Por que falamos de sexismo nos espaços liberados?
– Porque vivemos em uma sociedade capitalista e patriarcal, baseada no império do macho sobre a mulher, e fomos educad@s com base neste valores. E porque para construir uma alternativa a este sistema, o primeiro passo é mudar a nós mesmas. Em nossa concepção da vida, as relações, a sexualidade… A dificuldade não está em teorizar sobre a mudança, senão levá-la à prática. E isso é precisamente o que mais nos custa.
– Porque apesar de que somos todos e todas as que combatemos o Capital, o facismo e o sexismo, ainda há alguns que contam mais que outros. Talvez por veterania, costume ou simples tom de voz, em determinados lugares, assembléias, jornadas… se escuta e se dá mais credibilidade à voz destes.
– Porque não apenas queremos libertar espaços, senão também mentes e atitudes. E nas festas dos centros sociais ainda há pessoas que se liberam cantando às (e nao a_os_)que estão no balcão por puro disfrute, ou pior ainda, porque acham que é assim que se flerta.
– Porque não somos as namoradas nem as companheiras de, senão que temos suficiente entidade e personalidade por nós mesmas. Mas, para nosso ambiente alternativo, embora se fale de fulano como “aquele que é muito bravo e que está em tal coletivo” se esquecem que fulana, ademais de ser sua companheira, é tão insubmissa como ele mas talvez faça menos ruído.
– Porque ainda há gente que acredita que ser forte significa ser durão ou durona. E se avergonharia de mostrar debilidade em público, ou então despreza aqueles que o fazem. E já muita repressão temos sobre nós para reprimirmos as lágrimas ou a tristeza porque há quem não as considere revolucionárias.
– Porque nós mesmas em teoria tratamos de romper com os tópicos e papéis estabelecidos de familia, casal, relações… seguimos reproduzindo em muitas ocasiões a mesma repartição de papéis, a incomunicação e a incompreensão entre homens e mulheres.
– Porque todos enchem a boca falando de sexo seguro, mas ainda é lamentavelmente certo que, em muitos casos (relações estáveis, abertas, esporádicas, trios, noites loucas e demais), esta responsabilidade básica está longe de ser compartilhada por todas e todos, e a iniciativa continuamos assumindo aquelas que podemos ficar grávidas.
– Porque embora a sociedade avance para uma maior repressão da sexualidade das crianças, nos vendem que as mulheres nos libertamos porque já podemos ser militares e agressoras em vez de agredidas, enquanto continua a desigualdade dos sexos, a homofobia e, definitivamente, a perpetuação dos papéis sexistas, enquanto seguimos sofrendo o sexismo inclusive nos espaços liberados, ainda há quem não vê o anti-sexismo como uma luta coletiva, necessária e urgente. Ou não entende por que algumas mulheres escolhemos romper com estes abrindo espaços de debate, de ação, de festas… somente para nós mesmas. Não seria porque temos mais urgência?
Este texto deseja recolher as impressões, debates e discussões que muitas de nós mantemos diariamente sobre o sexismo na nossa comunidade, e acreditamos que ele reflete muito bem nossa realidade. Não se trata de fazer críticas destrutivas, senão de romper com o que nos impôem com um pouco de auto-crítica sincera e rindo-nos de nós mesmas.
Saúde e Anti-sexismo! 1
Texto escrito por Las Tensas (As Tensas), coletivo feminista do centro social ocupado La Hamsa, publicado no Infousurpa, 1998.
[1] uma maneira de ressignificar o ‘Saúde e Anarquia!’, forma de saudação anarquista.