reflexão para termos em mente buscarmos adotar formas de apoio, confiança e conforto em espaços feministas.
Espaços feministas existem pela necessidade de criarmos esses espaços de luta e resistência. Espaços feministas são para nos fortalecermos, objetivando construirmos novas realidades individuais e coletivas, para nos apoiarmos e sermos solidárias umas com as outras, para identificarmos padrões que nos ajudam a perceber o inimigo, a causa, e para buscarmos soluções ou apenas resistirmos – buscas que temos por existir uma identificação: temos tratamento e oportunidades diferenciados devido ao machismo, a misoginia e as normas do patriarcado. Ainda que mulheres, lésbicas e outras identidades tenham suas especificidades e com isso opressões específicas, todas estas opressões são fruto de misoginia e crença na inferioridade de “ser mulher”, ou ainda, que mulher se deveria ser aos olhos da sociedade patriarcal.
Em espaços feministas você vai encontrar mulheres com traumas, mulheres ditas fortes e mulheres ditas fracas, mulheres em diferentes momentos de suas vidas, insubmissas, submissas ou com diferentes graus de submissão, adesão ao patriarcado ou a padrões estipulados pela sociedade, e mulheres sobreviventes.
Nós então não vamos encontrar mulheres iguais a nós, vamos lidar com diferenças, com ideias e objetivos nem sempre iguais.
É importante partindo disso, sabermos que o debate está aberto, de que temos diferenças. Ok.
Mas é interessante termos como princípios pelo menos duas coisas: a solidariedade e o cuidado com nossas companheiras e amigas. Obviamente não temos que ser solidárias com atos autoritários por exemplo, ou com qualquer atitude que qualquer mulher tenha só pelo fato de ela ser mulher. Seria mais um ponto de partida na nossa interação com as outras, mais uma maneira de encarar a si mesma e a outra, e uma tentativa de se opor à competitividade estimulada entre mulheres.
As vezes podemos estar muito focadas num problema específico em determinado momento para percebermos o nosso entorno – como a vida está para essas mulheres que estão aqui comigo agora -, e como está também para outras mulheres mais distantes. Mas é importante adotarmos a prática de prestarmos atenção no que outras estão trazendo e passando, e até, porque não, fazermos um esforço em compreender através do silêncio, que pode bem ser um indício de desconforto e medo, e de dinâmicas hierárquicas num espaço que precisa não gerar mais medos e domínio.
Eu tenho vivenciado que em alguns espaços, algumas atitudes e conceitos contrapõem a esta solidariedade e este cuidado fundamentais para o bem-estar de todas.
Por mais que estejamos abertas as discussões, não podemos descartar que esta “abertura” pode ser traumática, e nem todas as teses podem ser abertamente discutidas sem que se tenha cuidado, para evitarmos de machucar outras mulheres. Por exemplo, algumas teorias sobre o patriarcado, sobre o estupro, submissão e vitimização me parecem bem conflituosas para que se exponham desconsiderando que naquele espaço existem pessoas que foram estupradas, foram ou ainda são submissas, para citar algumas realidades. Geralmente com relação a submissão podemos ter uma opinião muito formada e acreditar que só a outra está sendo submissa e desta forma não enxergar nossas próprias atitudes ou situações. Eu percebi muitas vezes que o descuido, acaba por culpabilizar a vítima. E apesar de que o feminismo tem como fundamento nunca culpabilizar nenhuma vítima de estupro, quero dizer, a gente pensa que isso é consenso básico no “mundo” feminista, algumas teorias compartilhadas acabam por culpabilizar. O próprio termo estupro vem sendo desconstruído e banalizado, e tem pessoas que falam em estupro verbal por exemplo, que tentam comparar situações totalmente diferentes de estupros com o estupro. Não é solidário colocar tudo no mesmo saco, e pode ser altamente ofensivo, além de desconsiderar sofrimentos e traumas profundos. E por que haveríamos de ignorar que estes espaços agregam mulheres com traumas e dificuldades? Obviamente que não estou sugerindo que não devemos debater questões que se apresentam, mas que estejamos atentas para não machucarmos umas às outras.
Desde as formas como nos organizarmos, é fundamental que não exerçamos controle e centralidade, mas isso eu percebo estar mais em andamento, mesmo que na prática nem sempre funcione muito bem. O que nos mostra que temos muito por fazer, lembrando que para nossa autonomia é importante que geremos nossas próprias propostas, procurando criar as realidades que queremos para todas nós.
Outra coisa importante de se considerar, é que não podemos também exigir umas das outras, que sejam tomadas atitudes que julgamos mais importantes, sem levar em conta que a outra pode não estar preparada para tomar tais atitudes. O que podemos fazer é contribuir mutuamente nesta “preparação”, para que cada uma se desvincule o máximo que conseguir de suas dificuldades, daquilo que cada uma quer se desvincular. A interação entre nós tem que ser no sentido de nos libertar e de apoio mutuo, e não de reproduzirmos a opressão. Muitas vezes podemos não perceber o que estamos fazendo e estar “contribuindo” para silenciarmos a outra e deixá-la ainda mais insegura.
Penso que uma tentativa de solucionarmos problemas como estes, é de buscarmos desenvolver práticas de apoio quando nos propormos a construir e nos envolvermos em um espaço feminista. Não este cuidado paternalista atrelado ao conceito de fraqueza das mulheres, mas o cuidado para não causarmos mais danos. É essencial que espaços feministas sejam também espaços de apoio e confiança, além de serem de luta e resistência.
Pensemos enquanto feministas nas consequências de que nossas palavras e atos tenham em outras mulheres. Pensemos enquanto feministas em nos colocarmos no lugar da outra com solidariedade, não caridade.