por Rebecca Mott, escritora, feminista radical e sobrevivente de prostituição. Site pessoal: rmott62.wordpress.com
A Marcha das Vadias pode parecer uma forte ação feminista, mas para mim, como ex prostituta, parace uma forma negativa de lidar com a violência masculina contra todas as mulheres e meninas.
Não acredito que se apropriar da palavra “vadia” faça com que os homens agressores percebam algo de errado em seu comportamento, pelo contrário, se encaixa no jogo deles. Usar o termo vadia é se enquadrar naquilo que homens abusivos querem que as mulheres sejam. Chamar uma mulher ou menina de vadia é comumente usado para mantê-la como objeto sexual dos homens. Chamar uma mulher ou menina de vadia é usado para mantê-la heterosexual e não liberada, e que ela existe para agradar os homens.
Se apropriar da palavra vadia não faz com que a história simplesmente desapareça.
Mas pra mim como ex prostituta, duvido muito que as razões por trás da Marcha das Vadias – que foi tão rapidamente adotada por liberais e muitas vezes por feministas pró trabalho sexual – sejam em função de que ser vadia é considerado “trabalho” dentro do mercado do sexo.
Maravilha, outro truque para fazer desaperacer a violencia contra as mulheres que estão no mercado sexual, já que esse é o trabalho delas, e portanto não pode ser considerado violencia masculina, mas sim o papel da prostituta.
A Marcha das Vadias está nos interesses das mulheres privilegiadas que podem brincar com o papel de vadia, se vestir como uma puta, exibir cartazes com dizeres como “Vadias Dizem Sim”, que imaginam que as mulheres no mercado do sexo são empoderadas quando elas nos chamam de irmãs.
A Marcha das Vadias diz que o estupro é ruim quando feito contra mulheres e meninas”de verdade” independente do que elas vestem e onde vão. Mas ignora fortemente o estupro e a tortura sexual que acontecem diariamente contra as mulheres e meninas que estão no mercado do sexo.
Isto é ignorado – pois na visão da Marcha das Vadias isso é só trabalho – então não devemos julgar e nem mesmo nos aprofundarmos.
Algumas mulheres na Marcha das Vadias pensam que é radical se vestir com o estereótipo que elas tem da Vadia, ou com a versão cartunizada de uma puta. Elas podem chamar isso de burlesco, mas para as ex prostitutas isso é um insulto.
Se vestir como puta pra noite é frequentemente feito de uma posição de alto privilégio. Você se veste assim porque acredita estar segura, e se você for estuprada isso será um ultraje.
Fazer de conta que é uma puta não é ser uma puta.
A maioria das mulheres e meninas prostituídas não estão protegidas do estupro, não é um ultraje quando isso acontece – suas roupas e por onde andam são problemas menores comparados a viver numa sociedade que ignora seus sofrimentos, e usa sua imagem somente para fazer festa.
Além do que, como você ousa vestir-se com os estereótipos de puta que a maioria das prostitutas estão tentando se livrar. Na verdade você está mostrando seu privilégio.
Claro que eu acredito que nenhuma mulher ou menina deva ser estuprada em nenhuma situação, não importa o que ela esteja vestindo.
Mas a Marcha das Vadias está evitando o problema de que os homens que decidem estuprar irão estuprar mulheres e meninas não importando o que ela usa ou a situação que ela se encontra.
É o direito masculino de acreditar que todas mulheres e meninas não são nada além de objeto sexual que é a questão – é o ponto de vista do homem que mulheres e meninas podem ser pegas e estupradas sem sérias consequências pra ele, que é a questão.
Não é sobre as mulheres tentarem dar um jeito de se conformarem o suficiente para que homens agressores possam mudar seu comportamento – é sobre lutar por justiça e castigos severos que acabem com a violência cometida pelos homens.
Eu irei para o Reclaim the Night* – mas a Marcha das Vadias não faz nada por mim nem justiça para as prostituídas.
Rebecca Mott, 1º de Maio, 2011tradução por ação anti sexista, Porto Alegre.
*“Retome as noites” é um ato organizado por feministas que existe desde os 70 nos países de língua inglesa e que começou com protestar contra a cultura de estupro. Feministas marchavam a noite por causa da idéia comum de que ‘não ande em uma rua escura a noite pois poderá ser estuprada’. As marchas continuam sendo realizadas até hoje em muitos países. No Brasil houveram alguns em Brasília, Florianópolis e Curitiba, consistindo em intervenções urbanas. (nota da difusora).
Gente, eu não entendi direito essa crítica… Há muitas ideias, mas não consegui compreender a fundo e nenhuma delas. Não entendi se se trata de ser muito amplo o objeto da marcha, se se trata de mulheres burguesas fingindo ser vítimas, se se trata de marchar contra aprostituição, etc.
Óbvio que não me cabe discutir seus motivos, nem pretendo, só gostaria de entendê-los melhor.
Utilizar “marcha das vadias” em vez de “marcha das prostitutas” não seria uma forma de tentar se apropriar de um termo e reverter sua carga semântica?
Pois apesar de ter conotação geralmente associada à conduta sexual da mulher, o termo é utilizado em muitas situações com o intuito de ofender.
Acredito que a marcha queira algo como: “chamar de vadia não nos ofende, pois significa que somos donas da nossa sexualidade”
Também não acho que usar o estereótipo da profissional do sexo seja proveitoso (aliás se for na marcha não pretendo utilizá-lo), mas acho que usar uma roupa curta, sem intenção sexual, é um sinal de empoderamento.
Mas gostaria sinceramente de entender melhor seu posicionamento.
Gostei. Concordo com o ponto de vista dela. Também prefiro o Reclaim the Night, mas onde moro ainda não tem.