Racismo nos espaços de feministas brancas

Postado em 7 Janeiro de 2013
em Black Feminists Manchester

por Mia
Quando falamos sobre ‘espaços de feministas brancas’ o que queremos dizer é o padrão feminista mainstream (corrente) de língua inglesa. Uma feminista que considera a si mesma superior ao movimento de mulheres ao longo do mundo, usando seu privilégio branco para decidir que mulheres (de cor) e opressões são válidas de atenção ou de trazer, vistas por míopes e autoritativas lentes brancas.
O feminismo branco deve evoluir e integrar-se com sociedades multi-culturais se se quer genuinamente preocupada com  a libertação de todas mulheres. A exceção de poucas individualidades mais ligadas, muitas feministas brancas que eu encontrei no Reino Unido, vêem ‘ódio às mulheres’ como a única forma de opressão que requer erradicação para que as mulheres sejam livres. Eu gostaria que isso fosse verdade.

O que muitas feministas brancas ainda esquecem ou falham em notar é que, as mulheres de cor, que conformam a maioria da população de mulheres no mundo, encaram e desafiam múltiplas opressões – racismo, classismo e sexismo – produzidas por estruturas organizadas que suportam o capitalismo como o colonialismo, o neoliberalismo e patriarcado, dentre outras.
O que me assusta ainda mais que esses sistemas de corrupção destruindo as vidas das mulheres pelo mundo, são as feministas brancas, que professam estar lutando e derrocando o patriarcado, quando de fato elas capitulando com o patriarcado, por escolher ignorar, silenciar ou mesmo negar racismo.
Sim é verdade, há feministas brancas que acreditam que racismo não mais existe!
O racismo contra pessoas de cor não está nada perto de extinção. Negar ou silenciar racismo é racista.
Em 2012 eu fui indagada por duas feministas brancas, o que as mulheres feministas de cor ‘querem de nós para tornar os espaços feministas mais inclusivos para as mulheres de cor’? Isso me instigou a rever minhas observações e experiências com mulheres brancas em espaços feministas em 2012.

Uma feminista branca negar a experiência de uma mulher de cor de racismo, por declarar que sua experiência de opressão ‘parece ser mais baseada em sexismo e não em racismo’ e como poderia ela saber realmente a diferença?’… é racismo.

Uma feminista branca rolar seus olhos e demonstrar linguagem corporal defensiva, quando uma mulher de cor traz racismo como parte do discurso feminista, é racismo.

Convidar mulheres de cor a eventos feministas para que ensinem as audiências marjoritariamente de mulheres brancas sobre lutas globais de mulheres e não convidá-las a discutir desempregos, aborto, imagem corporal, estupro, sexualidade etc, é racismo.

Envolver mulheres de cor nos eventos feministas como entretenimentos ou em serviços de comida gratuita, ao mesmo tempo falhando em envolver mulheres de cor como visíveis apresentadoras nas mesas ou em papéis de organização, é racismo.

Etiquetar uma mulher de cor como ‘agressiva’ e ‘raivosa’ quando ela desafia o ponto de vista de uma mulher branca, em uma maneira não agressiva, é racismo.

Rebentar em lágrimas e fugir, quando uma mulher de cor desafia sua atitude e comportamento racista, é racismo.
Enturmar-se com outras feministas brancas e promover bullying contra uma mulher de cor porque ela chamou atenção para o racismo de suas irmãs feministas, é racismo.

Ignorar o ponto de vista de uma mulher de cor, e então celebrar coletivamente o mesmo ponto de vista copiado por uma feminista branca momentos depois, é racismo.

Feminista branca minimizando seu ativismo ou subitamente se tornando inerte quando se pede para que apoie campanhas e movimentos predominantemente convocados por mulheres de cor, é racismo.

Feminista branca dizendo: ‘Temos um monte de problemas próprios neste país como direitos de aborto para lidar!’… quando se pede que apóie campanhas para mulheres de cor, é racismo.

Feminista de cor disacreditando racismo por sugerir que ‘observações racistas trazidos como comentários frívolos não são realmente racistas’ é racismo.

Demandar entrar em espaços seguros somente de mulheres negras porque você… ‘quer assistir’… apenas para depois ficar de mau humor e tentar justificar seus direitos de entrar um espaço somente de mulheres negras e argumentar que ‘como poderão querer que entendamos vocês se vocês não nos deixam assistir?!’, quando se explica a você opropósito dos espaços seguros de mulheres negras, é racismo.

Dizer a mulheres de cor que elas estão apenas ‘outrificando’ [1] elas mesmas por se bauto-organizar como grupos de mulheres negras, é racismo.

Tirar o ‘cartão de privilégio branco’ para justificar demonstrações ‘não-intencionais’ de racismo é transparentemente racista.

Apenas jogando por aí termos como ‘interseccionalidade’, ‘priviégio branco’ e títulos de livros escritos por feministas negras, não se erradica racismo ou prova que seu feminismo será interseccional.

Uma racista não pode ser uma verdadeira feminista. Racistas que clamam ser feministas não são nada mais que ‘funcionárias'[2] do Patriarcado.

Abordar TODAS opressões encaradas por mulheres de cor apenas com uma perspectiva de ‘lutas globais de mulheres’, é outrificar mulheres de cor.

Primeiramente parece ter fugido da atenção de algumas feministas brancas que todas mulheres vivem ‘no globo’, incluindo as feministas brancas mesmas. Depois, tal enquadramento é sintomático de mentalidades coloniais. Enquadrar mulheres de cor como uma entidade por fora de branquitude, cria limites invisíveis entre nós. Isso objetifica mulheres de cor. ‘Lutas globais de mulheres’ tende a focar em África, Ásia, Latino-America e Oriente Médio e são usualmente vistas por meio de lentes brancas. O foco então se desloca para uma perspectiva feminista padrão, dominante, branca das questões de mulheres no Reino Unido, omitindo e minimizando as experiências de mulheres de cor no Reino Unido, Europa e EUA.

Embora a tentativa de inclusão e diersidade é reconhecida, devemos lembrar que a prática de etiquetar em caixas de diversidade apenas perpetua a mentalidade de outrificar, é um método neoliberal desenhado para reforçar racismo e outros ismos.

Ódio a Muheres não existe em um vácuo; é parte de uma conexão de opressões e influenciado por isso. Desafiar o ódio a mulheres embora ignorando ou apoiando racismo e outras opressões de igual importância é estúpido.

Entender o propósito dos espaços de mulheres negras e representações realísticas de mulheres de cor em espaços feministas é a chave. Criar espaços feministas mainstream e campanhas organizadas e levadas conjuntamente por mulheres de cor e mulheres brancas, ao mesmo tempo apoiando campanhas feministas de todas raças, é essencial.

Racismo entre feministas brancas tem sido predominante por décadas. É prevalente em todas as classes. Este escrito não é o primeiro a abordar feministas brancas racistas e até que tais muheres ativamente escutem a mulheres de cor e escolham apoiar o movimento de mulheres, ao invés de corrompê-lo, não será nem o último.

Audre Lourde manifestou:  ‘Que significa quando as ferramentas do patriarcado racista são usadas para examinar os frutos do mesmo patriarcado? Isso significa que somente os perimetros mais estreitos da mudança são possíveis e permitíveis’.
Mulheres de cor nunca vão aceitar racismo, especialmente quando vem de feministas brancas.
Nunca haverá liberação para mulheres brancas sem a liberação de mulheres de cor; escutar ativamente à mulheres feministas de cor é uma necessidade para feministas brancas. Isso irá criar uma sororidade que trabalhe mais eficazmente para mudanças radicais coletivas/colaborativas.

Mulheres de cor, que entendem opressões múltiplas em primeira mão, estão organizadas e desafiando sistemas opressivos diretamente, todos os dias. A única opção ‘feminista’ para nossas irmãs brancas é colocar-se lado a lado com irmãs feministas negras, em solidariedade e ativismo, e não desconfiança.

***

[1] ‘Othering’, um neologismo, algo como tornar em outra, ‘outridade’, que se refere a esse lugar marginal e da ‘outra’ que as negras e outras categorias terminam ocupando dentro dos feminismos que abordam mulher de maneira universalizante criando uma teoria centrada na experiência de mulheres brancas.

 

[2] Traduzi ‘handmainden’ por ‘funcionárias’ porque a palavra ‘handmaiden’ é usada em inglês pra designar mulheres que prestam serviço ao patriarcado, mesmo que inconscientemente, ou conscientemente mesmo, mas a tradução literal se torna algo como ‘criada’ ou ‘empregada’ e mesmo que o termo tenha sido criado pra evitar a idéia de ‘mulher machista’, pra mim termina sendo misógino e racista em português como soa, já que aqui já existe uma associação racista de negritude a serviços domésticos ou papéis de servir, que se mostram nas novelas e afins. Se alguém quiser recomendar uma tradução melhor ou discutir esse tópico fiquem a vontade.