossa sororidade às companheiras.

Lésbicas Radicais Autônomas mascaradas sofrem violência e perseguição dentro do ato do 8 de março em SP por parte dos militantes da FLM (Frente de Luta por Moradia). Leia a nota completa delas:

Relato de violência lesbofóbica e criminalização dos movimentos sociais dentro do ato do 8 de março em SP, e reflexão sobre o ódio anti-lésbicas dentro do movimento feminista atual

Breve Resenha de Algumas Teorias Lésbicas

breve resenha teroias lesbicasVersão zine traduzida ao português do texto de Jules Falquet, onde realiza uma magistral introdução ao pensamento lésbico.

* Para imprimir (pois não está editado versão impressão) escolha ‘imprimir como booklet/livreto/folheto na opção de impressão do pdf mesmo. Se tiver software livre tem um outro método de escolha das páginas que depois explico melhor.

Por hora, baixe a capa e o interior (logo mais eu unificarei num arquivo único) em:

capa breve resenha teorias lesbicas

+ zine breve resenha teorias lesbicas (versão impressão)

também:
breve resenha teorias lesbicas versão leitura

 

Zine Consenso Sexual Lésbico

consensolesbozine consensa lesbica corrigida (pedir para ‘imprimir como livreto/folheto/booklet se tiver pdf. Se for linux tem que ser de outra forma, mais tarde explico)

+ capa

(ainda não juntei as duas, faço isso mais tarde)

“Zine sobre consenso sexual lésbico, misturando partes autorais com outras adaptações e inspirações em outras zines. Produzi para distribuir numa oficina de prevenção e visibilização de violência entre lésbicas, pra seguir bem de guia rápido de identificação de comportamentos.
A idéia é que sirva tanto para que nos pensemos como agressoras e evitemos os comportamentos mostrados, como para tomarmos consciência e assertar nossos limites. A idéia do zine e de promover essas ferramentas não é como individualismo liberal, como se empoderando a pessoa para colocar os limites seja suficiente, pois não depende só de um momento de zine para desconstruir toda uma trajetória de feminização e desempoderamento de vida, além de questões estruturais mais amplas (violência masculina sistemática) ou de ordem traumática, porém pode ser um começo. Não cabe as vítimas ‘se empoderarem’ e sim as agressões serem paradas e nos responsabilizarmos de mudar condutas. Empoderamento é um processo coletivo e muitas vezes longo. Também penso que podemos nos localizar seja nos lugares de perpetradoras seja no de agredidas, sendo a questão da violência e como a reproduzimos complexa.

Trago a reflexão sobre prevenção e responsabilização porque penso que as dinâmicas de flerte não-positivas ou de relações possessivas e chantagistas estão demasiado naturalizadas, cabendo a nós indagá-las e repensá-las para construir novos referenciais, saudáveis, de nos relacionar e cuidar. Penso que o tema das agressões/relações complicadas entre lésbicas é invisível ainda, assim como há invisibilidade lésbica. Acho que deve ser trabalhada pela comunidade lésbica, por isso não acredito em abordagem penal [1] nem em estigmatização destrutiva das pessoas. Acho que existe dois tipos de agressora: as que reconhecem e que desconheciam até então que comportamentos podiam ser violentos (pois podemos reproduzí-los seja porque vivemos em lares violentos, aprendemos essas linguagens, seja porque nos identificamos com o agressor ao sermos abusadas ou agredidas, seja porque se naturalizava até então, por conta de romantismo que se pauta na idéia de conquista e insistência…) e as que não reconhecem e negam qualquer autocrítica. A gestão das situações de violência deve ser oportunidade para se pensar e refletir sobre. Dizer que algumas pessoas realmente “erraram” não é minimizar a situação nem o dano que promove. Somente penso que se exortamos nossos demônios pra fora como se fossemos todas perfeitas, e as lésbicas que reproduzem agressões e comportamentos complicados fossem um monstro dos mitos e meios jornalísticos, não o pensamos como parte do funcionamento de uma comunidade e entorno comum e logo não é por meio do escrache de uma lésbica que a gente vai garantir uma comunidade livre de abusos. Demonizamos e vilanizamos sujeitas e achamos que resolvemos o problema expulsando ele pra fora, mas todas podemos cometer agressões uma vez que nascemos num heteropatriarcado e estamos em um trabalho contínuo de nos desfazer dele.

Havia feito primeiramente com linguagem inclusiva porque achei que consentimento tinha que incluir o “respeito às identidades” e para dialogar com a pluralidade de pensamentos dentro do feminismo, mas como eu venho sendo crítica das categorias de análise propostas pelas políticas de identidade, e de forma a expressar meu  compromisso com mulheres e lesbiandade como projeto político e não identidade, eu retirei. 🙂 É só pra sapatão e mulher mesmo, logo é um zine específico.

Mais importante: a zine tá aberta a questionamentos e críticas e contribuições, principalmente se pensam que mais coisas poderiam ser agregadas a ela que tenham faltado, ou se querem questionar  e refletir a questão. Contatem hembrista @ riseup.net

***

[1] A não ser que o caso seja muito grave e precise dos meios legais e institucionais para ser parado. Tudo depende do que decida sobrevivente e com apoio de seu entorno. Mas acredito que são casos realmente graves que se deva apelar a qualquer meio judicial, ainda assim não creio na abordagem punitivista e sou completamente contrária ao escrache de lésbicas, acreditando que precisamos desenvolver uma forma não-heterocentrada de abordar os nossos problemas entre lésbicas.

Por que me nomeio lésbica, por Cheryl Clarke

“Eu me nomeio ‘lésbica’ porque essa cultura oprime, silencia e destrói as lésbicas, mesmo as lésbicas que não chamam a elas mesmas como ‘lésbicas’. Eu nomeio a mim mesma ‘lésbica’ porque eu quero ser visível para outras lésbicas negras. Eu nomeio a mim mesma ‘lésbica’ porque eu não quero subscrever-me à heterosexualidade predatória/institucionalizada. Eu me nomeio lésbica porque eu quero estar com mulheres (e elas todas não têm que chamarem-se a si mesmas ‘lésbicas’). Eu me nomeio ‘lésbica’ porque é parte da minha visão. Eu nomeio a mim mesma lésbica porque ser mulher-identificada foi o que veio me mantendo sã. Eu chamo a mim mesma ‘Negra’, também, porque Negra é a minha perspectiva, minha Estética, minhas políticas, minha visão, minha sanidade” –

– Cheryl Clarke, em “Novas Notas em Lesbianismo”.

aversão poética zine por Formiga

Descrição: Salve! O poezine Aversão Poética está sendo
desenvolvido pela necessidade criar um espaço em que minha poesia negra,lésbica e suburbana tenha visibilidade. São experiências anarquistas e feministas vivenciadas no meu cotidiano e perspectivas de próximas ação políticas pessoais, usando a arte de forma contra-culturaValeu! FORMIGA

poezine aversão poética #1
poezine aversão poética #2

projeto: violência nas relações lésbicas

‘sobre:viventes’: rompendo o silêncio sobre relações de maltrato e abuso entre lésbicas

 
A convocatória se destina a todas as lésbicas que desejem romper o silêncio ao falar, de preferência em primeira pessoa, sobre o tema e começar a pensar, discutir e visibilizar a questão da violência nas nossas comunidades e vínculos lésbicos. Esse exercício é um movimento afirmativo que pode ser recebido como o início de um processo de cura pessoal e coletiva. Ao compartilharmos, ainda que de maneira anônima e indireta, experiências pessoais, além de diminuirmos nosso isolamento, iniciamos a nossa recuperação.Utilizaremos o fanzine como espaço protegido, auto-gerido, livre de julgamento e que garante o anonimato, destinado a acolher relatos escritos (sempre que possível em primeira pessoa) sobre nossas historias focalizando as relações íntimas que tivemos nas quais vivenciamos violência sexual, maltrato emocional, físico e abuso. São encorajadas também as iniciativas que abrigam relatos de quando agimos como perpetradoras dessas dinâmicas, para que pensemos as modificações que podemos fazer sobre nossas condutas.Cuidar de nossas comunidades e curá-las da violência implica entender suas origens e relações com as heranças da cultura de abuso e almejar modificar comportamentos assumindo praticas cotidianas e intimas que desconstruam a mesma. Por isso incentivamos a todas que busquemos, na medida do possível, formas e termos não heterocentrados para nos referirmos às nossas herstórias e que tentemos preservar esse espaço como “um lugar de fora” (elsewhere), tão marginal quanto possível em relação aos aparelhos de captura do sistema heteronormativo.

Envie seu relato para: sobre.viventes@riseup.net

Aconselhamos também o uso de e-mail seguro para envio de propostas e asseguramos que será mantido o anonimato de todas as pessoas citadas nos relatos.

Prazo para envío de escritos: por hora em aberto

lesbianismo político & separatismo

A base do feminismo lesbiano, e também do feminismo radical, é o amor entre as mulheres. Esse é um conceito essencial dentro do feminismo. Seguindo esse conceito, pode-se afirmar que a lésbica é a mulher cuja consciência de si própria e energias (inclusive energias sexuais) são direcionadas às mulheres. Ela se identifica com mulheres, e as procura em busca de apoio emocional, físico, econômico e político. Ela se importa com mulheres, e ela se importa com ela própria. O amor e a amizade entre mulheres são vistos e tratados com hostilidade pela sociedade e cultura supremacista masculina. A amizade feminina foi transformada em um tabu, ao ponto de que há mulheres que repudiam suas semelhantes. Por esse motivo, a sobrevivência do feminismo depende da solidarização entre as mulheres. Se não nos amarmos umas às outras e a nós mesmas, não possuiremos uma base com a qual identificar e rejeitar atrocidades praticadas contra mulheres. Porém, o amor entre as mulheres é mais do que uma versão feminina de camaradagem.

A criação de laços que é o amor entre as mulheres ou ginoafeto como denominado por Janice Raymond, é muito diferente da união entre homens. Esta última tem sido o que mantém a dominação masculina, e está baseada no reconhecimento da diferença que os homens vêem entre eles próprios e as mulheres, e que se fundamenta num conjunto de comportamentos — a masculinidade — que cria e mantém o poder masculino. Mary Daly definiu a união entre mulheres que amam mulheres como sendo biofílica (amor à vida), a fim de distingui-la de outras formas de criação de laços na “sado-sociedade” supremacista masculina. Ela aponta que a camaradagem/união masculina subsiste da energia sugada das mulheres.

A lésbica do feminismo lésbico é diferente da homossexual feminina ou desviante sexual feminina ou a lésbica de movimentos assimilacionistas, e também muito diferente do homem gay da libertação gay. Embora a libertação gay tenha reconhecido que a orientação sexual é construída socialmente, em nenhum momento fazia a sugestão de que a homossexualidade poderia surgir de uma escolha voluntária, a ser feita como uma forma de resistência ao sistema político opressivo. A feminista lésbica encara seu lesbianismo como algo que pode ser escolhido, e como resistência política posta à prática. Os homens da libertação gay costumam dizer “eu tenho orgulho”, enquanto que feministas lésbicas dizem “eu escolho”. Isso não implica que a feminista lésbica tenha escolhido seu lesbianismo de forma consciente. Ela pode ter sido lésbica antes de se identificar como feminista. Mas, independente da forma que uma mulher vivencia o seu lesbianismo, ela se rebelou contra a exigência de tornar-se a mulher dependente do homem, a mulher heterossexual. Essa rebelião impõe um grande risco ao patriarcado.

A ênfase na necessidade de algum grau de separação da política, das instituições e da cultura dos homens é uma das características que distingue o feminismo lésbico de outras modalidades de política lésbica. Tal separação é necessária porque o feminismo lésbico, bem como o feminismo radical, se baseia na noção de que as mulheres vivem, como descrito por Mary Daly, num permanente “estado de atrocidade”. O estado de atrocidade é a condição na qual as mulheres têm sobrevivido às violências e torturas ao longo da história da civilização. Essas violências incluem, por exemplo, a violência doméstica que destrói as vidas das mulheres, abusos, estupros, incesto, a indústria do sexo e o tráfico internacional de mulheres. Essa condição na qual as mulheres vivem é criada e defendida por um sistema de idéias representado pelas religiões do mundo, pela psicanálise, pela pornografia, sexologia, ciência, medicina e pelas ciências sociais. Todos esses sistemas de idéias estão fundados no que Monique Wittig denomina o “pensamento hétero”, ou seja, construídos pela heterossexualidade e sua dinâmica de dominação e submissão. Aos olhos de feministas lésbicas radicais, esse pensamento hétero é universalmente difundido nos sistemas de idéias da supremacia masculina.

A criação de espaços para abrigar uma nova visão do mundo é um dos motivos essenciais para o separatismo lésbico. Lésbicas se organizam para formar seus próprios grupos, espaços, expressões artísticas, etc. Frequentemente, estes espaços são abertos para mulheres em geral, não apenas para lésbicas.

O separatismo lésbico pode assumir duas formas diferentes. Algumas lésbicas buscam criar uma cultura, espaço e comunidade lésbica na qual elas podem viver tão distantes do mundo dominado pelos homens quanto possível. Essa forma de separatismo pode apresentar riscos para a sua ética feminista. Ela pode culminar em uma dissociação do mundo, ao ponto de que o contexto no qual certas práticas e idéias surgiram na supremacia masculina é esquecido, e tudo que uma lésbica faz ou pensa recebe apoio. Portanto, as práticas sadomasoquistas criadas por lésbicas ou papéis sexuais butch/femme, por exemplo, podem parecer práticas lésbicas legítimas, ao invés de serem originárias da dominação masculina. Tais práticas podem aparecer em um espaço de mulheres politicamente dissociado do mundo masculino; no entanto, elas inserem essas mulheres de forma muito eficiente no mundo da sexualidade esquerdista e masculina gay, caracterizado pela erotização da dominação e submissão, da desigualdade.

A segunda forma de separatismo é aquela em que as mulheres continuam vivendo no mundo que os homens criaram ao mesmo tempo em que trabalham por modificá-lo a partir de um espaço construído pela amizade e cultura femininas. Nessa forma de separatismo, ou “separatismo tático”, feministas lésbicas podem desenvolver idéias e práticas mantendo em vista a realidade das vidas da maioria das mulheres. Dessa forma, o sadomasoquismo, por exemplo, deve ser avaliado quanto a suas origens na cultura supremacista masculina, suas implicações na vida das mulheres e se é adequado para a sobrevivência coletiva das mesmas. A base do feminismo lésbico sempre foi uma cultura e instituições feministas lésbicas separatistas.

O feminismo lésbico adotou do feminismo radical o conceito de que “o pessoal é político”, o qual aponta que a hierarquia deve ser eliminada da esfera privada se desejamos que a vida pública mude. Dessa forma, feministas lésbicas rejeitam papéis sexuais e qualquer manifestação de desigualdade em relacionamentos lésbicos. Compreendemos que lésbicas que adotam papéis sexuais estão reproduzindo os padrões nocivos da heterossexualidade que constituem obstáculos para a libertação lésbica.

A concepção do futuro pelo feminismo lésbico não consiste em um mundo público de oportunidades oficialmente iguais construído sobre um mundo privado no qual a desigualdade pode ser erotizada e utilizada para a excitação sexual. As esferas pública e privada devem ser parte de um todo comum, moldado para representar uma nova ética.

O feminismo lésbico desenvolveu a noção de que o pessoal é político em uma análise crítica não apenas de alguns aspectos da heterossexualidade, mas da heterossexualidade em si. Nessa análise, a heterossexualidade é vista como uma instituição política e não o resultado da biologia ou da preferência individual. A heterossexualidade deve ser analisada como um sistema político que possui tanta influência e implicações quanto o capitalismo e o sistema de castas. No sistema de castas da heterossexualidade, as mulheres são coagidas a servir aos homens de forma sexual, material e emocional. O seu trabalho é explorado através da sua posição subordinada e justificado pelo amor romântico ou por prerrogativas sociais. O sistema é reforçado pelo que Adrienne Rich chama “invisibilidade lésbica”, violência masculina, pressões familiares, restrições econômicas, o desejo de se adequar e de evitar exclusão e discriminação. Sheila Jeffreys sugeriu que o termo “heterossexual” seja utilizado para denominar práticas sexuais que surgem do poder masculino e da submissão feminina e erotizam diferenças de poder, e que o termo “homossexual” seja utilizado para definir o desejo que erotiza a igualdade.

A criação de uma sexualidade da igualdade em oposição à sexualidade da supremacia masculina, que erotiza a dominância e a subordinação, é crucial dentro do feminismo lésbico. A sexualidade na supremacia masculina é construída por via da opressão de mulheres e possui a função essencial mantê-la. A sexualidade é socialmente construída para homens a partir de sua posição de dominação, e para mulheres a partir de sua posição de subordinação. Dessa forma, a desigualdade erotizada das mulheres é o que constitui a excitação do sexo na supremacia masculina. Consequentemente, a sexualidade masculina comumente assume a forma de agressão, dominação, objetificação, a separação do ato sexual e emoção e o foco do sexo inteiramente direcionado ao intercurso e à penetração do pênis no corpo da mulher.

A sexualidade feminina assume a forma de prazer na sua posição subordinada, e a erotização da dominação do homem. Esse sistema não se demonstra eficiente. Por este motivo, uma legião de sexólogos e colunistas de dicas sexuais buscam incentivar, treinar e chantagear mulheres para que tenham orgasmos, ou ao menos entusiasmo sexual, no intercurso com homens. Feministas lésbicas identificaram o fracasso das mulheres em obter esse prazer (menos de 30% das mulheres heterossexuais relatam ter orgasmos freqüentes durante o coito) como resistência política, o que pode ser interpretado por “autoridades do sexo” como uma “ameaça à civilização”.

A construção da sexualidade ao redor da erotização da subordinação das mulheres e da dominação dos homens é problemática por outras razões, visto que ela sustenta a violência sexual masculina em suas diversas formas e cria a prerrogativa sexual dos homens de utilizar as mulheres, que se dissociam para sobreviver, na indústria do sexo, da prostituição e da pornografia. Por isso, feministas lésbicas e radicais compreendem que a sexualidade deve mudar. A sexualidade que torna excitante a opressão das mulheres é radicalmente contrária a qualquer movimento de mulheres em busca de libertação. Somente uma sexualidade igualitária é condizente com a ética feminista e a liberdade das mulheres.

“LESBICAS EM REVOLTA”, Tremores e Arrepios na Supremacia Masculina, por Charlotte Bunch

Este artigo foi escrito para a revista The Furies, publicação lésbica feminista, no vol.1 em Janeiro 1972. A revista era editada por uma coletiva lésbica separatista com o mesmo nome, e se prestava a fazer emergir uma teoria e uma análise lésbico-feminista própria. Segue o texto:

O desenvolvimento de políticas Lésbicas-Feministas como a base para a libertação das mulheres é nossa prioridade maior, esse artigo contorna nossas idéias presentes. Em nossa sociedade que define todas pessoas e instituições para o benefício dos ricos, homens e brancos, a Lésbica está em revolta. Em revolta porque ela define a si mesma nos termos das mulheres e rejeita as definições dos homens de como ela deve se sentir, agir, aparentar e viver. Ser uma lésbica é amar-se a si mesma, mulher, numa cultura que deprecia e despreza mulheres. A Lésbica rejeita a dominação sexual/política masculina, ela desafia seu mundo, sua organização social, sua ideologia, e sua definição dela como inferior. Lesbianismo coloca a mulher em primeiro lugar enquanto a sociedade declara o macho supremo. Lesbianismo ameaça supremacia masculina ao seu núcleo. Quando politicamente consciente e organizado, é central em destruir nosso sistema sexista, racista, capitalista e
imperialista.

Lesbianismo é uma
escolha política

A sociedade masculina define Lesbianismo como um ato sexual, o que reflete a visão limitada das mulheres: eles apenas nos pensam em termos de sexo. Eles também dizem que Lésbicas não são mulheres reais, logo, uma mulher real é aquela que é fodida por homens. Nós dizemos que uma Lésbica é uma mulher a qual o senso de si e de energias, incluindo energias sexuais, centram em torno de mulheres – ela é identificada com/como/na mulher (Mulher-Identificada).

A mulher-identificada com a mulher compromete a si mesma às outras mulheres para suporte político, emocional, físico e econômico. Mulheres são importantes pra ela. Ela é importante pra si mesma. Nossa sociedade demanda que o comprometimento das mulheres seja reservado aos homens.

A Lésbica, a mulher-identificada com a mulher, compromete a si mesma às mulheres mão apenas como uma alternativa aos relacionamentos opressivos homem-mulher, mas primariamente porque ela ama mulheres. Seja conscientemente ou não, pelas suas ações a Lésbica reconheceu que dando suporte e amor a homens sobre mulheres, perpetua o sistema que a oprime. Se mulheres não fizerem um comprometimento dumas com as outras, que inclua amor sexual, nós negamos a nos mesmas o valor e amor tradicionalmente dados aos homens. Nós aceitamos nosso status de classe secundária. Quando mulheres dão energias primárias a outras mulheres, então é possível concentrar-se plenamente em construir um movimento para nossa libertação.

Lesbianismo identificado-em mulher é, então, mais do que uma preferência sexual, é uma escolha política. É político porque relações entre homens e mulheres são essencialmente políticas, elas envolvem poder e dominância.

Uma vez que Lésbicas rejeitam ativamente esses relacionamentos e escolhem mulheres, ela desafia o sistema político estabelecido.

 

Lesbianismo, por si mesmo, não é o suficiente


É claro, nem todas Lésbicas são conscientemente mulheres-identificadas, nem são todas comprometidas em achar soluções comuns para a opressão que elas sofrem como mulheres e Lésbicas. Ser uma lésbica é parte do desafio à supremacia masculina, mas isso não é o fim. Para a Lésbica ou mulher heterosexual, não há solução
individual para a opressão.

A Lésbica pode pensar que ela é livre uma vez que ela escapa da
opressão pessoal dos relacionamentos homem/mulher. Mas para a
sociedade ela ainda é uma mulher, ou pior, uma Lésbica visível. Nas
ruas, no trabalho, nas escolas, é tratada como inferior e está sob a
custódia dos caprichos e poder masculino (eu nunca ouvi falar de um
estuprador que parou porque sua vítima era Lésbica). Esta sociedade
odeia mulheres que amam mulheres, e então, a Lésbica, que escapa à
dominância masculina em seu lar privado, recebe-a em dobro das mãos da sociedade masculina, ela é assediada, isolada e calada ao máximo.

As Lésbicas precisam se tornar feministas e lutar contra a opressão das mulheres, assim como feministas precisam se tornar Lésbicas se elas
esperam pôr fim à Supremacia Masculina.

A sociedade estadunidense encoraja soluções individuais, atitudes
apolíticas e reformismo para nos manter aquém de revolta política e
afastadas do poder. Homens que comandam e machos esquerdistas que
desejam governar tentam despolitizar sexo e as relações entre homens e
mulheres de forma a nos prevenir de atuar para pôr fim à nossa
opressão e desafiar seu poder. Assim que a questão da homossexualidade
se torna pública, reformistas definem-na como uma questão privada de
‘com quem você dorme’ no intento de retroceder nosso entendimento das
políticas de sexo. Para a Feminista-Lésbica essa não é uma questão
privada, isso é uma matéria política de opressão, dominação e poder. Reformistas oferecem soluções que mantém o poder nas mãos do opressor.

A única maneira que pessoas oprimidas coloquem fim a sua opressão é por arrebatar poder: pessoas cujo poder depende da subordinação de outras não irão voluntariamente parar de oprimir. Nossa subordinação é a base do poder masculino.

 

Sexismo é a raíz de toda opressão

A primeira divisão de trabalho, na pré-história, foi baseada em sexo: homens caçavam, mulheres construíam as vilas, cuidavam das crianças e
roçavam. Mulheres coletivamente controlavam a ilha, a linguagem, a
cultura e as comunidades. Homens eram aptos a conquistar mulheres com
armas que desenvolveram para caçar quando se tornou claro que mulheres
estavam liderando uma existência mais estável, pacífica e desejável.

Nós não sabemos exatamente como essa conquista tomou lugar, mas está
claro que o imperialismo original foi dos homens sobre as mulheres: o
homem clamando o corpo feminino e seus serviços como seu território
(ou propriedade).

Tendo garantido a dominação sobre mulheres, homens continuaram seu
modelo de supressão de pessoas, agora nas bases da tribo, raça e
classe. Apesar de que tenha havido numerosas batalhas sobre classe e,
raça e nação passados três mil anos, nenhuma trouxe a libertação das
mulheres. Enquanto essas outras formas de opressão devem ser
terminadas, não há razão para acreditar que nossa libertação virá com
a destruição do capitalismo, racismo ou imperialismo de hoje. Mulheres
serão livres apenas quando se concentrarem em derrotar Supremacia
Masculina.

Nossa guerra contra supremacia masculina envolve, entretanto, atacar
as dominações atuais baseadas em classe, raça e nação.

Como Lésbicas que estão subtraídas de qualquer grupo, seria suicídio perpetuar essas divisões feitas por homens entre nós mesmas. Nós não temos privilégios heterosexuais, e quando nós publicamente assertarmos nossa Lesbianidade, aquelas de nós que o fizeram perderam muitos de nossos privilégios de classe e raça: muitos de nossos privilégios como
mulheres são concedidos a nós por nossos relacionamentos com homens
(pais, maridos, namorados) a quem agora rejeitamos. Isso não significa
que não há chauvinismo racista ou classista em nósmas nós precisamos
destruir essas divisões remanescidas de comportamento privilegiado
entre nós como primeiro passo acerca de sua destruição em nossa
sociedade. Raça, classe e opressões nacionais advêm de homens, servem
aos interesses da elite da classe de homens reinantes, e não têm lugar
em uma revolução que seja mulher-identificada.

 

Lesbianismo é a ameaça básica à supremacia masculina

Lesbianismo é a ameaça à base ideológica, política, pessoal e
econômica da supremacia masculina.  As lésbicas ameaçam ideologia da
supremacia masculina por destruir a mentira da inferioridade, fraqueza, passividade da mulher, e por negar a necessidade ‘inata’ de mulheres por homens (até mesmo para procriação se a ciência da clonagem for desenvolvida).

A independência Lésbica e recusa a suportar a um homem mina o poder
pessoal que homens exercem sobre mulheres. Nossa rejeição do sexo
heterosexual desafia dominância masculina em sua forma mais
individual e comum. Nós oferecemos a todas mulheres algo melhor que
submissão à opressão pessoal. Nós oferecemos o início do fim da
supremacia masculina coletiva e individual. Desde que homens de todas
raças e classes dependem de suporte e submissão femininos para
trabalhos práticos e sentimento de onipotência, nossa recusa a
submeter-nos irá forçar alguns a examinar seus comportamentos
sexistas, a quebrar com seus próprios privilégios destrutivos sobre
outros humanos e a lutar contra esses privilégios nos outros homens.

Eles terão que construir novos sentidos de ser que não dependam de
oprimir mulheres e aprendam a viver em estruturas sociais que não os
dê poder sobre ninguém.

A Heterossexualidade separa mulheres umas das outras, ela faz mulheres
definirem a si mesmas através de homens, ela força mulheres a competir
umas contra as outras por homens e os privilégios que advém por
intermédio deles e sua posição social. A sociedade heterossexual oferece
a mulheres poucos privilégios como compensações se elas abrirem mão
de sua liberdade: por exemplo, mães são respeitadas e ‘honradas’,
esposas ou amantes são socialmente aceitadas e dadas alguma segurança
econômica e emocional, uma mulher toma proteção física nas ruas quando
ela está com seu homem, etc. Os privilégios dão a mulheres
heterosexuais um motivo. pessoal e político em manter o status quo.

A Lésbica não recebe qualquer desses privilégios heterossexuais uma vez
que ela não aceita a demanda dos homens dela. Ela tem poucos
interesses velados em manter o sistema político presente uma vez que
todas instituições – igreja, estado, mídia, saúde, escolas – trabalham
para mantê-la abaixo. Se ela compreender sua opressão, ela não tem nada a ganhar suportando a América macha branca rica e muito a ganhar de lutar para mudar isso. Ela está menos inclinada a aceitar soluções
reformistas para a opressão de mulheres.
Economias são uma parte crucial da opressão de mulheres, mas nossa
análise de relações entre capitalismo e sexismo não estão completas. Nós sabemos que teoria econômica marxista não considera suficientemente o papel de mulheres ou Lésbicas, e nós estamos presentemente trabalhando nessa área.

De qualquer forma, como um início, alguma das formas como Lésbicas
ameaçam o sistema econômico são claras: nesse país, mulheres trabalham
para homens para sobreviver, no trabalho e em suas casas. A Lésbica
rejeita essa divisão de trabalho nas suas raízes; Ela recusa ser uma
propriedade de um homem, a submeter-se ao sistema de trabalho mal pago de dona de casa e criação de crianças. Ela rejeita a família nuclear
como a unidade básica de produção e consumo em uma sociedade capitalista.

A Lésbica é também uma ameaça ao trabalho porque ela não é a trabalhadora mulher passiva/turno-parcial com que capitalismo conta para
fazer trabalho enfadonho e ser parte de um suprimendo laboral acumulativo.

Sua identidade e suporte econômico não vêm de homens, então seu trabalho é crucial e ela se preocupa com condições de trabalhos, salários, promoção e status.

O Capitalismo não pode absorver
largo número de mulheres demandando emprego estável, salários
decentes, e recusando aceitar exploração de trabalho tradicional.  Nós não entendemos ainda os efeitos totais dessa insatisfação crescente de
trabalho que temos. Isso é, de qualquer forma, está claro que uma vez que
mulheres se tornam mais intencionadas em tomar controle de suas vidas, vão procurar maior controle sobre seus trabalhos, por incrementar as tensões do capitalismo e incrementar o poder das mulheres para mudar o sistema econômico

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento para reagir à supremacia masculina

O Lesbianismo Feminista, como a ameaça mais básica à supremacia masculina, toma parte da análise do sexismo da Libertação das Mulheres
e dá à ela força e direção. A Libertação das Mulheres carece de
direção agora porque ela tem falhado em encarar classe e raça como
diferenças reais nos comportamentos de mulheres e necessidades
políticas. Enquanto mulheres heteros vejam Lesbianismo como uma
questão privada, elas estarão contendo o desenvolvimento de políticas e
estratégias que poderiam por um fim à supremacia masculina, e elas dão
a homens uma desculpa pra não lidar com seu sexismo.

Ser uma Lésbica significa acabar com sua identificação, sua aliança,
sua dependência, e seu suporte à heterossexualidade. Significa acabar
seu envolvimento no mundo masculino tanto que você se une às mulheres,
individualmente e coletivamente, na luta para acabar com sua opressão. Lesbianismo é a chave para a libertação, e apenas mulheres que cortarem seus laços com Privilégio Masculino podem ser acreditadas de
permanecerem sérias na luta contra dominância masculina. Aquelas que
se mantém ligadas a homens, individualmente ou em teoria política, não se permitem jamais pôr mulheres em primeiro lugar. Não é que mulheres
heterossexuais sejam más ou não se importem com suas irmãs. Isso é
porque a vera essência, definição, e natureza de heterossexualidade é
homens-em-primeiro. Toda mulher experienciou aquela desolação quando
sua irmã pôe seu homem em primeiro lugar ao final de um confronto:
a heterossexualidade demanda que ela o faça. Enquanto mulheres ainda se
beneficiarem da heterossexualidade, receber seus privilégios e
segurança, elas irão em alguma hora ter de trair suas irmãs,
especialmente as irmãs Lésbicas que não recebem esses privilégios.

As mulheres na Libertação de Mulheres têm entendido a importância de ter encontros e outros eventos apenas para mulheres. Tem sido claro que lidando com homens divide- nos e drena nossas energias e que não é o
papel do oprimido explicar ao opressor a sua opressão. Mulheres também
têm visto que coletivamente, homens não vão lidar com seu sexismo até
que eles sejam forçado a isso. Mesmo assim, muitas dessas mulheres
continuam mantendo relacionamentos primários com homens
individualmente e não compreendem porque as Lésbicas acham isso
opressivo. As Lésbicas não podem crescer politicamente ou pessoalmente em uma situação que nega a base de nossas políticas: que Lesbianismo é
político, que heterossexualidade é crucial para manutenção da
supremacia masculina.

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento político na ordem de crescer.  Mudanças que vão ter mais do que efeitos simbólicos em nossas vidas serão guiadas por Lésbicas mulheres-identificadas que entenderam a natureza de nossa opressão e que estão por isso mesmo em posição de acabá-la.

“Uma declaração Negra Feminista” – Combahee River Colective (A Coletiva do Rio Combahee) – Abril de 1977

A Coletiva do Rio Combahee (Combahee River Colective) foi um grupo feminista negro ubicado na cidade de Boston cujo nome veio da ação guerrilheira inventada e dirigida por Harriet Tubman em 12 de junho de 1963, na região Port Royal do estado da Carolina do Sul. Esta ação liberou mais de 750 escrav*s e é a única campanha militar na história americana planejada e dirigida por uma mulher.

Somos uma coletiva de feministas Negras1 que estiveram se juntando desde 1974. Durante este tempo estivemos nos envolvendo no processo de definir e clarificar nossa política, e ao mesmo tempo estivemos fazendo trabalho político em nosso próprio grupo e em coalizão com outras organizações e movimentos progressistas. A declaração mais geral de nossa política neste momento seria a de que estamos comprometidas a lutar contra a opressão racial, sexual, heterossexual e classista, e que nossa tarefa específica é o desenvolvimento de uma análise e prática integradas baseadas no fato de que os sistemas maiores de opressão se interligam. A síntese dessas opressões criam as condições de nossas vidas.

Como Negras vemos o feminismo Negro como o lógico movimento político para combater as opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor.

 A seguir discutiremos quatro temas importantes: (1) A gênese do feminismo Negro contemporâneo; (2) no que acreditamos, por exemplo, no campo específico da nossa política; (3) os problemas em organizar as feministas Negras, incluindo uma breve “herstoria”2 de nossa coletiva e (4) os temas e a prática feminista negra.


1. A Gênese do feminismo Negro contemporâneo

Antes de apresentar o recente desenvolvimento do feminismo Negro gostaria de afirmar que localizamos nossas origens na realidade histórica das mulheres afro-americanas3 e sua luta contínua de vida ou morte para sua Sobrevivência e libertação. A relação excessivamente negrativa da Negra com o sistema político estadounidense (um Sistema manejado pelo homem branco) sempre foi determinada pela nossa categorização em duas castas oprimidas: a racial e a sexual. Angela Davis indicou em “Reflexões sobre o papel da mulher Negra em uma comunidade de escravos” que as Negras sempre incorporaram, mesmo que somente em sua manifestação física, uma postura adversária ao mando do homem branco e estiveram resistindo ativamente às incursões sobre elas e suas comunidades de maneira tanto dramática quanto sutis. Sempre houveram Negras ativistas – umas conhecidas como Soujourner Truth[1], Harriet Tubman[2], Frances E. W. Harper,[3] Ida B. Wells Barnett[4] e Mary Church Terrel[5], assim como mil tantas outras não conhecidas que compartiram seu reconhecimento de que a combinação da sua identidade sexual e identidade racial faz única sua situação vital total tanto como o enfoque de suas batalhas políticas. O feminismo negro contemporâneo é um reflorecimento de incontáveis gerações de sacrifício pessoal, militância e trabalho por parte de nossas mães e irmãs.

Uma presença feminista Negra se há desenvolvido mais claramente em conexão com a segunda onda do movimento da mulher angloamericana que começou pelos últimos anos dos ’60. As Negras, outras terceiromundistas e trabalhadoras se comprometeram ao movimento feminista desde seus princípios, mas as forças reacionárias exteriores tanto como o racismo e elitismo dentro do mesmo movimento serviram para obscurecer nossa participação. Em 1973, feministas Negras, principalmente as radicadas em Nova Iorque, sentiram a necessidade de formar um grupo feminista Negro separado. Este veio a ser a Organização Nacional Feminista Negra (The National Black Feminist Organization – NBFO).

A política feminista Negra também tem uma conexão evidente com os movimentos para a libertação Negra, em particular os das décadas de 60 e 70. Muitas de nós participamos nos movimentos (Direitos Civis, Nacionalismo Negro, As Panteras Negras) e todas nossas vidas foram afetadas e transformadas por suas ideologias, suas metas, e as táticas empregadas para alcançá-las. Nossa experiência e desilusão com esses movimentos de libertação, tanto como a experiência nas margens esquerdistas masculinas dos brancos, nos levou a ver a necessidade de desenvolver uma política que fosse anti-racista, à diferença das mulheres brancas, e anti-sexista, à diferença dos homens Negros e brancos.

Sem dúvida também há uma gênese pessoal no feminismo Negro, isso é, o reconhecimento político que emerge das experiências aparentemente pessoais das vidas individuais das mulheres Negras. As Feministas Negras e muitas mais Negras que não se definem como feministas experimentaram a opressão sexual como um fator constante em nossa existência cotidiana. Como meninas percebemos que eramos diferentes dos homens e que eles nos tratavam distinto. Por exemplo, ao mesmo tempo que nos faziam calar-nos para que nos vissem como “damas” e para nos fazermos mais admissíveis aos olhos da gente branca. Enquanto crescíamos nos demos conta que a ameaça de abuso físico e sexual por parte dos homens. A pesar de tudo, não tínhamos nenhuma maneira de conceptualizar o que era tão óbvio para nós, que sabíamos o que em realidade sucedia.

As Feministas Negras frequentemente falam de seus sentimentos de loucura de reconhecer os conceitos da política da sexualidade, do mando patriarcal, e mais importante, o feminismo, o análise político e a prática que nós as mulheres usamos para lutar contra nossa opressão. O fato de que a política racial e claramente o racismo são fatores que penetram em nossas vidas não nos permite a nós nem a maioria das mulheres Negras, ver mais a fundo dentro de nossas experiências e, a partir de esta conscientização desenvolvida e compartilhada, construir uma política que transformará nossas vidas e inevitavelmente dará fim a nossa opressão. Nosso desenvolvimento também está submetido à atual posição política da gente Negra. A geração da juventude Negra que seguiu à segunda guerra mundial foi a primeira que pode tomar a menor vantagem de certas opções educativas e de emprego, antes totalmente fechadas à gente Negra. Como resultado dessas poucas opções, nossa posição econômica ainda está pelo chão da economia capitalista norte-americana, umas poucas de nós pudemos obter conhecimentos que nos permitem lutar contra nossa opressão de maneira eficaz.

Uma combinada posição anti-racista e anti-sexista nos juntou inicialmente e, enquanto nos desenvolvíamos politicamente nos dirigimos ao heterossexismo e à opressão econômica sob o capitalismo.

2. No que acreditamos

Sobretudo, nossa política brotou primeiramente da crença compartida de que as Negras somos inerentemente valiosas, que nossa libertação é necessária, não como adjunto à de alguém mais, mas devido a nossa necessidade de autonomia como pessoas humanas. Isso pode parecer tão óbvio como para soar simples, mas é aparente que nenhum outro movimento ostensivelmente progressista considerou nossa opressão específica como prioridade nem trabalhou seriamente para acabar com essa opressão. Só nomear os estereótipos pejorativos atribuídos às Negras (por exemplo mammy/niñera Negra, matriarca, Sapphire, puta, bull-daggar/sapatão) sem categorizar o tratamento cruel, frequentemente sanguinário, indica o tão pouco valor que foi dado a nossas vidas durante quatro séculos de escravidão no hemisfério ocidental. Reconhecemos que a única gente a quem importamos o suficiente para trabalhar por nossa libertação somos nós mesmas. Nossa política nasce de um amor saudável por nós mesmas, nossas irmãs, nossa comunidade que nos permite continuar nossa luta e trabalho.

Este enfoque sobre nossa própria opressão está incorporado ao conceito de política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente a mais radical se deve basear diretamente em nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente. No caso das Negras este conceito é especialmente repugnante, perigoso, e ameaçante, e portanto revolucionário porque é óbvio ao ver de todos os movimentos políticos antecedentes ao nosso que neles qualquer outra pessoa merece a libertação mais que nós mesmas. Rechaçamos pedestais, ser rainhas, ou ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é suficiente.

Nós acreditamos que a política da sexualidade sob este sistema patriarcal se assenhora da vida das vidas das mulheres Negras tanto como a política de classe e raça. Também encontramos difícil separar a opressão racial da classista e da sexual porque em nossas vidas as três são uma experiência simultânea. Sabemos que não existe uma coisa tal como uma opressão racial-sexual que não seja somente racial ou somente sexual; por exemplo, a história da violação das Negras por homens brancos como uma arma da repressão política.

Embora sejamos feministas e lesbianas, sentimos solidariedade com os homens Negros progressistas e não defendemos o processo de fraccionamento que exigem as mulheres brancas separatistas. Nossa situação como gente Negra requer que tenhamos uma solidariedade pelo fato de ser da mesma raça, a qual as mulheres brancas evidentemente não necessitam ter com os homens brancos, a menos que sea sua solidariedade negativa como opressores raciais. Lutamos juntas com os homens Negros contra o racismo, enquanto também lutamos com homens Negros sobre o sexismo.

Reconhecemos que a liberação de toda gente oprimida requer a destruição dos sistemas político-econômicos do capitalismo e do imperialismo tanto como o do patriarcado. Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho tem que se organizar para o benefício coletivo dos que fazem o trabalho e criam os produtos dele, e não para o proveito dos patrões. Os recursos materiais tem que ser distribuídos igualmente entre tod*s que criem esses recursos. Não estamos convencidas, no entanto, que uma revolução socialista que não seja também uma revolução feminista e anti-racista nos garantirá nossa libertação. Chegamos à necessidade de desenvolver um entendimento das relações entre classes que tome em conta a posição específica da classe das Negras que geralmente estão nas margens da força operária, embora durante este tempo em particular algumas de nós sejamos percebidas duplamente como símbolos desejáveis nos níveis funcionários e profissionais.

Necessitamos verbalizar a situação real de classe das pessoas que não são simplesmente trabalhador*s sem raça, sem sexo, mas para quem as opressões raciais e sexuais são determinantes significantes em suas vidas laborais/econômicas. Embora compartilhemos um acordo essencial com a teoria de Marx quanto ao que se refere às relações econômicas específicas que ele analizou, sabemos que seu análise tem que extender-se mais para que nós compreendermos nossa situação específica econômica como Negras.

Uma contribuição política que estimamos já fizemos, é a expansão do princípio feminista de que o “pessoal é político”. Em nossas sessões de conscientização, por exemplo, de muitas maneiras acabamos indo mais além das revelações das mulheres brancas porque estamos tratando as implicações de raça e classe tanto como as de sexo. Até nosso estilo como Negras de falar/testemunhar na língua Negra sobre o que experimentamos tem uma ressonância ao mesmo tempo cultural e política. Por necessidade estivemos gastando bastante energia explorando o caráter cultural e pessoal de nossa opressão porque esses assuntos nunca foram estudados antes. Ninguém examinou antes o complexo tecido das vidas das Negras.

Um exemplo deste tipo de revelação/conceptualização ocorreu em uma juntada na qual discutimos as maneiras em que nossos interesses intelectuais haviam sido atacados por nossos iguais, em particular pelos homens Negros. Todas descobrimos que porque eramos “inteligentes” também nos consideravam “feias”, isso é, “inteligente-feia” Ser “inteligente-feia” pôs em evidência que todas havíamos sido obrigadas a desenvolver nossos intelectos ao grande custo das nossas vidas “sociais”. As sanções das comunidades Negras e brancas contra as pensadoras Negras são muito altas em comparação às mulheres brancas, em particular às educadas de classe média e alta.

Como já dissemos, rejeitamos a posição do separatismo lésbico porque não é uma estratégia nem um análise viável da política para nós. Exclui demasiado e demasiada gente, em particular aos homens, mulheres e crianças Negras. Temos bastante crítica e ódio do que a sociedade fez dos homens: o que apoiam, como atuam, e como oprimem. Mas não temos a noção descabelada de que isso sucede pelo homem em si, ou seja que a anatomia masculina os faz serem como são.4 Como Negras achamos que qualquer tipo de determinismo biológico é uma base perigosa e reacionária para construir política. Também temos que perguntar-nos se o separatismo lésbico é um análise e estratégia política adequada e progressista mesmo para aquelas que o praticam, já que somente admite as fontes sexuais da opressão das mulheres, renegando aqueles feitos de classe e raça.

3. Problemas em Organizar as feministas Negras

Durante nossos anos como uma coletiva feminista Negra, viemos tendo a experiência do êxito e da derrota, da alegria e da dor, da vitoria e do fracasso. Viemos descobrindo que é muito difícil organizar-se ao redor de temas feministas Negros, que ainda mais difícil anunciar em certos contextos que somos feministas Negras. Estivemos tratando de pensar sobre as razões pelas dificuldades, especialmente já que o movimento de mulheres brancas sigue sendo forte e cresce em muitas direções. Nesta seção discutiremos em geral alguns dos problemas que confrontamos ao organizar tanto como suas razões e também comentaremos especificamente sobre as etapas para organizar nossa coletiva.

A maior fonte de dificuldade em nosso trabalho político é que não estamos somente tratando de lutar contra uma de duas frentes de opressão, senão enfrentar toda uma extensão de opressão. Para apoiarmos não temos o privilégio racial, sexual, heterossexual, ou classista, nem temos o mínimo acesso aos recursos nem ao poder que têm os grupos que possuem qualquer destes tipos de privilégio.

O desgaste psicológico de ser uma Negra e as dificuldades que isso apresenta ao tratar de lograr uma conscientização política e ao fazer trabalho político nunca podem ser subestimadas. Nesta sociedade racista e sexista se dá muito pouco valor ao espírito das Negras. Como disse uma vez uma membra que havia recém-entrado: “Todas somos pessoas danadas somente pelo fato de sermos mulheres Negras”. Somos gente despossuída psicologicamente e a todo nível, e ainda sentimos a necessidade de lutar para mudar a condição de todas as mulheres Negras. No livro “A Busca por uma feminista Negra pela irmandade” Michele Wallace chega a esta conclusão:

“Existimos como mulheres que são Negras que são feministas, cada uma isolada por hora, trabalhando independentemente porque ainda não há um ambiente nesta sociedade remotamente admirável à nossa luta – por que ao estar tão abaixo, tínhamos que fazer o que ninguém havia feito ainda: lutar contra todo o mundo ”.

Wallace é pessimista mas realista em seu assenhoramento da posição das feministas Negras, em particular em sua alusão ao quase clássico isolamento que todas confrontamos. Podíamos usar nossa posição baixa, contudo, para tomar um salto limpo até a ação revolucionária. Se as mulheres Negras fossem livres, isso significaria que todas as demais tinham que ser livres já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão.

O feminismo é, apesar de tudo, muito ameaçante para a maioria da gente Negra porque pôe em dúvida algumas das suposições mais básicas de nossa existência, por exemplo, de que a sexualidade terá que ser um determinante das relações baseadas no poder. Aqui vocês têm a definição da voz do homem e da mulher segundo um panfleto Negro dos anos 70:

Nós entendemos que é e tem sido tradicional que o homem encabece o lar. Ele é o líder do lar e da nação porque seu conhecimento do mundo é mais amplo, seu conehcimento mais grande, seu entendimento mais pleno, e sua aplicação de essa infromação é mais sábia… Depois de tudo, é simplesmente razoável que o homem encabece o lar porque ele pode defender e proteger o desenvolvimento de seu lar… As mulheres não podem fazer a mesma coisa que os homens – por natureza funcionam distintamente. A igualdade entre os homens e as mulheres é algo que não pode suceder nem sequer no abstrato. Os homens não são iguais a outros homens, por exemplo, em habilidade, experiência ou até em entendimento. O valor dos homens e das mulheres se pode ver como o valor do ouro e da prata – não são iguais mas ambos têm muito valor. Temos que reconhecer que os homens e as mulheres se complementam porque não há uma casa/família sem um homem e sua esposa. Os dois são essenciais ao desenvolvimento de qualquer vida” [7]

As condições materiais da maioria das mulheres Negras provavelmente não as levaria a destruir os arranjos econômicos e sexuais que parecem representar a estabilidade de suas vidas. Muitas mulheres Negras têm um bom entendimento tanto do sexismo como do racismo, mas devido às constrições em suas vidas não podem tomar o risco de batalhar contra ambos.

A reação dos homens Negros ao feminismo esteve sendo notoriamente negativa. Se sentem certamente mais ameaçados que as mulheres Negras pela possibilidade de que as feministas Negras nos organizemos em torno de nossas próprias necessidades. Reconhecem que não somente perderiam aliadas valiosas e trabalhadoras pra suas lutas senão que também estariam obrigados a mudar seus costumes habitualmente sexistas em como atuam entre si e em quanto oprimem às mulheres Negras. As acusações de que o feminismo Negro divide a luta Negra são dissuasões poderosas contra o desenvolvimento do movimento autônomo de mulheres Negras.

Ainda assim, centos de mulheres participaram em diversos momentos durante os três anos vigentes de nosso grupo. E cada mulher que veio, veio ao sentir uma forte necessidade de captar a qualquer nível uma possibilidade que não existia antes em sua vida.

Quando começamos a reunir-nos em 1974 depois que a NBFO teve sua primeira conferência na região oriental, não tínhamos nem uma estratégia para organiza-nos nem um enfoque. Só queríamos ver o que possuíamos. Depois de nos reunir-nos por uns meses, começamos a juntar-nos outra vez mais tarde esse ano e começamos uma toma de consciência variada e intensa. Tivemos o sentimento abrumador de que depois de anos e anos finalmente havíamos havíamos encontrado. Embora não fazíamos trabalho político como grupo, individuas continuavam sua participação na política lésbica, o abuso da esterilização e o trabalho para o direito ao aborto, as atividades do dia internacional da mulher terceiro-mundista, e o apoio ativo de Dr. Kenneth Edelin,[8] Joann Little, [9], e Inez García [10]. Durante nosso primeiro verão quando o número de membras havía baixado consideravelmente, aquelas entre nós que ficávamos nos dedicávamos a discutir a possibilidade de abrir um refúgio para mulheres agredidas na comunidade Negra (não havia nenhum em Boston naquele tempo). Também decidimos por esse momento fazermos uma coletiva independente já que tínhamos uns desacordos sérios com a posição burguesa-feminista da NBFO e sua falta de um claro enfoque político.

Também, neste momento, nos contataram feministas socialistas com quem havíamos trabalhado em atividades sobre direito do aborto. Elas queria animar-nos a assistir a Conferência Feminista Socialista Nacional em Yellow Springs [11]. Uma de nossas membras assistiu e apesar da estreita ideologia que se promovia em essa conferência em particular, reconhecemos ainda mais a necessidade de entender nossa própria situação econômica e de fazer nosso próprio análise econômico.

No outono, quando algumas membras regressaram, experimentamos vários meses de inatividade comparativa e desacordos internos que primeiro se conceptualizaram como uma divisão entre lesbianas e heterossexuais mas que também era resultado de diferenças políticas e de classe. Durante o verão, aquelas dentre nós que ainda nos juntávamos determinamos a necessidade de fazer trabalho político, e de ir mais além da toma de consciência e de servir somente como um grupo de apoio emocional. No começo de 1976, quando algumas das mulheres que não quiseram fazer trabalho político, e que também tiveram desacordos com o grupo, deixaram de comparecer por sua conta, buscamos um novo enfoque. Decidimos durante esse tempo, com a somatória de novas membras, converter-nos em um grupo de estudo. Sempre havíamos compartilhad o que líamos e algumas de nós havíamos escrito papéis sobre feminismo Negro para discutir com o grupo uns meses antes que se fizera essa decisão. Começamos a funcionar como um grupo de estudo e também começamos a discutir a possibilidade de começar uma publicação Negra feminista.

Fizemos um retiro nos finais dessa primavera que nos proporcionou o tempo para discutir a política e para resolver temas inter-pessoais. Atualmente planejamos uma coleção de escrita feminista Negra. Sentimos que é absolutamente essencial demonstrar a realidade de nossa política a outras mulheres Negras e cremos que podemos fazer isso por meio da escritura e distribuição da nossa obra. O fato de que indivíduas Negras feministas vivem em isolamento por todo o país, de que somos poucas, e de que temos algumas habilidades para escrever, imprimir e publicar nosso trabalho, nos faz querer levar a cabo projetos deste tipo como meio para organizar feministas Negras enquanto continuamos nosso trabalho político em coalizão com outros grupos.

4. Temas e Projetos de feministas Negras

Durante esse tempo juntas, estivemos identificando e trabalhando com muitos temas de particular interesse das mulheres Negras. O desdobramento totalizante de nossa política nos leva a preocupar-nos com qualquer situação que toque a vida da mulher, gente de Terceiro Mundo e trabalhador*s. Estamos, é claro, particularmente comprometidas a trabalhar nessas lutas nas quais raça, sexo e classe são fatores simultâneos de opressão. Podíamos por exemplo involucrar-nos na organização sindicalista de fábricas que empregam mulheres terceiro-mundistas, ou protestar contra hospitais que lhes cortam seus serviços de saúde, a princípio inadequados, à comunidade terceiro-mundista, ou começar um centro em um bairro Negro que trate a crise de violações. Os problemas de bem-estar social (programas estatais) e de creches também podem ser pontos de enfoque. O trabalho por fazer e os temas inacabáveis que esse trabalho representa simplesmente reflete que os aspectos de nossa opressão se filtram através de todas partes.

Os temas e projetos que membras da coletiva tiveram realmente trabalhado são o abuso da esterelização, os direitos de aborto, as mulheres agredidas, a violação e o rapto, e os serviços de saúde. Também tivemos muitas oficinas educativas sobre o feminismo Negro nas universidades, conferências de mulheres e mais recentemente à mulheres no ensino secundário.

Um tema que nos preocupa muito é que temos começado a discutir publicamente é o racismo no movimento das mulheres brancas. Como feministas Negras estamos alertas constante e dolorosamente com relação ao pouco esforço que as mulheres brancas fazem para compreender e combater seu racismo, o qual requer, entre outras coisas, mais que uma compreensão superficial do racismo, da cor, e da história e cultura Negras. Eliminar o racismo no movimento das mulheres brancas é por definição o trabalho delas, mas continuaremos a dirigir-nos ao tema e exigir que assumam responsabilidade sobre o tema.

Na prática de nossa política não acreditamos que o fim sempre justifica os meios. Muitos atos reacionários e destrutivos foram cometidos para obter metas políticas “corretas”. Como feministas não queremos jogar sujo com gente em nome da política. Acreditamos no processo coletivo e em uma distribuição de poder que não seja hierárquico dentro de nosso próprio grupo e em nossa visão de uma sociedade revolucionária. Nos comprometemos a um exame contínuo de nossa política a medida que se desenvolva, por meio da crítica e autocrítica como um aspecto essencial de nossa prática. Na sua introdução de Sisterhood is Powerfull (A Sororidade é poderosa) Robin Morgan escreve:

Não tenho nem a menor ideia do papel que os revolucionários homens brancos heterossexuais podiam fazer, já que são a incorporação do poder na qual os interesses reacionários estão investidos”

Como feministas e lésbicas Negras sabemos que temos um trabalho definitivamente revolucionário para levar a cabo e estamos preparadas para dedicar a vida ao trabalho e luta que nos espera.

***

[Retirado do livro Esta Puente mi Espalda: Voces de las mujeres tercermundistas em los Estados Unidos].

Notas

[1] Soujorner Truth (1797?-1883) foi uma abolicionista (lutadora pela abolição da escravidão de negr*s) e ativista pró-direitos da mulher. Em um dos primeiros congressos sobre direitos da mulher em meados do século 19, revelou sua bravura para dar privas de seu sexo, proclamando “Ain’t I a woman?” (“E eu não sou uma mulher?”). Este gesto simbólico quis expôr a falha das feministas brancas da primeira onda para incorporar em sua luta os problemas das negras. Portanto, Sojourner Truth serviu de modelo para muitas feministas negras contemporâneas.

[2] Harriet Tubman (1820?-1913) foi uma escrava fugitiva, abolicionista e reformista social. É famosa pelo seu trabalho com “a resistência liberacionista” que a permitiu salvar a 300 negr*s da escravidão.

[3] Frances E. W. Harper foi poetisa popular, novelista e oradora de finais do século 19.

[4] Ida B. Wells Barnet (1862-1931) foi jornalista, conferencista e liderança dos direitos civis. Participou da fundação da NAACP (Associação nacional para o assalariamento da gente de cor) e fundou a primeira organização de mulheres sufragistas.

[5] Mary Church Terrel (1863-1954) foi professora, autora, sufragista e uma liderança dos direitos civis. Trabalhou ativamente para organizar as negras nas lutas contra o racismo e o sexismo. Ela foi instrumental em fundar a Associação Nacional de Negras em 1896.

[6] Michele Wallace, “A Black Feminist’s Search for Sisterhood” (“Uma busca Negra feminista pela Irmandade”), The Village Voice, 28 de julho de 1975, pp.6-7.

[7] Mumininas of Committee for United Newark, Mwanamke Mwananchi (The Nationalist Woman). Netwark, New Jersey, 1971, pp. 4-5.

[8] Doutor Kenneth Edellin foi um obstetra e ginecólogo negro do Hospital da Cidade de Boston. Sem apoio dos administradores hospitalários, ele e seus colegas progressisas trabalham horas extras sem pagamento para prover abortos a mulheres de bairros próximos pobres porque os pedem. Em 1973 acusaram-no de homicídio involuntário por fazer um aborto ilegal a uma garota negra de 17 anos que pediu o procedimento e que não sofreu nenhum dano como resultado. “Creio muito frequentemente no direito de uma mulher de determinar o que lhe passe a seu próprio corpo”, declarou o doutor Edelin. “Se uma mulher não está convencida em sua própria mente de que quer um aborto… não o farei”. Em fevereiro de 1975, Edelin foi declarado culpado por um jurado de doze brancos, em sua maioria homens e católicos, e condenado a um ano de liberdade vigiada. (The Guardian, Nova Iorque, 19 e 26 de fevereiro de 1975). Enquanto que a hierarquia católica mobilizava seus partidários anti-feministas para apoiar o castigo de Edelin, o movimento das mulheres feministas de Boston se mobilizou para defendê-lo. No processo subsequente, se exonerou ao doutor Edelin, que depois recebeu uma promoção.

[9] Joann Little foi uma negra de 20 anos encarcerada no condado de Beaufort no estado da Carolina do Norte. Em agosto de 1974, um guarda branco de 62 anos entrou em sua celula e tentou violá-la. Ela resistiu e resultou que o matou a punhaladas. Acusada de homicídio, recebeu o apoio e solidariedade dos liberais, radicais e especialmente do movimento de mulheres através do país. Em agosto de 1975 a exonerou um jurado de seis negr*s e seis branc*s. “Pode ser que já haja uma lei que diz que uma negra tem direito a defender-se”, declarou. “O fiscal tinha mais interesse em mandar as mulheres negras à câmara de gás que à justiça” (The Guardian, Nova Iorque, 27 de agosto de 1975). “… Nunca fui pessimista com respeito ao poder do povo. Sabia que uma vez que se juntasse o povo, venceríamos”.

[10] Inez García foi acusada na Califórnia em 1975 do homicídio de Miguel Jiménez. Jiménez foi amigo de Louis Castillo, 17, que segundo Inez García a violou com ajuda ativa de Jiménez. Seu primeiro juízo resultou em um julgamento de culpada. Mas depois o julgamento foi anulado pela corte superior de California, assim que se a exonerou.

[11] A Conferência Feminista Socialista Nacional foi levada a cabo em Yellow Springs, Ohio em julho de 1975. Assistiram umas 1600 mulheres socialistas e feministas com diferentes perspectivas políticas de muitas partes de Norte-America. Um grupo de mulheres marxistas e anti-feministas tentou dominar a conferência e evitar qualquer discussão teórica do feminismo socialista. Por isso, se formaram espontâneamente várias caucuses (grupos de base), inclusive uma grande junta de lésbicas, para enfrentarem as questões que tocavam a maioria das presentes.

1O Uso em maiúscula da palavra “Negra” é uma convenção linguística nos Estados Unidos e aprte do movimento de Libertação dos Negros nos sessenta.

2O termo “Herstory” é uma forma de reinventar o termo “History”, que traduzindo se lê “História”. Porque “his” em inglês é o pronome masculino “Ele” em tradução literal. As feministas vêm usando a palavra “Herstory” (História dela, tradução literal) que soa como um trocadilho e de modo a questionar a história androcêntrica e a versão masculina prevalescente dos fatos, assim como modo de recuperar uma “história nossa” própria.

3Pensei intervir aqui e pôr “afro-norte-americanas” mas como o texto é retirado de uma coletânea de mulheres terceiromundistas e pertence a essa tradição (chicana, afro-latina, caribenha, migratória nos EUA) eu mantive americana no sentido do continente América, espero que *s leitor* s possam lê-lo assim com ajuda desta nota. [A Editorial]

4Provavelmente aqui a coletiva se refere ao clima que Feminismo Lésbico Cultural deu lugar nos 70, embora o que possa ser extraído das correntes com enfoque mais político se refere mais à necessidade de éticas lésbicas e espaços próprios (Sarah Lucia Hoagland, Marilyn Frye), estas possuíam um análise mais histórico. Em geral o clima do separatismo cultural deu lugar a discursos mais essencialistas e mesmo de uma espiritualidade feminista, que acredito terem sido mais uma reação ao centrismo masculino social e histórico e a lesbofobia do movimento feminista, narrativas essencialistas que eu vejo mais como uma necessidade de criar contra-narrativas e contra-cultura, coisa que sempre existiu durante a trajetoria dos feminismos (Monique Wittig, que publicou livros como Dicionário das Amantes e As Guerrilheiras, com largo linguagem mítico, lírico e metafórico, apesar de ter livros muito teóricos). A crítica é bem entendível mas me preocupo com a apropriação possível que possa ser feita por parte de misóginos ou quem a reproduza a despeito de conhecer ou não o contexto da crítica. Algumas separatistas lésbicas negras que podemos citar: Jacqueline Anderson, Anna Lee, Naomi Littlebear Morena, Pipa Flemming.