“Daqui não sai”: Reflexões sobre o Rumor

Texto de Andrea Franulic, feminista chilena radical da diferença, sobre o papel do rumor (a fofoca) como instrumento patriarcal que parte da lógica da misoginia, no movimento de mulheres. Analisa o rumor como terrorismo político dentro do feminismo contra mulheres ativas, como reprodução da feminilidade e como um recurso aprendido dos sistemas opressivos sob os quais vivemos.


Daqui não sai: reflexões sobre a fofoca

Por Andrea Franulic e Jessica Gamboa
tradução por hembrista@riseup.net

“Eu te suplico
faça algo
aprenda um passo
uma dança
algo que a justifique
que lhe dê o direito de estar vestida de sua pele, seu cabelo.
Aprenda a caminhar e rir (…)
afinal
que tantas estejam mortas
e que você esteja viva
sem fazer nada de sua vida”
(Charlotte Delbo, 1970).

 

Viemos querendo escrever sobre o Rumor. Claro que não somos as primeiras a fazê-lo. As disciplinas patriarcais vieram realizando teorizações sobre o tema (a psicologia experimental, a psicologia social, a psicanálise, a teoria da comunicação e a sociologia). Não vamos nos basear nelas. Nosso interesse se encontra nos textos que pudemos encontrar na teoria feminista, devido a que as mulheres somos e viemos sendo o principal objeto do rumor no contexto de uma cultura misógina. Isso explica que, inclusive em espaços feministas, o rumor aparece como uma prática recorrente para desacreditar as mulheres pensantes e que se destacam por um trabalho consistente.

Dentro da teoria feminista, encontramos escritos de Audre Lorde (2003) sobre o que chama de ‘Tergiversação’[1], que no nosso entendimento, seria uma ‘versão torta’ e tendenciosa que o patriarcado faz circular por aí sobre a vida das mulheres. E que é o rumor senão uma versão torta, distorcida, de alguma realidade? Também Margarita Pisano escreve sobre os “Segretos, chantagens e rumores… os preconceitos” (2004). E menciona o conceito em seu livro ‘Julia, quero que seja feliz’ (2012) e em sua Biografia política (2009) que escreve junto com Andrea Franulic, onde se descreve sua própria experiência como objeto de rumor no processo de desmontagem do projeto “Casa da Mulher A Morada”.

Recentemente tivemos a sorte de obter, por meio de umas mulheres anarco-feministas, um fanzine entitulado “Coletânea sobre Sororidade Autocrítica ou sobre Violência entre Feministas” (2013) que começa com uma epígrafe muito inspiradora da feminista radical Phyllis Chesler, e que compartilhamos a seguir:

“Não comece rumores sobre outra mulher. Se você ouve um rumor, não o faça circular. Deixe que fique com você. Não é ético punir e sabotar outra mulher que você inveja ou teme, caluniando sobre ela ou colocando outras mulheres contra ela.”

O fanzine contêm artigos de diversas feministas. Lendo-os, encontramos trechos chamados de “comentários de amigas” sobre o texto “Segredos, chantagens e rumores… os preconceitos” de Margarita Pisano, que também aparece publicado no fanzine. Destes comentários, há uma consideração que diz que uma das características do rumor, ou melhor dizendo, de quem o exerce, seria a ausência, o vazio ou carência de uma identidade própria. Preferimos deixar o conceito de identidade de lado (por não estar de acordo com este enquanto categoria de análise) e falaremos de uma ausência de projetos de vida próprios ou vazio de conteúdo da própria existência e, por fim, da necessidade de preencher esse vazio assumindo a vida de outras pessoas. Desde esta carência e mediante o rumor, se estabelecem alianças na sombra com quem também gravita em torno deste vazio de um sentido de vida e confluem no desejo de subir em uma situação de privilégio e poder, tirando do caminho quem entorpece tal propósito, geralmente pessoas que contribuem com um trabalho concreto e de qualidade.

O rumor vem sendo uma prática patriarcal como tática de guerra, com fim de colonizar territórios, obter poder, ganhar eleições, conseguir lucros na bolsa, herdar bens, destruir lideranças, negociar tratados políticos, obter informação privilegiada, trocar mulheres, traficar armas, etc. É e vem sendo utilizado desde as direitas mais fascistas até as esquerdas mais revolucionárias. As táticas de guerra se herdam, se aprendem, se sofisticam e se naturalizam. O feminismo não escapou de nada disso. Principalmente se viu intervido pelo patriarcado de esquerda. Patético resulta – por nossa falta de história e genealogia, pelos custos que há em articular um trabalho autônomo e pela árdua tarefa de legitimar-nos entre mulheres – que o rumor perpetue a misoginia e desarme de tal forma a produção de mulheres. Este custo para nós mulheres é profundo, nos deixa vagando no Nada.

Celia Amorós (1987), embora seja uma feminista da igualdade, desenvolve acertadamente o conceito das Idênticas para referir-se à relação entre as mulheres na cultura patriarcal. Coloca que todas as mulheres cumprimos a mesma função social no patriarcado, ou seja, a funções próprias da feminilidade, e neste sentido, as mulheres somos substituíveis umas por outras e, o que é pior, somos descartáveis. Quando uma mulher sai do papel de ser uma idêntica, de uma igual a todas outras, e rompe com os desígnios da feminilidade, sobressaindo, isso gera misoginia, invejas e medos nas demais. Ela se transforma em uma ameaça para o grupo. Às mulheres não se perdoa tão facilmente exercer a capacidade de pensar, tampouco se lhes perdoa falar e escrever com inteligência. É mais aceito e aplaudido que se destaquem pelos trabalhos domésticos, ou por práticas do fazer, onde silenciosamente repetem uma e outra vez um destino não-criativo.

O rumor vem invadindo historicamente a vida das mulheres. Temos exemplos de perseguições promovidas pelo rumor. Somente para nomear um acontecimento muito emblemático, recordamos a matança das denominadas bruxas, levada a cabo entre os séculos XIV-XVII na Europa ocidental e central. Bastava que qualquer pessoa fizesse correr o rumor de que esta ou aquela mulher possuía pactos com o diabo, para que estas fossem acusadas de bruxas, e assim, torturadas, enforcadas ou queimadas vivas na fogueira da praça pública. As bruxas foram utilizadas como bodes expiatórios pelos homens.

Fazendo a analogia, podemos dizer que a vítima do rumor funciona como um ‘bode expiatório’, o dizemos em um sentido literal e metafórico. A situação de debilidade, vulnerabilidade e super-exposição que afeta a vítima é utilizada com o objetivo de expiar nela as próprias misérias não-assumidas, os próprios pecados, de maneira catártica. Assim como para justificar a falta de auto-crítica, os próprios equívocos, a carências e as inseguranças de todo tipo. Isto se relaciona com o que foi dito em parágrafos anteriores: o rumor serve de veículo para tapar o próprios vazios. As mulheres, doutrinadas na moral e bons costumes, castigam o bode expiatório para projetar nele suas próprias dependências: ao amor, ao álcool, à droga, aos homens ou a suas instituições. E assim, se sentem puras e sábias.

Identificamos dois papéis na prática de circulação dos rumores. O primeiro se sustenta e opera desde o lugar do Poder. Neste caso, a pessoa possui uma insegurança encoberta que a perturba, e seu movimento é defender-se do medo que lhe gera a perda desse poder, do prestigio e dos privilégios. O segundo, o mais descrito até então, é aquele que funciona desde a Mediocridade. Este papel pode resultar mais perigoso, pois aqui “o fim justifica os meios” com a pretensão de concretizar interesses aspiracionais que podem ser de diversa índole: desde interesses econômicos até de tipo psicológico como o querer “ser alguém”. Este papel nos recorda, nos evoca, tem semelhanças ao que a filósofa Hannah Arendt (2003) chamou por A Banalidade do Mal. Porque, segundo ela, os crimes cometidos contra a humanidade, as torturas e genocídios, são executados por seres medíocres, não pensantes, que somente seguem ordens e regras mecanicamente, obedecendo… milicos de direita e de esquerda.

Albert Camus em seu livro O Homem Rebelde (2005) estabelece a diferença entre o ressentido e o rebelde. O primeiro tem uma ânsia voraz por ‘pertencer a’ e ‘ser’ aquilo que critica. Já o rebelde, se arrisca com sua solidão. Quem exerce o rumor, sobretudo desde o papel da mediocridade, deseja compulsivamente pertencer e busca as cumplicidades necessárias para cumprir esta meta. Em outras palavras, o rumor é uma prática oportunista. No fim, se atua desde o ressentimento, a condescendência e a adulação… jamais desde a rebeldia. Como contraponto, quem é vítima do rumor é deixada no vazio: deixa-se de falar com, deixando esta capturada em uma névoa espessa, rodeada de um arco invisível de desconfianças, marcada pelo estigma que a tacha e a reduz, absorvendo-lhe as forças pensantes e criativas, como se estas existissem de sobra neste mundo deshumanizado. Enquanto isso, o restante realiza um pacto sectário de silencio.

Quem padece o rumor sofre um tipo específico de maltrato: o isolamento, a incomunicação, o sentimento de culpabilidade, a ameaça da chantagem e a paranóica e confusa vivência de não saber como, quando, por quê, quê e quem(s). Sofre uma alteração em seu uso da linguagem, pois teme usar as palavras, que são a principal ponte de comunicação entre as pessoas. Como escrevemos por aí, a palavra ‘rumor’ vem de ‘ruído’ que, por sua vez, vem do latim ‘rugitus’ (rugido). Isso, segundo o dicionário etimológico de Corominas (2000). Se interpretamos um pouco e sem complexos com a obviedade, diríamos que ‘fazer ruído’ ou ‘rugir’ são contrários a falar, a usar as palavras. Se interpretamos um pouco mais, usar as palavras para nos entendermos nos faz justamente humanas, nos faz sentir bem quando encontramos pontes de profunda conexão. O rumor desumaniza.

Agora vejamos, quando se recebe um rumor, há escolhas: nos fazermos cúmplices na circulação deste e colaborarmos em deixar no vazio à pessoa em questão, ou então colocamos um limite a isso. Portanto, o ato de receber um rumor não é um ato passivo. Quem escolhe não participar nem prestar ouvidos ao rumor o detêm e pode, inteligentemente, perguntar-se sobre as outras versões da mesma realidade entre a dita. Pois a neutralidade na linguagem não existe. Por isso, é justa a possibilidade de pôr em dúvida as versões e as fontes: um exercício básico que realizamos com a mídia hegemônica por exemplo, quando somos críticos. Se esta versão provêm de quem detêm um poder ou é considerada uma pessoa ‘legítima’, ‘confiável’, é mais difícil ainda desmentir. E neste caso, a versão do rumor toma as características de uma ‘História Oficial’. Não é demais lembrar que, no patriarcado, a historiografia elaborou uma versão oficial do mundo enviesada e cheia de invisibilizações, e é exatamente assim que as mulheres viemos perdendo nossa história.

Podemos identificar alguns tópicos do rumor que condizem com os tópicos da História Oficial. Em primeiro lugar, a Mitigação e a Exageração. A mitigação (aliviamento), usada a favor de quem promove o rumor, consiste em ocultar, diminuir, abrandar, fazer pouco caso ou, inclusive, ironizar sobre as próprias equivocações e erros, no seu caso. Pode ir acompanhada de um certo grau de auto-compaixão. A exageração, por sua vez, se utiliza contra a outra pessoa; se exageram e dá dramaticidade aos erros da outra pessoa. Algumas vezes a exageração vai acompanhada de mitomania e megalomania. O “exageracionismo” é um recurso do rumor.

Um segundo tópico fundamental é a Descontextualização, onde a informação que circula é uma informação ‘descarnada’, ou seja, extirpada de seu contexto original, vital, que continha pessoas com corpos e olhares, entre quem existia intimidade e confiança e um percurso próprio e autêntico da relação particular. Assim como existiam momentos, lugares e circunstâncias específicos; sentidos e propósitos, angústias e alegrias. A informação é retirada do contexto e da experiência que lhe deu vida e se utiliza com fins utilitários (oportunistas). Porém, não há informação no ar, as mensagens mudam seu sentido e seu destino radicalmente, segundo o contexto onde se usem. Nunca voltam a ser a mesma mensagem nem voltam a ter o mesmo significado. A descontextualização como recurso ou tópico do rumor, se baseia na chantagem e usa falsas testemunhas, isso é, personagens que, revestidos de um empoderamento emprestado, se atribuem ou se auto-concedem a autoridade de juízo sancionador, fundado na mais profunda ignorância da história questionada. Esta ação muitas vezes se marca na triste história de traição entre mulheres.

Como toda História oficial, a falta de honestidade desde onde circula a versão, a ‘tergi-versão’ (tegiversação: versão torpe, torta) da realidade, se disfarça de discursos salvadores, bons e messiânicos, inclusive baseados no amor. Os quais na realidade escondem as inseguranças, os despejos, os posicionamentos e as acomodações mais obscuras. Esta tática perturba e confunde as verdadeiras e reais fontes da dominação (Denise Thompson, 2003).

Outros tópicos reconhecíveis são ‘Frases Feitas’ que servem para finalizar o relato do rumor, talvez como parte da estrutura do Rumor se o identificamos como um gênero discursivo em si mesmo. Estas frases são: “não comente isso por aí…”, “daqui não sai…”, “não fala pra ninguém…”, “eu te digo isso porque eu o vi na minha própria experiência…”, “estou te contando isso porque confio em você…”, e etc. Nesta mesma linha, contamos com refrãos ou ditos populares, sempre impregnados do imaginário patriarcal, regados de lugares comuns (preconceitos), que se utilizam para semear o medo. Para nosso específico tema do rumor, nos vêm à mente as inquisidoras e penalizadoras frases que dizem “quando o rio soa é porque pedras traz”[2], “algo ela fez para que falem isso”, “não faça o que não quer que façam pra você”, “tudo se paga nesta vida”, “tudo cai por seu próprio peso”.

Redundante dizer que as famosas e neoliberais “redes sociais” são terreno fértil para difundir o rumor: a vitrinização e o imediatismo do facebook, do chat, dos correios electrônicos, etc. Estes sistemas são facilitadores para a vertiginosa circulação dos rumores e para a ameaçadora chantagem, porque em geral servem às pessoas que, des-corporizadas, se escondem e se protegem atrás do meio tecnológico, por meio de seu uso anônimo e impessoal.

A misoginia é uma pesada realidade para todas. A reflexão sobre a falta de sororidade ou de affidamento[3] deve ser mais profunda e comprometida. É fundamental que a imagem de espelho que nos produz a outra, nossa igual, não se utilize como o faz a madrasta de Branca de Neves, senão como uma porta para as sólidas pontes feitas de palavras, estas que dão cabimento à confiança e ao entendimento, mas somente quando real e verdadeiramente existe a horizontalidade.
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Traduzido de https://andreafranulic.cl/misoginia/de-aqui-no-sale-reflexiones-sobre-el-rumor/

[1] Tergiversar segundo a própria autora é “mudar o sentido das coisas para sua própria conveniência e benefício. Etimológicamente, a palavra significa “dar as costas à”. Curioso. O patriarcado esteve “tergiversando”, históricamente, nossas experiências de mulheres(…) Impôe seu próprio sentido de realidade e inventa o relato que lhe convêm para manter seu domínio. A tergiversação é totalitária e auto-referente, porque o patriarcado é “um”, somente vê a si mesmo e a feminilidade existe para lhe devolver seu próprio reflexo. Desta maneira, se transforma em uma montanha gigantesca de parcializações, apagamentos e vazios a respeito de nós mulheres. Quê esgotador é defender-se de cada acusação patriarcal!”. (https://andreafranulic.cl/lenguaje/la-tergiversacion-de-la-experiencia/) A autora retirou esse conceito do texto de Audre Lorde, “A transformação do silêncio em linguagem e ação”, onde esta diz que o silêncio não nos protege, embora distorçam nossas palavras. Mais que falar, diz Lorde assim como Anzaldúa, devemos escrever, pois escrevendo nos tornamos existentes e confrontamos as ‘versões distorcidas’ de nossa história, pois as mulheres não possuem história e isso se conseguiu a base do rumor, pois a história oficial se constitui no conjunto de rumores dos homens sobre a realidade e o ocorrido, e as mulheres, tal importante mecanismo de poder o rumor representa. E escrever e falar, além de ser confronto das versões distorcidas/rumores, é constituir-se em sujeita histórica e assumir a tarefa de produzir história de mulheres.

[2] Um ditado específico da cultura chilena, quer dizer algo como “se falam isso deve ser porque algo fez de errado”, no caso dos rumores.

[3] Termo em italiano para sororidade, proposto pelas feministas italianas ‘da diferença’.

* Recomendamos também a leitura do texto “O rumor, a feminilidade, o patriarcado” por hembrista https://we.riseup.net/feminist_troll/o-rumor-a-feminilidade-o-patriarcado

Breve Resenha de Algumas Teorias Lésbicas

breve resenha teroias lesbicasVersão zine traduzida ao português do texto de Jules Falquet, onde realiza uma magistral introdução ao pensamento lésbico.

* Para imprimir (pois não está editado versão impressão) escolha ‘imprimir como booklet/livreto/folheto na opção de impressão do pdf mesmo. Se tiver software livre tem um outro método de escolha das páginas que depois explico melhor.

Por hora, baixe a capa e o interior (logo mais eu unificarei num arquivo único) em:

capa breve resenha teorias lesbicas

+ zine breve resenha teorias lesbicas (versão impressão)

também:
breve resenha teorias lesbicas versão leitura

 

Zine Consenso Sexual Lésbico

consensolesbozine consensa lesbica corrigida (pedir para ‘imprimir como livreto/folheto/booklet se tiver pdf. Se for linux tem que ser de outra forma, mais tarde explico)

+ capa

(ainda não juntei as duas, faço isso mais tarde)

“Zine sobre consenso sexual lésbico, misturando partes autorais com outras adaptações e inspirações em outras zines. Produzi para distribuir numa oficina de prevenção e visibilização de violência entre lésbicas, pra seguir bem de guia rápido de identificação de comportamentos.
A idéia é que sirva tanto para que nos pensemos como agressoras e evitemos os comportamentos mostrados, como para tomarmos consciência e assertar nossos limites. A idéia do zine e de promover essas ferramentas não é como individualismo liberal, como se empoderando a pessoa para colocar os limites seja suficiente, pois não depende só de um momento de zine para desconstruir toda uma trajetória de feminização e desempoderamento de vida, além de questões estruturais mais amplas (violência masculina sistemática) ou de ordem traumática, porém pode ser um começo. Não cabe as vítimas ‘se empoderarem’ e sim as agressões serem paradas e nos responsabilizarmos de mudar condutas. Empoderamento é um processo coletivo e muitas vezes longo. Também penso que podemos nos localizar seja nos lugares de perpetradoras seja no de agredidas, sendo a questão da violência e como a reproduzimos complexa.

Trago a reflexão sobre prevenção e responsabilização porque penso que as dinâmicas de flerte não-positivas ou de relações possessivas e chantagistas estão demasiado naturalizadas, cabendo a nós indagá-las e repensá-las para construir novos referenciais, saudáveis, de nos relacionar e cuidar. Penso que o tema das agressões/relações complicadas entre lésbicas é invisível ainda, assim como há invisibilidade lésbica. Acho que deve ser trabalhada pela comunidade lésbica, por isso não acredito em abordagem penal [1] nem em estigmatização destrutiva das pessoas. Acho que existe dois tipos de agressora: as que reconhecem e que desconheciam até então que comportamentos podiam ser violentos (pois podemos reproduzí-los seja porque vivemos em lares violentos, aprendemos essas linguagens, seja porque nos identificamos com o agressor ao sermos abusadas ou agredidas, seja porque se naturalizava até então, por conta de romantismo que se pauta na idéia de conquista e insistência…) e as que não reconhecem e negam qualquer autocrítica. A gestão das situações de violência deve ser oportunidade para se pensar e refletir sobre. Dizer que algumas pessoas realmente “erraram” não é minimizar a situação nem o dano que promove. Somente penso que se exortamos nossos demônios pra fora como se fossemos todas perfeitas, e as lésbicas que reproduzem agressões e comportamentos complicados fossem um monstro dos mitos e meios jornalísticos, não o pensamos como parte do funcionamento de uma comunidade e entorno comum e logo não é por meio do escrache de uma lésbica que a gente vai garantir uma comunidade livre de abusos. Demonizamos e vilanizamos sujeitas e achamos que resolvemos o problema expulsando ele pra fora, mas todas podemos cometer agressões uma vez que nascemos num heteropatriarcado e estamos em um trabalho contínuo de nos desfazer dele.

Havia feito primeiramente com linguagem inclusiva porque achei que consentimento tinha que incluir o “respeito às identidades” e para dialogar com a pluralidade de pensamentos dentro do feminismo, mas como eu venho sendo crítica das categorias de análise propostas pelas políticas de identidade, e de forma a expressar meu  compromisso com mulheres e lesbiandade como projeto político e não identidade, eu retirei. 🙂 É só pra sapatão e mulher mesmo, logo é um zine específico.

Mais importante: a zine tá aberta a questionamentos e críticas e contribuições, principalmente se pensam que mais coisas poderiam ser agregadas a ela que tenham faltado, ou se querem questionar  e refletir a questão. Contatem hembrista @ riseup.net

***

[1] A não ser que o caso seja muito grave e precise dos meios legais e institucionais para ser parado. Tudo depende do que decida sobrevivente e com apoio de seu entorno. Mas acredito que são casos realmente graves que se deva apelar a qualquer meio judicial, ainda assim não creio na abordagem punitivista e sou completamente contrária ao escrache de lésbicas, acreditando que precisamos desenvolver uma forma não-heterocentrada de abordar os nossos problemas entre lésbicas.

Racismo nos espaços de feministas brancas

Postado em 7 Janeiro de 2013
em Black Feminists Manchester

por Mia
Quando falamos sobre ‘espaços de feministas brancas’ o que queremos dizer é o padrão feminista mainstream (corrente) de língua inglesa. Uma feminista que considera a si mesma superior ao movimento de mulheres ao longo do mundo, usando seu privilégio branco para decidir que mulheres (de cor) e opressões são válidas de atenção ou de trazer, vistas por míopes e autoritativas lentes brancas.
O feminismo branco deve evoluir e integrar-se com sociedades multi-culturais se se quer genuinamente preocupada com  a libertação de todas mulheres. A exceção de poucas individualidades mais ligadas, muitas feministas brancas que eu encontrei no Reino Unido, vêem ‘ódio às mulheres’ como a única forma de opressão que requer erradicação para que as mulheres sejam livres. Eu gostaria que isso fosse verdade.

O que muitas feministas brancas ainda esquecem ou falham em notar é que, as mulheres de cor, que conformam a maioria da população de mulheres no mundo, encaram e desafiam múltiplas opressões – racismo, classismo e sexismo – produzidas por estruturas organizadas que suportam o capitalismo como o colonialismo, o neoliberalismo e patriarcado, dentre outras.
O que me assusta ainda mais que esses sistemas de corrupção destruindo as vidas das mulheres pelo mundo, são as feministas brancas, que professam estar lutando e derrocando o patriarcado, quando de fato elas capitulando com o patriarcado, por escolher ignorar, silenciar ou mesmo negar racismo.
Sim é verdade, há feministas brancas que acreditam que racismo não mais existe!
O racismo contra pessoas de cor não está nada perto de extinção. Negar ou silenciar racismo é racista.
Em 2012 eu fui indagada por duas feministas brancas, o que as mulheres feministas de cor ‘querem de nós para tornar os espaços feministas mais inclusivos para as mulheres de cor’? Isso me instigou a rever minhas observações e experiências com mulheres brancas em espaços feministas em 2012.

Uma feminista branca negar a experiência de uma mulher de cor de racismo, por declarar que sua experiência de opressão ‘parece ser mais baseada em sexismo e não em racismo’ e como poderia ela saber realmente a diferença?’… é racismo.

Uma feminista branca rolar seus olhos e demonstrar linguagem corporal defensiva, quando uma mulher de cor traz racismo como parte do discurso feminista, é racismo.

Convidar mulheres de cor a eventos feministas para que ensinem as audiências marjoritariamente de mulheres brancas sobre lutas globais de mulheres e não convidá-las a discutir desempregos, aborto, imagem corporal, estupro, sexualidade etc, é racismo.

Envolver mulheres de cor nos eventos feministas como entretenimentos ou em serviços de comida gratuita, ao mesmo tempo falhando em envolver mulheres de cor como visíveis apresentadoras nas mesas ou em papéis de organização, é racismo.

Etiquetar uma mulher de cor como ‘agressiva’ e ‘raivosa’ quando ela desafia o ponto de vista de uma mulher branca, em uma maneira não agressiva, é racismo.

Rebentar em lágrimas e fugir, quando uma mulher de cor desafia sua atitude e comportamento racista, é racismo.
Enturmar-se com outras feministas brancas e promover bullying contra uma mulher de cor porque ela chamou atenção para o racismo de suas irmãs feministas, é racismo.

Ignorar o ponto de vista de uma mulher de cor, e então celebrar coletivamente o mesmo ponto de vista copiado por uma feminista branca momentos depois, é racismo.

Feminista branca minimizando seu ativismo ou subitamente se tornando inerte quando se pede para que apoie campanhas e movimentos predominantemente convocados por mulheres de cor, é racismo.

Feminista branca dizendo: ‘Temos um monte de problemas próprios neste país como direitos de aborto para lidar!’… quando se pede que apóie campanhas para mulheres de cor, é racismo.

Feminista de cor disacreditando racismo por sugerir que ‘observações racistas trazidos como comentários frívolos não são realmente racistas’ é racismo.

Demandar entrar em espaços seguros somente de mulheres negras porque você… ‘quer assistir’… apenas para depois ficar de mau humor e tentar justificar seus direitos de entrar um espaço somente de mulheres negras e argumentar que ‘como poderão querer que entendamos vocês se vocês não nos deixam assistir?!’, quando se explica a você opropósito dos espaços seguros de mulheres negras, é racismo.

Dizer a mulheres de cor que elas estão apenas ‘outrificando’ [1] elas mesmas por se bauto-organizar como grupos de mulheres negras, é racismo.

Tirar o ‘cartão de privilégio branco’ para justificar demonstrações ‘não-intencionais’ de racismo é transparentemente racista.

Apenas jogando por aí termos como ‘interseccionalidade’, ‘priviégio branco’ e títulos de livros escritos por feministas negras, não se erradica racismo ou prova que seu feminismo será interseccional.

Uma racista não pode ser uma verdadeira feminista. Racistas que clamam ser feministas não são nada mais que ‘funcionárias'[2] do Patriarcado.

Abordar TODAS opressões encaradas por mulheres de cor apenas com uma perspectiva de ‘lutas globais de mulheres’, é outrificar mulheres de cor.

Primeiramente parece ter fugido da atenção de algumas feministas brancas que todas mulheres vivem ‘no globo’, incluindo as feministas brancas mesmas. Depois, tal enquadramento é sintomático de mentalidades coloniais. Enquadrar mulheres de cor como uma entidade por fora de branquitude, cria limites invisíveis entre nós. Isso objetifica mulheres de cor. ‘Lutas globais de mulheres’ tende a focar em África, Ásia, Latino-America e Oriente Médio e são usualmente vistas por meio de lentes brancas. O foco então se desloca para uma perspectiva feminista padrão, dominante, branca das questões de mulheres no Reino Unido, omitindo e minimizando as experiências de mulheres de cor no Reino Unido, Europa e EUA.

Embora a tentativa de inclusão e diersidade é reconhecida, devemos lembrar que a prática de etiquetar em caixas de diversidade apenas perpetua a mentalidade de outrificar, é um método neoliberal desenhado para reforçar racismo e outros ismos.

Ódio a Muheres não existe em um vácuo; é parte de uma conexão de opressões e influenciado por isso. Desafiar o ódio a mulheres embora ignorando ou apoiando racismo e outras opressões de igual importância é estúpido.

Entender o propósito dos espaços de mulheres negras e representações realísticas de mulheres de cor em espaços feministas é a chave. Criar espaços feministas mainstream e campanhas organizadas e levadas conjuntamente por mulheres de cor e mulheres brancas, ao mesmo tempo apoiando campanhas feministas de todas raças, é essencial.

Racismo entre feministas brancas tem sido predominante por décadas. É prevalente em todas as classes. Este escrito não é o primeiro a abordar feministas brancas racistas e até que tais muheres ativamente escutem a mulheres de cor e escolham apoiar o movimento de mulheres, ao invés de corrompê-lo, não será nem o último.

Audre Lourde manifestou:  ‘Que significa quando as ferramentas do patriarcado racista são usadas para examinar os frutos do mesmo patriarcado? Isso significa que somente os perimetros mais estreitos da mudança são possíveis e permitíveis’.
Mulheres de cor nunca vão aceitar racismo, especialmente quando vem de feministas brancas.
Nunca haverá liberação para mulheres brancas sem a liberação de mulheres de cor; escutar ativamente à mulheres feministas de cor é uma necessidade para feministas brancas. Isso irá criar uma sororidade que trabalhe mais eficazmente para mudanças radicais coletivas/colaborativas.

Mulheres de cor, que entendem opressões múltiplas em primeira mão, estão organizadas e desafiando sistemas opressivos diretamente, todos os dias. A única opção ‘feminista’ para nossas irmãs brancas é colocar-se lado a lado com irmãs feministas negras, em solidariedade e ativismo, e não desconfiança.

***

[1] ‘Othering’, um neologismo, algo como tornar em outra, ‘outridade’, que se refere a esse lugar marginal e da ‘outra’ que as negras e outras categorias terminam ocupando dentro dos feminismos que abordam mulher de maneira universalizante criando uma teoria centrada na experiência de mulheres brancas.

 

[2] Traduzi ‘handmainden’ por ‘funcionárias’ porque a palavra ‘handmaiden’ é usada em inglês pra designar mulheres que prestam serviço ao patriarcado, mesmo que inconscientemente, ou conscientemente mesmo, mas a tradução literal se torna algo como ‘criada’ ou ’empregada’ e mesmo que o termo tenha sido criado pra evitar a idéia de ‘mulher machista’, pra mim termina sendo misógino e racista em português como soa, já que aqui já existe uma associação racista de negritude a serviços domésticos ou papéis de servir, que se mostram nas novelas e afins. Se alguém quiser recomendar uma tradução melhor ou discutir esse tópico fiquem a vontade.

Porque os Espaços de Mulheres São Críticos com Relação à Autonomia Feminista

por Patricia McFadden
traduzido por materialfeminista.milharal.org

A questão da presença masculina, em termos físicos e ideológicos, no interior do que deveriam ser espaços somente de mulheres, não é simplesmente uma questão de contestação ideológica e de preocupação no interior do movimento de mulheres globalmente; é também uma séria manifestação do backlash contra os esforços das mulheres de se tornarem autônomas dos homens em seus relacionamentos pessoais/políticos e interações. Assim que as sociedades humanas se tornaram mais públicas ao longo das lutas intensificadas pela inclusão de vários grupos de antigos círculos excluídos (o maior do qual é composto de mulheres de diferentes classes, idades, orientações sexuais, habilidades, etnicidades, nacionalidades e locais), então também a luta pela ocupação e definição de espaço tomou uma importância concomitante.
Neste curto artigo, quero explorar algumas das razões pelas quais essa contestação sobre os espaços de mulheres surgiu. Também quero tenazmente argumentar que mulheres não devem permitir homens em seus espaços porque estrategicamente isso seria um erro político grave para o futuro do movimento de mulheres, quer ele esteja localizado e engajado com a hegemonia patriarcal e exclusão. Argumentar pela inclusão dos homens em espaços estruturais e políticos de mulheres é não somente fundamentalmente heterossexista; também serve a uma velha reivindicação nacionalista de que as mulheres devem tomar conta dos homens, não importa aonde eles estejam localizados ou com o que estejam eles engajados. Essa reivindicação é inerentemente pressuposta na suposição de que as mulheres que não estão vinculadas ou associadas com um homem são perigosas, exaltadas mulheres que devem ser interrompidas. Isso é o porquê da afirmação de que as mulheres precisam “levar os homens adiante” sugere não somente uma suposição profundamente patriarcal de que a mobilidade das mulheres requer aprovação masculina: também facilita a transferência de práticas socioculturais no movimento das mulheres que alimentam o privilégio masculino e os mimam em espaços que as mulheres lutaram por séculos para assinalar como seus.
De forma a fazer meus apontamentos, quero me referir brevemente à noção conceitual de espaço e tentar mostrar como o espaço é generizado e altamente politizado como uma fonte social em todas as sociedades. Através da narrativa humana conhecida, certos espaços tem sido culturalmente, religiosamente e politicamente marcados como tanto “masculinos” como “femininos” e sabemos que, em termos dos últimos espaços, estes foram e continuam sendo amplamente relacionados às funções de reprodução e alimentação das mulheres em todas as sociedades humanas, sem exceção. Os espaços que referimos como públicos são adotados como masculinos e, por séculos, os homens excluíram as mulheres do público, onde todas as decisões-chave relacionadas ao poder são deliberadas e implementadas.
Além disso, ao longo da história humana, aqueles espaços que eram feminizados eram também considerados os menos importantes; eram e continuam sendo lugares onde as mulheres funcionavam através da benevolência dos homens, mas que nunca possuíram e com os quais ainda não têm direito sobre se vivem em relações íntimas próximas com homens adultos. Noções “da família” e “do chefe de família” permanecem fundamentalmente masculinos em termos de todas as insituições-chave de nossas sociedades, e as mulheres não podem criar uma família “real”; quando constroem lares, estes se tornam imediatamente feminizados e estigmatizados como outro (feminino-comandado/solteiro-comandado/mulher-comandado, etc.).
Portanto, quando damos uma olhada bem próxima a noções de espaço e sua ocupação em termos de gênero, percebemos o fato chocante de que é somente no século 20 que as mulheres ocuparam espaço limitado nas sociedades patriarcais em seu próprio direito como mulheres e/ou como pessoas. O espaço era e continua sendo largamente definido como uma construção masculina de todas as maneiras imagináveis e, para a maioria das sociedades do Sul, nem sequer se pode referir às mudanças que ocorreram nas sociedades do Norte em torno dessa questão para fazer qualquer generalizações. A maioria das mulheres no Sul existem fora do espaço como um recurso politicamente definido. No principal, e especialmente para mulheres pobres em um continente como a África, o espaço permanece fundamentalmente atrelado às noções arcaicas do privilégio patriarcal e da dominação das mulheres tanto privada quanto publicamente. É por isso que o Movimento das Mulheres, enquanto um espaço político, ideológico, ativista e estrutural, deve permanecer simplesmente isso: um espaço exclusivo de mulheres.
Além disso, é vital para qualquer conversa sobre a presença ou ausência de homens nos espaços de mulheres, localizar a noção de espaço em si mesmo no interior da narrativa política sobre o que o espaço significa em sociedades patriarcais generizadas. O fato que importa é o de que o espaço não é um território neutro; é altamente politizado em termos de classe e localização. Os ricos vivem em certos espaços e os pobres são sistematicamente excluídos desses espaços por arame farpado e cercas elétricas, cachorros viciosos e homens pobres de macacão carregando armas em suas mãos. O espaço é mantido sob escrutínio próximo pelos militares que declaram áreas particulares de um território nacional áreas “não permitidas” ao público, e as próprias classes dominantes constroem todos os tipos de práticas de exclusão e mecanismos que mantêm certos grupos de pessoas fora de “seus” espaços. Colonos brancos usaram o Estado para pôr em prática sistemas de vigilância que excluíam africanos de seus espaços através da institucionalização de “passes” e a extenção da licença de qualquer branco ser capaz de parar qualquer pessoa negra e demandar que eles expliquem sua presença em um lugar particular em qualquer hora do dia ou noite.
E em um daqueles raros momentos reconhecidos de conluio patriarcal entre homens negros e brancos no interior do empreendimento colonial, homens negros são permitidos parar e interrogar qualquer mulher negra que não esteve na presença de um homem adulto fora dos confinamentos das “Áreas Nativas” da África Austral colonial. A mesma prática provavelmente se aplicava em outras partes do continente e do mundo, na medida em que se concerne, em vários momentos no tempo.
No período imediatamente depois da independência nas muitas sociedades do continente, as mulheres que estavam desacompanhadas de um homem adulto e ousavam re-entrar ou permanecer no interior da arena pública depois que o dia de trabalho formal acabava, estavam e ainda estão suscetíveis à prisão e à criminalização como “putas”, que devem ser trancadas para sua própria segurança, porque “boas mulheres” estão em casa alimentando as crianças e servindo às necessidades sexuais de seus maridos depois que o sol se põe.
Esses e muitos dos discursos que definem e marcam o espaço como masculino e generizado, excludente de mulheres como pessoas e como indivíduos a que são atribuídos a mobilidade e a ocupação do espaço em seu próprio direito, devem ser trazidos em foco ao considerar a pressão que os homens e certos grupos de “boas mulheres” estão colocando no resto de nós no interior do Movimento das Mulheres de permitir os homens dentro de nossos limitados espaços políticos.
Minha retaliação é a de que aquelas mulheres que gostam tanto dos homens que não podem passar qualquer tempo durante o dia ou a noite sem a presença masculina podem construir as chamadas organizações “mistas”, que possuem o direito de existir como qualquer das outras estruturas da sociedade civil, que aumentam os desejos e interesses no bem comum; mas não como parte do Movimento das Mulheres. Portanto, insistir que nosso Movimento, que lutamos para estabelecer, frequentemente dando nossas vidas inteiras por sua criação, deva se tornar um “espaço misto de gênero” não é aceitável de forma nenhuma e deve ser vigorosamente contestado.
Basta dizer, então, que o espaço é sempre fortemente contestado e é uma questão política, e as mulheres devem entender e manter isso em mente enquanto nos perguntamos questões com relação à presença dos homens no nosso Movimento. Os espaços nunca são dados como todos os recursos nas nossas sociedades, quer sejam esses espaços materiais, estéticos ou sociais lutados, ocupados e trabalhados, marcados como pertencendo a um grupo particular através das lutas que são basicamente sobre estabelecer posse e usar essa posse para a execução de uma agenda. E o Movimento das Mulheres possui uma agenda claramente estabelecida da emancipação de todas as mulheres da sujeição patriarcal e da exploração. O patriarcado tem efetivamente usado a exclusão como um princípio central para suas alegações ideológicas à hegemonia em todas nossas sociedades, seja quando alguém está olhando para noções de identidade, de direitos e privilégio, de acesso e inclusão em instituições e posições de poder.
Práticas de exclusão utilizam o espaço como um elemento-chave na implementação de uma agenda específica. A alegação de que o lugar das mulheres é “na casa dele” é uma antiga estratégia que mobiliza noções da feminilidade; localiza-as no privado, e impõe uma ideologia de domesticidade através da qual as mulheres são socializadas a acreditarem e aceitarem que os espaços estreitos e com privilégio masculino chamados “casa” são os espaços mais apropriados para que elas gastem suas vidas em, procriando e trabalhando para “ele” e “a família dele”. Essa alegação é tão poderosa que milhões de mulheres continuam a acreditar nisso, mesmo quando tem sido capazes de deixar a casa e adquirir uma educação e habilidades profissionais que pudessem usar para se tornar autônomas. Ainda, elas voltam a esse espaço onde se tornam “verdadeiras” mulheres em termos patriarcais retrógrados; termos que elas às vezes escolhem definirem-se, mas que não têm que se tornar marcadores de todas as mulheres, especialmente no público que é um espaço comum que pertence a todas as mulheres de todas as cidadanias.
Acredito que ninguém pode considerar a questão da intrusão masculina nos espaços políticos de mulheres sem também considerar que esta demanda é sempre feita com o desejo consciente de empreender vigilância sobre o que as mulheres estão pensando, dizendo e fazendo. Sei que algumas de minhas irmãs dirão que eu não posso generalizar porque existem “bons” homens que se nomeiam “feministas” e que estão interessados em assegurar os direitos das mulheres contra a dominação patriarcal. Em um nível, isso pode ser verdade. Existem alguns homens que estão experienciando uma nova consciência política através da associação com as lutas das mulheres por liberdade e autonomia. Mas, em minha opinião, tais homens precisam estar em um movimento político que mobilize mais homens a mudarem a si mesmos, especialmente com relação à masculinidade e à hegemonia que a ideologia patriarcal garante a todos os homens. Neste sentido, estarão mais capazes de apoiar as demandas e os direitos das mulheres por liberdades. Porque enquanto “bons” homens sim apoiam mulheres e “permitem” suas esposas e parceiras de fazerem trabalho ativista, também influenciam as políticas das mulheres quando entram nos espaços de mulheres e interagem com as ideias e o ativismo de mulheres no interior do mesmo quadro.
As mulheres devem ser capazes de formular e expressar suas próprias ideias como mulheres individuais e como um círculo que é afetado pelas leis e práticas patriarcais de maneiras unicamente generizadas – uma experiência a que nenhum homem está aberto e a que não pode experienciar enquanto o patriarcado define relacionamentos generizados do poder e privilégio em sua forma atual. E, quando os homens estão nos espaços de mulheres, as mulheres tendem a reagir à sua presença de maneiras intelectuais e sexuais. Homens tendem a intimidar a maior parte das mulheres; mesmo o homem mais tímido possui um impacto na confiança de algumas mulheres, e isto é um custo que devemos não ter que incorrer em nossos espaços.
Os homens tendem a assumir o controle de dicursos e conduzí-los em direções particulares, frequentemente adotando atitudes defensivas sobre a consciência radical das mulheres e consequentemente neutralizando o senso das mulheres de intitulação de seus direitos. A presença dos homens em qualquer espaço de mulheres possui consequências fundamentais para o senso das mulheres de si mesmas e de suas visões do futuro. Em minha opinião, as mulheres não podem se dispor a serem boas sobre tal ameaça. Na verdade, é através de sua intrusão nos espaços de mulheres que os homens tem sido capazes de redirecionar as políticas do Movimento das Mulheres em muitos países – alterando seu caráter de uma plataforma política radical onde as mulheres experienciam a si mesmas como pessoas autônomas e intituladas, em um movimento bem-estarista que é focado nas velhas noções sexistas de reprodução e custódia cultural em nome dos homens mesmos que afirmam que estão sendo excluídos.
A vigilância da consciência política das mulheres é um objetivo-chave do backlash patriarcal, que se manifesta através das demandas masculinas por inclusão nos espaços de mulheres. Uma pessoa só precisa olhar para todas aquelas organizações que possuem homens em seu interior para ver quão conspiratórias e comprometedoras tais organizações se tornam dentro de um pequeno espaço de tempo. Frequentemente, esses homens assumem o controle sobre os elementos mais críticos no interior da organização, frequentemente o controle sobre as finanças e a seção de publicações, impondo a voz masculina sobre as visões e o conhecimento que as mulheres trazem à público. Sabemos que a voz e a visibilização das experiências de mulheres são alicerces do Movimento de Mulheres dizendo o que sabemos e o que queremos, e isto é central para nossa agenda e nossa liberdade. Por que então estão algumas organizações de mulheres entregando seus boletins de notícia e seções de documentação a homens que, com boa vontade, “falam em seu nome”? Nós não demandamos o direito de falar por nós mesmas e usamos esta facilidade para desmascarar os mitos e estereótipos que ainda caracterizam a mídia masculina? Ainda assim, algumas mulheres não veem qualquer ameaça política em ter um homem, um daqueles “bons”, ocupando o status de processador do conhecimento em suas organizações.
No interior da linguagem do comprometimento, tais organizações estão em conformidade com a “integração de gênero” que basicamente reinforça as tendências bem-estaristas dentro do ativismo das mulheres através da despolitização da agência das mulheres no público.
O gênero se torna uma noção vazia, sem qualquer relação com o poder e a contestação, e as mulheres são ditas a considerarem os interesses de meninos e homens na mesma medida em que se esforçam por colmatar a escancarada lacuna entre si mesmas e os homens através do tempo e espaço. A despolitização das lutas das mulheres reside no coração da demanda por incluir homens nos espaços políticos de mulheres, porque é claro aos homens (assim como às mulheres conservadoras, a maioria da qual predomina no Movimento das Mulheres pelo mundo) que, ao ocupar um espaço político no público no qual as mulheres trabalharam e marcaram como seus, as mulheres se tornam radicais e desenvolvem uma consciência de si mesmas e de seus direitos. Esta é uma ameaça aos privilégios e interesses de homens em todas as sociedades patriarcais.
Para mim, este é o cerne da questão. Quando mulheres ocupam espaços públicos como pessoas que compreendem que por milênios foram negados seus direitos inalienáveis enquanto seres humanos, elas começam a demandar a restituição desses direitos através da criação de estruturas no interior do qual elas situam recursos financeiros, técnicos e intelectuais.
Quando uma mulher se torna articulada sobre quem são sexualmente e rejeitam os velhos mitos patriarcais sobre o que uma mulher pode ser e o que ela não é permitida se tornar, as mulheres se tornam poderosas e adquirem a habilidade de dizer não à violência, não ao trabalho não pago, não à exploração e discriminação em nome da preservação cultural. As mulheres se tornam pessoas que se relacionam com o Estado de maneiras novas e desafiadoras, não mais esperando dos homens no Estado para que distribuam alguns “favores” em nome de uma ditadura benevolente.
Tais mulheres se tornam autônomas e seu Movimento se torna a força para a transformação das relações opressivas de poder tanto na esfera pública quanto privada.
Tais mulheres são um perigo para todos os homens, independentemente de como os homens definem a si mesmos. Por esse motivo, os espaços de mulheres enquanto espaços politizados devem ser ocupados sob o aspecto de “inclusão” e aquelas mulheres que resistem tal vigilância são acusadas de serem odiadoras de homens e de agirem de formas “excludentes”; a mesma velha história que nós ouvimos durante séculos. Quando as mulheres primeiramente demandaram o direito de serem livres, de terem acesso à educação (nem mesmo acessos iguais, somente acesso ao conhecimento coletivo de suas respectivas sociedades), foram acusadas de odiarem os homens. Aquelas de nós que se recusaram a serem ritualizadas e pertencidas por homens através do casamento heterossexual, e que às vezes passaram a amar outras mulheres, foram marcadas como “hereges” e odiadoras de homens. O asfaltamento das mulheres com a escova de vitríolo heterossexista é bastante conhecido e a maioria das mulheres o temem porque esta é uma escova dura e cruel que marca as mulheres pelo resto de suas vidas como as Outras e Perigosas.
Mas nós aprendemos ao longo do extenso caminho de nossa luta pela liberdade que o comprometimento somente nos retrocede ainda mais do que onde iniciamos. Então, devemos nos manter em nossos espaços porque eles são os únicos espaços existentes que temos e podemos ter enquanto mulheres nessas sociedades profundamente odiadoras de mulheres e patriarcais em que continuamos vivendo no tempo presente.
Se os homens querem se engajar em políticas de gênero, deixem que eles formem suas próprias estruturas e criem um novo discurso político sobre a democracia e a igualdade com aqueles que vivem em suas sociedades. Enquanto mulheres politicamente conscientes, bem sabemos que os homens tem muito trabalho a fazer sobre si mesmo. Enquanto uma mãozinha é sempre útil, o antigo provérbio de que “a caridade começa em casa” se aplica ainda mais hoje em dia aos homens do que nunca antes. Os homens devem limpar suas casas patriarcais enquanto homens, primeiro, e obterem-se uma nova identidade que não dependa de possuir mulheres, de comprar e vender mulheres, de estuprar, forçosamente ocupar e pilhar os corpos de mulheres ou de expoliar as mentes das mulheres de modo que possam provar uns aos outros que são homens de verdade. Os homens precisam desenvolver uma ideologia política que não requeira que os homens excluam as mulheres de suas instituições que nós também construímos e que pertence a nós tanto quanto pertencem a todos que vivem em nossas sociedades.
Isso é onde eu me coloco enquanto uma feminista africana radical sobre os espaços sagrados que construímos, frequentemente com nossas vidas mesmas, e não estou preparada para compartilhar com qualquer homem, contanto que os homens continuem a serem privilegiados pelo patriarcado.

Solidariedade e Cuidado em Espaços Feministas

reflexão para termos em mente buscarmos adotar formas de apoio, confiança e conforto em espaços feministas.

 

Espaços feministas existem pela necessidade de criarmos esses espaços de luta e resistência. Espaços feministas são para nos fortalecermos, objetivando construirmos novas realidades individuais e coletivas, para nos apoiarmos e sermos solidárias umas com as outras, para identificarmos padrões que nos ajudam a perceber o inimigo, a causa, e para buscarmos soluções ou apenas resistirmos – buscas que temos por existir uma identificação: temos tratamento e oportunidades diferenciados devido ao machismo, a misoginia e as normas do patriarcado. Ainda que mulheres, lésbicas e outras identidades tenham suas especificidades e com isso opressões específicas, todas estas opressões são fruto de misoginia e crença na inferioridade de “ser mulher”, ou ainda, que mulher se deveria ser aos olhos da sociedade patriarcal.

Em espaços feministas você vai encontrar mulheres com traumas, mulheres ditas fortes e mulheres ditas fracas, mulheres em diferentes momentos de suas vidas, insubmissas, submissas ou com diferentes graus de submissão, adesão ao patriarcado ou a padrões estipulados pela sociedade, e mulheres sobreviventes.

Nós então não vamos encontrar mulheres iguais a nós, vamos lidar com diferenças, com ideias e objetivos nem sempre iguais.
É importante partindo disso, sabermos que o debate está aberto, de que temos diferenças. Ok.
Mas é interessante termos como princípios pelo menos duas coisas: a solidariedade e o cuidado com nossas companheiras e amigas. Obviamente não temos que ser solidárias com atos autoritários por exemplo, ou com qualquer atitude que qualquer mulher tenha só pelo fato de ela ser mulher. Seria mais um ponto de partida na nossa interação com as outras, mais uma maneira de encarar a si mesma e a outra, e uma tentativa de se opor à competitividade estimulada entre mulheres.

As vezes podemos estar muito focadas num problema específico em determinado momento para percebermos o nosso entorno – como a vida está para essas mulheres que estão aqui comigo agora -, e como está também para outras mulheres mais distantes. Mas é importante adotarmos a prática de prestarmos atenção no que outras estão trazendo e passando, e até, porque não, fazermos um esforço em compreender através do silêncio, que pode bem ser um indício de desconforto e medo, e de dinâmicas hierárquicas num espaço que precisa não gerar mais medos e domínio.
Eu tenho vivenciado que em alguns espaços, algumas atitudes e conceitos contrapõem a esta solidariedade e este cuidado fundamentais para o bem-estar de todas.

Por mais que estejamos abertas as discussões, não podemos descartar que esta “abertura” pode ser traumática, e nem todas as teses podem ser abertamente discutidas sem que se tenha cuidado, para evitarmos de machucar outras mulheres. Por exemplo, algumas teorias sobre o patriarcado, sobre o estupro, submissão e vitimização me parecem bem conflituosas para que se exponham desconsiderando que naquele espaço existem pessoas que foram estupradas, foram ou ainda são submissas, para citar algumas realidades. Geralmente com relação a submissão podemos ter uma opinião muito formada e acreditar que só a outra está sendo submissa e desta forma não enxergar nossas próprias atitudes ou situações. Eu percebi muitas vezes que o descuido, acaba por culpabilizar a vítima. E apesar de que o feminismo tem como fundamento nunca culpabilizar nenhuma vítima de estupro, quero dizer, a gente pensa que isso é consenso básico no “mundo” feminista, algumas teorias compartilhadas acabam por culpabilizar. O próprio termo estupro vem sendo desconstruído e banalizado, e tem pessoas que falam em estupro verbal por exemplo, que tentam comparar situações totalmente diferentes de estupros com o estupro. Não é solidário colocar tudo no mesmo saco, e pode ser altamente ofensivo, além de desconsiderar sofrimentos e traumas profundos. E por que haveríamos de ignorar que estes espaços agregam mulheres com traumas e dificuldades? Obviamente que não estou sugerindo que não devemos debater questões que se apresentam, mas que estejamos atentas para não machucarmos umas às outras.
Desde as formas como nos organizarmos, é fundamental que não exerçamos controle e centralidade, mas isso eu percebo estar mais em andamento, mesmo que na prática nem sempre funcione muito bem. O que nos mostra que temos muito por fazer, lembrando que para nossa autonomia é importante que geremos nossas próprias propostas, procurando criar as realidades que queremos para todas nós.

Outra coisa importante de se considerar, é que não podemos também exigir umas das outras, que sejam tomadas atitudes que julgamos mais importantes, sem levar em conta que a outra pode não estar preparada para tomar tais atitudes. O que podemos fazer é contribuir mutuamente nesta “preparação”, para que cada uma se desvincule o máximo que conseguir de suas dificuldades, daquilo que cada uma quer se desvincular. A interação entre nós tem que ser no sentido de nos libertar e de apoio mutuo, e não de reproduzirmos a opressão. Muitas vezes podemos não perceber o que estamos fazendo e estar “contribuindo” para silenciarmos a outra e deixá-la ainda mais insegura.

Penso que uma tentativa de solucionarmos problemas como estes, é de buscarmos desenvolver práticas de apoio quando nos propormos a construir e nos envolvermos em um espaço feminista. Não este cuidado paternalista atrelado ao conceito de fraqueza das mulheres, mas o cuidado para não causarmos mais danos. É essencial que espaços feministas sejam também espaços de apoio e confiança, além de serem de luta e resistência.

Pensemos enquanto feministas nas consequências de que nossas palavras e atos tenham em outras mulheres. Pensemos enquanto feministas em nos colocarmos no lugar da outra com solidariedade, não caridade.

 

enila dor

Por que me nomeio lésbica, por Cheryl Clarke

“Eu me nomeio ‘lésbica’ porque essa cultura oprime, silencia e destrói as lésbicas, mesmo as lésbicas que não chamam a elas mesmas como ‘lésbicas’. Eu nomeio a mim mesma ‘lésbica’ porque eu quero ser visível para outras lésbicas negras. Eu nomeio a mim mesma ‘lésbica’ porque eu não quero subscrever-me à heterosexualidade predatória/institucionalizada. Eu me nomeio lésbica porque eu quero estar com mulheres (e elas todas não têm que chamarem-se a si mesmas ‘lésbicas’). Eu me nomeio ‘lésbica’ porque é parte da minha visão. Eu nomeio a mim mesma lésbica porque ser mulher-identificada foi o que veio me mantendo sã. Eu chamo a mim mesma ‘Negra’, também, porque Negra é a minha perspectiva, minha Estética, minhas políticas, minha visão, minha sanidade” –

– Cheryl Clarke, em “Novas Notas em Lesbianismo”.

aversão poética zine por Formiga

Descrição: Salve! O poezine Aversão Poética está sendo
desenvolvido pela necessidade criar um espaço em que minha poesia negra,lésbica e suburbana tenha visibilidade. São experiências anarquistas e feministas vivenciadas no meu cotidiano e perspectivas de próximas ação políticas pessoais, usando a arte de forma contra-culturaValeu! FORMIGA

poezine aversão poética #1
poezine aversão poética #2

Anarquia ou Patriarquia?

Entre 8 a 10 de maio de 198, La Gryffe, uma livraria anarquista em Lyon (França), organizou uma jornada anarquista. Estes três dias significaram a oportunidade de um “acerto de contas com o movimento social, as formas de luta, o movimento anarquista desde o maio de ’68 e pensar sobre os recursos futuros para agir sobre o mundo”.

baixe o pdf “Anarquia ou Patriarquia?”

Esses três dias iluminaram um paradoxo no movimento anarquista. O questionamento da sociedade em seu todo continua em realidade limitado a questionar a esfera ‘pública’, a única considerada como política. Lamentavelmente é evitado fazê-lo via questionando o que acontece no ‘privado’, a esfera ‘pessoal’ (seja dentro de grupos militantes assim como no individual doméstico) continua sendo considerada não-política, e mesmo não-social… Como se, de um lado, houvesse indivíduos cuja psicologia, comportamento e relações fossem determinadas separadamente da sociedade e relações sociais e pessoais, por meio da ‘livre vontade’ e, por outro, relações sociais, aparentemente assimiladas a abstrações, esvaziem-se de qualquer significado uma vez que elas estão esvaziadas de indivíduos.
A despeito de um desejo declarado de abertura com relação à luta contra o patriarcado dos organizadores destes três dias de discussão, nós experimentamos, no entanto, uma negação da opressão das mulheres e uma estigmatização do movimento feminista não-misto que denuncia essa opressão. Esta foi a motivação para o desafio feminista expresso durante a reunião da plenária na tarde de sábado.

Como isso ocorreu?
Você disse… violência institucional?

Durante o debate sobre “violência institucional na comunidade ativista”, na Sexta, a questão do poder masculino foi abordada bem superficialmente. Em resposta, diversas intervenções por mulheres tenderam a demonstrar que a ‘liderança militante’ é quase sistematicamente exercida por homens. O problema de poder masculino foi igualmente e abertamente negado (certas pessoas disseram que as mulheres que se manifestavam estavam ‘mudando de assunto’), sustentando-se através de tentativas de justificação, com argumentos como esses a seguir:
– A necessidade de transmitir e/ou compartilhar conhecimento militante e político, implicitamente entendido como possuído, claro, por ativistas ‘treinados’ ou ‘experienciados’, portanto, pelos líderes presentes. Como esses líderes são 99,9% homens, este argumento implica que o conhecimento seria exclusivamente detido pelos homens, enquanto mulheres seriam ‘mais práticas’ (sic). Mas como é que nunca existem ativistas mulheres ‘treinadas’ e ‘experienciadas’?
O conceito de servidão voluntária, que absolve os dominantes (homens, brancos, heteros…) de sua responsabilidade, transferindo-a para @s dominad@s. Assim, a opressão se torna pessoal, psicológica, e, dessa forma, um problema não-social.
Nós podemos observar como, nesta questão da opressão das mulheres, muitos anarquistas defendem que cada indivíduo deva ESTRUTURAR A ELA OU ELE MESM@ fora das relações sociais de gênero. Por outro lado, eles não negam que outras relações sociais definem indivíduos em suas relações um@s com outr@s.
“Eu sou anarquista, logo sou anti-sexista”. Mas que forma toma esta luta anti-sexista? Que demandas são vociferadas mundo afora? Que vigilância demonstramos para com os padrões opressivos dentro dos grupos? E que questionamentos pessoais ela permite? O número mínimo de ações que podem ser organizadas são principalmente reflexivas da esfera pública e nunca são inter-relatadas; elas não integram as formas de opressão prevalente na esfera privada e isso também beneficia homens anarquistas… Isso leva à exclusão do todo-importante conceito feminista ‘o privado é político’.
As noções de sexismo e luta anti-sexista como elas são usadas no movimento anarquista, absolutamente não tomam conta da existência do patriarcado, isto é, uma relação social de dominação (e portanto, de opressão) exercida pelo gênero masculino contra o gênero feminino. Esta visão do sexismo parece limitada à discriminação baseada no gênero, nada mais: no entanto, na sociedade, não há apenas discriminação baseada no gênero, mas também posições sociais assimétricas baseadas no gênero. Nós muhleres e homens não somos assignad@s aos mesmos lugares hierárquicos na sociedade. A forma corrente de anti-sexismo anarquista não é suficiente porque apenas toma em consideração uma parte do problema, e muitas vezes serve para mascarar sua vera fundação. Esta forma de anti-sexismo de fato recusa-se a reconhecer – contrariamente ao feminismo – uma opressão específica de mulheres por homens, uma opressão que difere se as mulheres são lésbicas, bi ou heterossexuais. Este anti-sexismo reduz opressão à alienação, uma que poderia ‘igualitariamente’ ser aplicada a homens e mulheres.

Organização não-mista de mulheres à prova !

Sexta à tarde, tivemos que aguentar respostas hostis ao separatismo durante a projeção do vídeo ‘Crônicas Feministas’ em um cenário não misto. Essas discussões continuaram no dia seguinte durante o debate não-misto de mulheres em anarcofeminismo.
Durante o debate, QUEM ESTAVA ESCREVENDO A HISTÓRIA?
“1968 e depois, trinta anos de movimentos sociais” – Esta discussão ofereceu-nos três ou quatro ‘líderes históricos’, mas nenhuma pessoa para expressar a experiência de um dos movimentos sociais mais importantes daquele período: o movimento de libertação das mulheres. Nós podemos pensar que, mesmo se isso não era intencional, aí ocorreu a reprodução da marginalização das lutas de mulheres nesta programação.
Mas, durante o debate sobre a ordem patriarcal, sábado pela tarde, que as reações anti-feministas foram as mais violentas e provocaram a nossa resposta: do nosso ponto de vista feminista, era impossível ignorar tal backlash 1. O que presenciamos foi em realidade um JULGAMENTO em vez de um debate. Sua vera forma fez deste debate um ato de agressão e de condenação da nossas práticas de luta, viz.:
– o uso de exemplos anedotais para generalizar a questão feminista e as lutas lésbico-feministas;
– homens usando palavras de mulheres opostas às reuniões mistas de modo a dividir-nos mais uma vez, e de maneira a condenar seu anti-feminismo enquanto estabeleciam a eles mesmos em uma posição de árbitro.
Este debate serviu para negar nosso comprometimento e a legitimidade das nossas análises; um desejo de calar-nos estava claramente expresso.
Denunciar e atacar a não-mixticidade de mulheres, como foi feito aqui, era também uma maneira de sugerir que uma mixticidade real existe. Ainda assim, nós acreditamos que a mixticidade é uma ilusão: ou ela é quase não-existente (nos locais de trabalho, na escola desde as primeiras orientações de escolhas, nas organizações políticas, nas uniões…), ou, naquelas raras ocasiões onde ela ocorre, é inequalitária, isto é, uma minoria de homens está ocupando o centro, enquanto mulheres são mantidas na periferia, reduzidas a um papel de espectadoras, um papel de segunda-classe, atada às normas definidas por estes homens e para o poder masculino do qual eles são depositários. Esta primazia a-crítica concedida à mixticidade também nega a necessidade d@ oprimid@ de organizarem-se eles mesmos contra sua opressão e seus opressores… Que @ oprimid@ deveria se tornar s SUJEITS das suas lutas é contudo um princípio anarquista; muitas de nós achamos impossível e inútil manifestar-nos e tentar justificar algo que não deveria exigir justificação: a maneira como este debate tomou lugar ilustra as relações de poder criadas em um cenário misto, fazendo disto então algo muito melhor que qualquer argumentação.
Homens reclamam de se sentirem excluídos pela não-mixticidade das mulheres, quando dada a oportunidade de lidarem com a questão da mixticidade sob o tema ‘a ordem patriarcal’, eles desviaram o debate dirigindo-o e limitando-o à acusações niveladas à mixidade. Isso bem representa a necessidade de encontros de mulheres não-mistas para REALMENTE trabalhar CONTRA a ordem patriarcal!
Conseqüentemente, nós decidimos em um processo coletivo preparar uma intervenção durante o último debate no sábado sobre ‘o futuro do movimento anarquista’. Para nós esta era a oportunidade de desafiar os poderes aí postos: aqueles dos homens, aqueles dos líderes…

Que futuro anarquista para o movimento anarquista?

Homens convidados a falar foram seguidos um após o outro no podium, formulando versões oficiais da história, políticas e a estratégia de suas organizações… nenhuma única mulher, nenhuma lésbica sequer no horizonte da HIStoria 2…
Nossa primeira ação foram placas dizendo ‘VIOLÊNCIA SEXISTA’ e um pôster questionando ‘É ESTA UMA REUNIÃO NÃO-MISTA?’ junto a outros placares de um humor cáustico porém, realista. Nós queríamos ilustrar, de uma maneira simplificada por razões materiais, uma decodificação simultânea dos pertinentes discursos dominantes e como eles estavam funcionando ali. Um outro cartaz dizendo ‘COM VOCÊ, COM A GENTE’ foi dirigido à crítica das mulheres à não-mixticidade.
A despeito de algumas observações provocadas pela nossa presença (bem eloqüente, enquanto nós permanecíamos em silêncio), o debate foi adiante como se a gente não existisse. NÓS EXPERIENCIAMOS SER TORNADAS INVISÍVEIS ASSIM COMO É A SITUAÇÃO DAS MULHERES, LÉSBICAS E A LUTA.
Nossa segunda ação: mover-nos da periferia para o centro da sala. NÓS QUERÍAMOS TOMAR NOSSO LUGAR NO CENTRO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO UMA MANEIRA DE OFENDER. Aderem à nossa iniciativa outras mulheres presentes no salão. Se a gente falava umas entre as outras, isso era para tornar visível o fato de que em ‘geral’, homens falam entre eles mesmos. A tensão cresceu e um homem gritou para a gente: ‘sectárias’, facistas’, ‘gurias de merda’, ‘lésbicas’… Pior, encontramos a nós mesmas sendo acusadas de manipulação por mulheres dentro do nosso grupo, pela então chamada recusa de comunicar-nos e sectarismo. Estes são instrumentos tradicionais de poder, usadas pelos dominantes para manter e reafirmar sua dominação: eles simpesmente usam contra nós a crítica que dirigimos a eles. 3 Maior parte dos homens anarquistas se recusaram a incluírem a eles mesmos no grupo dos opressores, muito embora alguns logo admitiram que esta realidade é o único ponto de partida que podia permitir um questionamento deste papel e o da sua participação na manutenção do patriarcado.
Finalmente, certas pessoas estigmatizaram o nosso então chamado ‘desejo de sabotar o debate’, clamando que sentiam que o debate do futuro do movimento anarquista não podia tomar lugar ‘normalmente’… . É auto-evidente que nós lamentamos que certos outros debates (notadamente aquele sobre o Patriarcado) não podia tampouco tomar lugar ‘normalmente’… E nossa intenção era, notavelmente, despertar a consciência, neste debate, sobre o lugar das lutas feministas no futuro do movimento anarquista. Assim, a nossa intervenção era totalmente relevante para as questões em debate.

Uma profunda ação anarquista

Esta ação era baseada em uma motivação comum, mas seu desenvolvimento foi completamente espontâneo, assim como a escolha das mulheres que se juntaram à nós, e foi inteiramente dependente das reações do público. Isso poderia havê-la feito sair totalmente diferente…
Nossa ação feminista permitiu-nos gerar uma série de questões com relação ao compromisso e práticas anarquistas:
– Não seria a análise da dominação masculina, da opressão das mulheres e da lesbofobia um trabalho individual e coletivo de todos homens e todas mulheres? E qual é a significância das explicações ou justificações serem sistematicamente demandadas das feministas?
– Como podemos refletir sobre a articulação das diferentes lutas quando nenhuma delas é percebida como uma questão ‘específica’? Não apenas recusamos a noção de uma hierarquia de lutas, mas também consideradas essenciais como uma visão transversal da realidade social e política.
– Como percebemos o relacionamento entre as relações sociais e individuais? Que ligações reconhecemos entre o pessoal e o político? Como são as relações coletivas produzidas e reproduzidas no espaço privado ou pessoal? Como pode um indivíduo, um sujeito individual, fazer escolhas em uma sociedade que é construída em categorias e classes desiguais?
E sempre, Feministas, enquanto for necessário sê-lo!
Coletivo de mulheres, feministas e lésbicas envolvidas na ação feministas organizada durante os dias anarquistas de 8 a 10 de Maio em Lyon (França).
De, “Léo Vidal”
Data: Sábado, 22 de Agosto de 1998.

NOTAS:
1 Backlash: reação, refluxo, palavra usada para designar as reações aos progressos nas lutas feministas num plano coletivo ou estrutural, por parte das mídias, cultura de massas ou dentro de movimentos e até mesmo novas tendencias no feminismo, como seria o caso do pós-modernismo.
2 HIStória no contexto do texto está sendo usada para referir-se a ‘História dos homens’ ou seja, sua versão, já que “His” em inglês traduz-se por DELE. ‘História dele’. Feministas inventaram o termo ‘Herstory’ em inglês para desconstruir o sexismo da língua ressignificando história como ‘Nossa história’, ‘história dela’ (Her-Story).
3 A tão chamada ‘opressão reversa’
tradução e revisão coletiva online

https://apoiamutua.milharal.org – apoiamutua@riseup.net

“LESBICAS EM REVOLTA”, Tremores e Arrepios na Supremacia Masculina, por Charlotte Bunch

Este artigo foi escrito para a revista The Furies, publicação lésbica feminista, no vol.1 em Janeiro 1972. A revista era editada por uma coletiva lésbica separatista com o mesmo nome, e se prestava a fazer emergir uma teoria e uma análise lésbico-feminista própria. Segue o texto:

O desenvolvimento de políticas Lésbicas-Feministas como a base para a libertação das mulheres é nossa prioridade maior, esse artigo contorna nossas idéias presentes. Em nossa sociedade que define todas pessoas e instituições para o benefício dos ricos, homens e brancos, a Lésbica está em revolta. Em revolta porque ela define a si mesma nos termos das mulheres e rejeita as definições dos homens de como ela deve se sentir, agir, aparentar e viver. Ser uma lésbica é amar-se a si mesma, mulher, numa cultura que deprecia e despreza mulheres. A Lésbica rejeita a dominação sexual/política masculina, ela desafia seu mundo, sua organização social, sua ideologia, e sua definição dela como inferior. Lesbianismo coloca a mulher em primeiro lugar enquanto a sociedade declara o macho supremo. Lesbianismo ameaça supremacia masculina ao seu núcleo. Quando politicamente consciente e organizado, é central em destruir nosso sistema sexista, racista, capitalista e
imperialista.

Lesbianismo é uma
escolha política

A sociedade masculina define Lesbianismo como um ato sexual, o que reflete a visão limitada das mulheres: eles apenas nos pensam em termos de sexo. Eles também dizem que Lésbicas não são mulheres reais, logo, uma mulher real é aquela que é fodida por homens. Nós dizemos que uma Lésbica é uma mulher a qual o senso de si e de energias, incluindo energias sexuais, centram em torno de mulheres – ela é identificada com/como/na mulher (Mulher-Identificada).

A mulher-identificada com a mulher compromete a si mesma às outras mulheres para suporte político, emocional, físico e econômico. Mulheres são importantes pra ela. Ela é importante pra si mesma. Nossa sociedade demanda que o comprometimento das mulheres seja reservado aos homens.

A Lésbica, a mulher-identificada com a mulher, compromete a si mesma às mulheres mão apenas como uma alternativa aos relacionamentos opressivos homem-mulher, mas primariamente porque ela ama mulheres. Seja conscientemente ou não, pelas suas ações a Lésbica reconheceu que dando suporte e amor a homens sobre mulheres, perpetua o sistema que a oprime. Se mulheres não fizerem um comprometimento dumas com as outras, que inclua amor sexual, nós negamos a nos mesmas o valor e amor tradicionalmente dados aos homens. Nós aceitamos nosso status de classe secundária. Quando mulheres dão energias primárias a outras mulheres, então é possível concentrar-se plenamente em construir um movimento para nossa libertação.

Lesbianismo identificado-em mulher é, então, mais do que uma preferência sexual, é uma escolha política. É político porque relações entre homens e mulheres são essencialmente políticas, elas envolvem poder e dominância.

Uma vez que Lésbicas rejeitam ativamente esses relacionamentos e escolhem mulheres, ela desafia o sistema político estabelecido.

 

Lesbianismo, por si mesmo, não é o suficiente


É claro, nem todas Lésbicas são conscientemente mulheres-identificadas, nem são todas comprometidas em achar soluções comuns para a opressão que elas sofrem como mulheres e Lésbicas. Ser uma lésbica é parte do desafio à supremacia masculina, mas isso não é o fim. Para a Lésbica ou mulher heterosexual, não há solução
individual para a opressão.

A Lésbica pode pensar que ela é livre uma vez que ela escapa da
opressão pessoal dos relacionamentos homem/mulher. Mas para a
sociedade ela ainda é uma mulher, ou pior, uma Lésbica visível. Nas
ruas, no trabalho, nas escolas, é tratada como inferior e está sob a
custódia dos caprichos e poder masculino (eu nunca ouvi falar de um
estuprador que parou porque sua vítima era Lésbica). Esta sociedade
odeia mulheres que amam mulheres, e então, a Lésbica, que escapa à
dominância masculina em seu lar privado, recebe-a em dobro das mãos da sociedade masculina, ela é assediada, isolada e calada ao máximo.

As Lésbicas precisam se tornar feministas e lutar contra a opressão das mulheres, assim como feministas precisam se tornar Lésbicas se elas
esperam pôr fim à Supremacia Masculina.

A sociedade estadunidense encoraja soluções individuais, atitudes
apolíticas e reformismo para nos manter aquém de revolta política e
afastadas do poder. Homens que comandam e machos esquerdistas que
desejam governar tentam despolitizar sexo e as relações entre homens e
mulheres de forma a nos prevenir de atuar para pôr fim à nossa
opressão e desafiar seu poder. Assim que a questão da homossexualidade
se torna pública, reformistas definem-na como uma questão privada de
‘com quem você dorme’ no intento de retroceder nosso entendimento das
políticas de sexo. Para a Feminista-Lésbica essa não é uma questão
privada, isso é uma matéria política de opressão, dominação e poder. Reformistas oferecem soluções que mantém o poder nas mãos do opressor.

A única maneira que pessoas oprimidas coloquem fim a sua opressão é por arrebatar poder: pessoas cujo poder depende da subordinação de outras não irão voluntariamente parar de oprimir. Nossa subordinação é a base do poder masculino.

 

Sexismo é a raíz de toda opressão

A primeira divisão de trabalho, na pré-história, foi baseada em sexo: homens caçavam, mulheres construíam as vilas, cuidavam das crianças e
roçavam. Mulheres coletivamente controlavam a ilha, a linguagem, a
cultura e as comunidades. Homens eram aptos a conquistar mulheres com
armas que desenvolveram para caçar quando se tornou claro que mulheres
estavam liderando uma existência mais estável, pacífica e desejável.

Nós não sabemos exatamente como essa conquista tomou lugar, mas está
claro que o imperialismo original foi dos homens sobre as mulheres: o
homem clamando o corpo feminino e seus serviços como seu território
(ou propriedade).

Tendo garantido a dominação sobre mulheres, homens continuaram seu
modelo de supressão de pessoas, agora nas bases da tribo, raça e
classe. Apesar de que tenha havido numerosas batalhas sobre classe e,
raça e nação passados três mil anos, nenhuma trouxe a libertação das
mulheres. Enquanto essas outras formas de opressão devem ser
terminadas, não há razão para acreditar que nossa libertação virá com
a destruição do capitalismo, racismo ou imperialismo de hoje. Mulheres
serão livres apenas quando se concentrarem em derrotar Supremacia
Masculina.

Nossa guerra contra supremacia masculina envolve, entretanto, atacar
as dominações atuais baseadas em classe, raça e nação.

Como Lésbicas que estão subtraídas de qualquer grupo, seria suicídio perpetuar essas divisões feitas por homens entre nós mesmas. Nós não temos privilégios heterosexuais, e quando nós publicamente assertarmos nossa Lesbianidade, aquelas de nós que o fizeram perderam muitos de nossos privilégios de classe e raça: muitos de nossos privilégios como
mulheres são concedidos a nós por nossos relacionamentos com homens
(pais, maridos, namorados) a quem agora rejeitamos. Isso não significa
que não há chauvinismo racista ou classista em nósmas nós precisamos
destruir essas divisões remanescidas de comportamento privilegiado
entre nós como primeiro passo acerca de sua destruição em nossa
sociedade. Raça, classe e opressões nacionais advêm de homens, servem
aos interesses da elite da classe de homens reinantes, e não têm lugar
em uma revolução que seja mulher-identificada.

 

Lesbianismo é a ameaça básica à supremacia masculina

Lesbianismo é a ameaça à base ideológica, política, pessoal e
econômica da supremacia masculina.  As lésbicas ameaçam ideologia da
supremacia masculina por destruir a mentira da inferioridade, fraqueza, passividade da mulher, e por negar a necessidade ‘inata’ de mulheres por homens (até mesmo para procriação se a ciência da clonagem for desenvolvida).

A independência Lésbica e recusa a suportar a um homem mina o poder
pessoal que homens exercem sobre mulheres. Nossa rejeição do sexo
heterosexual desafia dominância masculina em sua forma mais
individual e comum. Nós oferecemos a todas mulheres algo melhor que
submissão à opressão pessoal. Nós oferecemos o início do fim da
supremacia masculina coletiva e individual. Desde que homens de todas
raças e classes dependem de suporte e submissão femininos para
trabalhos práticos e sentimento de onipotência, nossa recusa a
submeter-nos irá forçar alguns a examinar seus comportamentos
sexistas, a quebrar com seus próprios privilégios destrutivos sobre
outros humanos e a lutar contra esses privilégios nos outros homens.

Eles terão que construir novos sentidos de ser que não dependam de
oprimir mulheres e aprendam a viver em estruturas sociais que não os
dê poder sobre ninguém.

A Heterossexualidade separa mulheres umas das outras, ela faz mulheres
definirem a si mesmas através de homens, ela força mulheres a competir
umas contra as outras por homens e os privilégios que advém por
intermédio deles e sua posição social. A sociedade heterossexual oferece
a mulheres poucos privilégios como compensações se elas abrirem mão
de sua liberdade: por exemplo, mães são respeitadas e ‘honradas’,
esposas ou amantes são socialmente aceitadas e dadas alguma segurança
econômica e emocional, uma mulher toma proteção física nas ruas quando
ela está com seu homem, etc. Os privilégios dão a mulheres
heterosexuais um motivo. pessoal e político em manter o status quo.

A Lésbica não recebe qualquer desses privilégios heterossexuais uma vez
que ela não aceita a demanda dos homens dela. Ela tem poucos
interesses velados em manter o sistema político presente uma vez que
todas instituições – igreja, estado, mídia, saúde, escolas – trabalham
para mantê-la abaixo. Se ela compreender sua opressão, ela não tem nada a ganhar suportando a América macha branca rica e muito a ganhar de lutar para mudar isso. Ela está menos inclinada a aceitar soluções
reformistas para a opressão de mulheres.
Economias são uma parte crucial da opressão de mulheres, mas nossa
análise de relações entre capitalismo e sexismo não estão completas. Nós sabemos que teoria econômica marxista não considera suficientemente o papel de mulheres ou Lésbicas, e nós estamos presentemente trabalhando nessa área.

De qualquer forma, como um início, alguma das formas como Lésbicas
ameaçam o sistema econômico são claras: nesse país, mulheres trabalham
para homens para sobreviver, no trabalho e em suas casas. A Lésbica
rejeita essa divisão de trabalho nas suas raízes; Ela recusa ser uma
propriedade de um homem, a submeter-se ao sistema de trabalho mal pago de dona de casa e criação de crianças. Ela rejeita a família nuclear
como a unidade básica de produção e consumo em uma sociedade capitalista.

A Lésbica é também uma ameaça ao trabalho porque ela não é a trabalhadora mulher passiva/turno-parcial com que capitalismo conta para
fazer trabalho enfadonho e ser parte de um suprimendo laboral acumulativo.

Sua identidade e suporte econômico não vêm de homens, então seu trabalho é crucial e ela se preocupa com condições de trabalhos, salários, promoção e status.

O Capitalismo não pode absorver
largo número de mulheres demandando emprego estável, salários
decentes, e recusando aceitar exploração de trabalho tradicional.  Nós não entendemos ainda os efeitos totais dessa insatisfação crescente de
trabalho que temos. Isso é, de qualquer forma, está claro que uma vez que
mulheres se tornam mais intencionadas em tomar controle de suas vidas, vão procurar maior controle sobre seus trabalhos, por incrementar as tensões do capitalismo e incrementar o poder das mulheres para mudar o sistema econômico

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento para reagir à supremacia masculina

O Lesbianismo Feminista, como a ameaça mais básica à supremacia masculina, toma parte da análise do sexismo da Libertação das Mulheres
e dá à ela força e direção. A Libertação das Mulheres carece de
direção agora porque ela tem falhado em encarar classe e raça como
diferenças reais nos comportamentos de mulheres e necessidades
políticas. Enquanto mulheres heteros vejam Lesbianismo como uma
questão privada, elas estarão contendo o desenvolvimento de políticas e
estratégias que poderiam por um fim à supremacia masculina, e elas dão
a homens uma desculpa pra não lidar com seu sexismo.

Ser uma Lésbica significa acabar com sua identificação, sua aliança,
sua dependência, e seu suporte à heterossexualidade. Significa acabar
seu envolvimento no mundo masculino tanto que você se une às mulheres,
individualmente e coletivamente, na luta para acabar com sua opressão. Lesbianismo é a chave para a libertação, e apenas mulheres que cortarem seus laços com Privilégio Masculino podem ser acreditadas de
permanecerem sérias na luta contra dominância masculina. Aquelas que
se mantém ligadas a homens, individualmente ou em teoria política, não se permitem jamais pôr mulheres em primeiro lugar. Não é que mulheres
heterossexuais sejam más ou não se importem com suas irmãs. Isso é
porque a vera essência, definição, e natureza de heterossexualidade é
homens-em-primeiro. Toda mulher experienciou aquela desolação quando
sua irmã pôe seu homem em primeiro lugar ao final de um confronto:
a heterossexualidade demanda que ela o faça. Enquanto mulheres ainda se
beneficiarem da heterossexualidade, receber seus privilégios e
segurança, elas irão em alguma hora ter de trair suas irmãs,
especialmente as irmãs Lésbicas que não recebem esses privilégios.

As mulheres na Libertação de Mulheres têm entendido a importância de ter encontros e outros eventos apenas para mulheres. Tem sido claro que lidando com homens divide- nos e drena nossas energias e que não é o
papel do oprimido explicar ao opressor a sua opressão. Mulheres também
têm visto que coletivamente, homens não vão lidar com seu sexismo até
que eles sejam forçado a isso. Mesmo assim, muitas dessas mulheres
continuam mantendo relacionamentos primários com homens
individualmente e não compreendem porque as Lésbicas acham isso
opressivo. As Lésbicas não podem crescer politicamente ou pessoalmente em uma situação que nega a base de nossas políticas: que Lesbianismo é
político, que heterossexualidade é crucial para manutenção da
supremacia masculina.

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento político na ordem de crescer.  Mudanças que vão ter mais do que efeitos simbólicos em nossas vidas serão guiadas por Lésbicas mulheres-identificadas que entenderam a natureza de nossa opressão e que estão por isso mesmo em posição de acabá-la.