por Patricia McFadden
traduzido por materialfeminista.milharal.org
A questão da presença masculina, em termos físicos e ideológicos, no interior do que deveriam ser espaços somente de mulheres, não é simplesmente uma questão de contestação ideológica e de preocupação no interior do movimento de mulheres globalmente; é também uma séria manifestação do backlash contra os esforços das mulheres de se tornarem autônomas dos homens em seus relacionamentos pessoais/políticos e interações. Assim que as sociedades humanas se tornaram mais públicas ao longo das lutas intensificadas pela inclusão de vários grupos de antigos círculos excluídos (o maior do qual é composto de mulheres de diferentes classes, idades, orientações sexuais, habilidades, etnicidades, nacionalidades e locais), então também a luta pela ocupação e definição de espaço tomou uma importância concomitante.
Neste curto artigo, quero explorar algumas das razões pelas quais essa contestação sobre os espaços de mulheres surgiu. Também quero tenazmente argumentar que mulheres não devem permitir homens em seus espaços porque estrategicamente isso seria um erro político grave para o futuro do movimento de mulheres, quer ele esteja localizado e engajado com a hegemonia patriarcal e exclusão. Argumentar pela inclusão dos homens em espaços estruturais e políticos de mulheres é não somente fundamentalmente heterossexista; também serve a uma velha reivindicação nacionalista de que as mulheres devem tomar conta dos homens, não importa aonde eles estejam localizados ou com o que estejam eles engajados. Essa reivindicação é inerentemente pressuposta na suposição de que as mulheres que não estão vinculadas ou associadas com um homem são perigosas, exaltadas mulheres que devem ser interrompidas. Isso é o porquê da afirmação de que as mulheres precisam “levar os homens adiante” sugere não somente uma suposição profundamente patriarcal de que a mobilidade das mulheres requer aprovação masculina: também facilita a transferência de práticas socioculturais no movimento das mulheres que alimentam o privilégio masculino e os mimam em espaços que as mulheres lutaram por séculos para assinalar como seus.
De forma a fazer meus apontamentos, quero me referir brevemente à noção conceitual de espaço e tentar mostrar como o espaço é generizado e altamente politizado como uma fonte social em todas as sociedades. Através da narrativa humana conhecida, certos espaços tem sido culturalmente, religiosamente e politicamente marcados como tanto “masculinos” como “femininos” e sabemos que, em termos dos últimos espaços, estes foram e continuam sendo amplamente relacionados às funções de reprodução e alimentação das mulheres em todas as sociedades humanas, sem exceção. Os espaços que referimos como públicos são adotados como masculinos e, por séculos, os homens excluíram as mulheres do público, onde todas as decisões-chave relacionadas ao poder são deliberadas e implementadas.
Além disso, ao longo da história humana, aqueles espaços que eram feminizados eram também considerados os menos importantes; eram e continuam sendo lugares onde as mulheres funcionavam através da benevolência dos homens, mas que nunca possuíram e com os quais ainda não têm direito sobre se vivem em relações íntimas próximas com homens adultos. Noções “da família” e “do chefe de família” permanecem fundamentalmente masculinos em termos de todas as insituições-chave de nossas sociedades, e as mulheres não podem criar uma família “real”; quando constroem lares, estes se tornam imediatamente feminizados e estigmatizados como outro (feminino-comandado/solteiro-comandado/mulher-comandado, etc.).
Portanto, quando damos uma olhada bem próxima a noções de espaço e sua ocupação em termos de gênero, percebemos o fato chocante de que é somente no século 20 que as mulheres ocuparam espaço limitado nas sociedades patriarcais em seu próprio direito como mulheres e/ou como pessoas. O espaço era e continua sendo largamente definido como uma construção masculina de todas as maneiras imagináveis e, para a maioria das sociedades do Sul, nem sequer se pode referir às mudanças que ocorreram nas sociedades do Norte em torno dessa questão para fazer qualquer generalizações. A maioria das mulheres no Sul existem fora do espaço como um recurso politicamente definido. No principal, e especialmente para mulheres pobres em um continente como a África, o espaço permanece fundamentalmente atrelado às noções arcaicas do privilégio patriarcal e da dominação das mulheres tanto privada quanto publicamente. É por isso que o Movimento das Mulheres, enquanto um espaço político, ideológico, ativista e estrutural, deve permanecer simplesmente isso: um espaço exclusivo de mulheres.
Além disso, é vital para qualquer conversa sobre a presença ou ausência de homens nos espaços de mulheres, localizar a noção de espaço em si mesmo no interior da narrativa política sobre o que o espaço significa em sociedades patriarcais generizadas. O fato que importa é o de que o espaço não é um território neutro; é altamente politizado em termos de classe e localização. Os ricos vivem em certos espaços e os pobres são sistematicamente excluídos desses espaços por arame farpado e cercas elétricas, cachorros viciosos e homens pobres de macacão carregando armas em suas mãos. O espaço é mantido sob escrutínio próximo pelos militares que declaram áreas particulares de um território nacional áreas “não permitidas” ao público, e as próprias classes dominantes constroem todos os tipos de práticas de exclusão e mecanismos que mantêm certos grupos de pessoas fora de “seus” espaços. Colonos brancos usaram o Estado para pôr em prática sistemas de vigilância que excluíam africanos de seus espaços através da institucionalização de “passes” e a extenção da licença de qualquer branco ser capaz de parar qualquer pessoa negra e demandar que eles expliquem sua presença em um lugar particular em qualquer hora do dia ou noite.
E em um daqueles raros momentos reconhecidos de conluio patriarcal entre homens negros e brancos no interior do empreendimento colonial, homens negros são permitidos parar e interrogar qualquer mulher negra que não esteve na presença de um homem adulto fora dos confinamentos das “Áreas Nativas” da África Austral colonial. A mesma prática provavelmente se aplicava em outras partes do continente e do mundo, na medida em que se concerne, em vários momentos no tempo.
No período imediatamente depois da independência nas muitas sociedades do continente, as mulheres que estavam desacompanhadas de um homem adulto e ousavam re-entrar ou permanecer no interior da arena pública depois que o dia de trabalho formal acabava, estavam e ainda estão suscetíveis à prisão e à criminalização como “putas”, que devem ser trancadas para sua própria segurança, porque “boas mulheres” estão em casa alimentando as crianças e servindo às necessidades sexuais de seus maridos depois que o sol se põe.
Esses e muitos dos discursos que definem e marcam o espaço como masculino e generizado, excludente de mulheres como pessoas e como indivíduos a que são atribuídos a mobilidade e a ocupação do espaço em seu próprio direito, devem ser trazidos em foco ao considerar a pressão que os homens e certos grupos de “boas mulheres” estão colocando no resto de nós no interior do Movimento das Mulheres de permitir os homens dentro de nossos limitados espaços políticos.
Minha retaliação é a de que aquelas mulheres que gostam tanto dos homens que não podem passar qualquer tempo durante o dia ou a noite sem a presença masculina podem construir as chamadas organizações “mistas”, que possuem o direito de existir como qualquer das outras estruturas da sociedade civil, que aumentam os desejos e interesses no bem comum; mas não como parte do Movimento das Mulheres. Portanto, insistir que nosso Movimento, que lutamos para estabelecer, frequentemente dando nossas vidas inteiras por sua criação, deva se tornar um “espaço misto de gênero” não é aceitável de forma nenhuma e deve ser vigorosamente contestado.
Basta dizer, então, que o espaço é sempre fortemente contestado e é uma questão política, e as mulheres devem entender e manter isso em mente enquanto nos perguntamos questões com relação à presença dos homens no nosso Movimento. Os espaços nunca são dados como todos os recursos nas nossas sociedades, quer sejam esses espaços materiais, estéticos ou sociais lutados, ocupados e trabalhados, marcados como pertencendo a um grupo particular através das lutas que são basicamente sobre estabelecer posse e usar essa posse para a execução de uma agenda. E o Movimento das Mulheres possui uma agenda claramente estabelecida da emancipação de todas as mulheres da sujeição patriarcal e da exploração. O patriarcado tem efetivamente usado a exclusão como um princípio central para suas alegações ideológicas à hegemonia em todas nossas sociedades, seja quando alguém está olhando para noções de identidade, de direitos e privilégio, de acesso e inclusão em instituições e posições de poder.
Práticas de exclusão utilizam o espaço como um elemento-chave na implementação de uma agenda específica. A alegação de que o lugar das mulheres é “na casa dele” é uma antiga estratégia que mobiliza noções da feminilidade; localiza-as no privado, e impõe uma ideologia de domesticidade através da qual as mulheres são socializadas a acreditarem e aceitarem que os espaços estreitos e com privilégio masculino chamados “casa” são os espaços mais apropriados para que elas gastem suas vidas em, procriando e trabalhando para “ele” e “a família dele”. Essa alegação é tão poderosa que milhões de mulheres continuam a acreditar nisso, mesmo quando tem sido capazes de deixar a casa e adquirir uma educação e habilidades profissionais que pudessem usar para se tornar autônomas. Ainda, elas voltam a esse espaço onde se tornam “verdadeiras” mulheres em termos patriarcais retrógrados; termos que elas às vezes escolhem definirem-se, mas que não têm que se tornar marcadores de todas as mulheres, especialmente no público que é um espaço comum que pertence a todas as mulheres de todas as cidadanias.
Acredito que ninguém pode considerar a questão da intrusão masculina nos espaços políticos de mulheres sem também considerar que esta demanda é sempre feita com o desejo consciente de empreender vigilância sobre o que as mulheres estão pensando, dizendo e fazendo. Sei que algumas de minhas irmãs dirão que eu não posso generalizar porque existem “bons” homens que se nomeiam “feministas” e que estão interessados em assegurar os direitos das mulheres contra a dominação patriarcal. Em um nível, isso pode ser verdade. Existem alguns homens que estão experienciando uma nova consciência política através da associação com as lutas das mulheres por liberdade e autonomia. Mas, em minha opinião, tais homens precisam estar em um movimento político que mobilize mais homens a mudarem a si mesmos, especialmente com relação à masculinidade e à hegemonia que a ideologia patriarcal garante a todos os homens. Neste sentido, estarão mais capazes de apoiar as demandas e os direitos das mulheres por liberdades. Porque enquanto “bons” homens sim apoiam mulheres e “permitem” suas esposas e parceiras de fazerem trabalho ativista, também influenciam as políticas das mulheres quando entram nos espaços de mulheres e interagem com as ideias e o ativismo de mulheres no interior do mesmo quadro.
As mulheres devem ser capazes de formular e expressar suas próprias ideias como mulheres individuais e como um círculo que é afetado pelas leis e práticas patriarcais de maneiras unicamente generizadas – uma experiência a que nenhum homem está aberto e a que não pode experienciar enquanto o patriarcado define relacionamentos generizados do poder e privilégio em sua forma atual. E, quando os homens estão nos espaços de mulheres, as mulheres tendem a reagir à sua presença de maneiras intelectuais e sexuais. Homens tendem a intimidar a maior parte das mulheres; mesmo o homem mais tímido possui um impacto na confiança de algumas mulheres, e isto é um custo que devemos não ter que incorrer em nossos espaços.
Os homens tendem a assumir o controle de dicursos e conduzí-los em direções particulares, frequentemente adotando atitudes defensivas sobre a consciência radical das mulheres e consequentemente neutralizando o senso das mulheres de intitulação de seus direitos. A presença dos homens em qualquer espaço de mulheres possui consequências fundamentais para o senso das mulheres de si mesmas e de suas visões do futuro. Em minha opinião, as mulheres não podem se dispor a serem boas sobre tal ameaça. Na verdade, é através de sua intrusão nos espaços de mulheres que os homens tem sido capazes de redirecionar as políticas do Movimento das Mulheres em muitos países – alterando seu caráter de uma plataforma política radical onde as mulheres experienciam a si mesmas como pessoas autônomas e intituladas, em um movimento bem-estarista que é focado nas velhas noções sexistas de reprodução e custódia cultural em nome dos homens mesmos que afirmam que estão sendo excluídos.
A vigilância da consciência política das mulheres é um objetivo-chave do backlash patriarcal, que se manifesta através das demandas masculinas por inclusão nos espaços de mulheres. Uma pessoa só precisa olhar para todas aquelas organizações que possuem homens em seu interior para ver quão conspiratórias e comprometedoras tais organizações se tornam dentro de um pequeno espaço de tempo. Frequentemente, esses homens assumem o controle sobre os elementos mais críticos no interior da organização, frequentemente o controle sobre as finanças e a seção de publicações, impondo a voz masculina sobre as visões e o conhecimento que as mulheres trazem à público. Sabemos que a voz e a visibilização das experiências de mulheres são alicerces do Movimento de Mulheres dizendo o que sabemos e o que queremos, e isto é central para nossa agenda e nossa liberdade. Por que então estão algumas organizações de mulheres entregando seus boletins de notícia e seções de documentação a homens que, com boa vontade, “falam em seu nome”? Nós não demandamos o direito de falar por nós mesmas e usamos esta facilidade para desmascarar os mitos e estereótipos que ainda caracterizam a mídia masculina? Ainda assim, algumas mulheres não veem qualquer ameaça política em ter um homem, um daqueles “bons”, ocupando o status de processador do conhecimento em suas organizações.
No interior da linguagem do comprometimento, tais organizações estão em conformidade com a “integração de gênero” que basicamente reinforça as tendências bem-estaristas dentro do ativismo das mulheres através da despolitização da agência das mulheres no público.
O gênero se torna uma noção vazia, sem qualquer relação com o poder e a contestação, e as mulheres são ditas a considerarem os interesses de meninos e homens na mesma medida em que se esforçam por colmatar a escancarada lacuna entre si mesmas e os homens através do tempo e espaço. A despolitização das lutas das mulheres reside no coração da demanda por incluir homens nos espaços políticos de mulheres, porque é claro aos homens (assim como às mulheres conservadoras, a maioria da qual predomina no Movimento das Mulheres pelo mundo) que, ao ocupar um espaço político no público no qual as mulheres trabalharam e marcaram como seus, as mulheres se tornam radicais e desenvolvem uma consciência de si mesmas e de seus direitos. Esta é uma ameaça aos privilégios e interesses de homens em todas as sociedades patriarcais.
Para mim, este é o cerne da questão. Quando mulheres ocupam espaços públicos como pessoas que compreendem que por milênios foram negados seus direitos inalienáveis enquanto seres humanos, elas começam a demandar a restituição desses direitos através da criação de estruturas no interior do qual elas situam recursos financeiros, técnicos e intelectuais.
Quando uma mulher se torna articulada sobre quem são sexualmente e rejeitam os velhos mitos patriarcais sobre o que uma mulher pode ser e o que ela não é permitida se tornar, as mulheres se tornam poderosas e adquirem a habilidade de dizer não à violência, não ao trabalho não pago, não à exploração e discriminação em nome da preservação cultural. As mulheres se tornam pessoas que se relacionam com o Estado de maneiras novas e desafiadoras, não mais esperando dos homens no Estado para que distribuam alguns “favores” em nome de uma ditadura benevolente.
Tais mulheres se tornam autônomas e seu Movimento se torna a força para a transformação das relações opressivas de poder tanto na esfera pública quanto privada.
Tais mulheres são um perigo para todos os homens, independentemente de como os homens definem a si mesmos. Por esse motivo, os espaços de mulheres enquanto espaços politizados devem ser ocupados sob o aspecto de “inclusão” e aquelas mulheres que resistem tal vigilância são acusadas de serem odiadoras de homens e de agirem de formas “excludentes”; a mesma velha história que nós ouvimos durante séculos. Quando as mulheres primeiramente demandaram o direito de serem livres, de terem acesso à educação (nem mesmo acessos iguais, somente acesso ao conhecimento coletivo de suas respectivas sociedades), foram acusadas de odiarem os homens. Aquelas de nós que se recusaram a serem ritualizadas e pertencidas por homens através do casamento heterossexual, e que às vezes passaram a amar outras mulheres, foram marcadas como “hereges” e odiadoras de homens. O asfaltamento das mulheres com a escova de vitríolo heterossexista é bastante conhecido e a maioria das mulheres o temem porque esta é uma escova dura e cruel que marca as mulheres pelo resto de suas vidas como as Outras e Perigosas.
Mas nós aprendemos ao longo do extenso caminho de nossa luta pela liberdade que o comprometimento somente nos retrocede ainda mais do que onde iniciamos. Então, devemos nos manter em nossos espaços porque eles são os únicos espaços existentes que temos e podemos ter enquanto mulheres nessas sociedades profundamente odiadoras de mulheres e patriarcais em que continuamos vivendo no tempo presente.
Se os homens querem se engajar em políticas de gênero, deixem que eles formem suas próprias estruturas e criem um novo discurso político sobre a democracia e a igualdade com aqueles que vivem em suas sociedades. Enquanto mulheres politicamente conscientes, bem sabemos que os homens tem muito trabalho a fazer sobre si mesmo. Enquanto uma mãozinha é sempre útil, o antigo provérbio de que “a caridade começa em casa” se aplica ainda mais hoje em dia aos homens do que nunca antes. Os homens devem limpar suas casas patriarcais enquanto homens, primeiro, e obterem-se uma nova identidade que não dependa de possuir mulheres, de comprar e vender mulheres, de estuprar, forçosamente ocupar e pilhar os corpos de mulheres ou de expoliar as mentes das mulheres de modo que possam provar uns aos outros que são homens de verdade. Os homens precisam desenvolver uma ideologia política que não requeira que os homens excluam as mulheres de suas instituições que nós também construímos e que pertence a nós tanto quanto pertencem a todos que vivem em nossas sociedades.
Isso é onde eu me coloco enquanto uma feminista africana radical sobre os espaços sagrados que construímos, frequentemente com nossas vidas mesmas, e não estou preparada para compartilhar com qualquer homem, contanto que os homens continuem a serem privilegiados pelo patriarcado.