Racismo nos espaços de feministas brancas

Postado em 7 Janeiro de 2013
em Black Feminists Manchester

por Mia
Quando falamos sobre ‘espaços de feministas brancas’ o que queremos dizer é o padrão feminista mainstream (corrente) de língua inglesa. Uma feminista que considera a si mesma superior ao movimento de mulheres ao longo do mundo, usando seu privilégio branco para decidir que mulheres (de cor) e opressões são válidas de atenção ou de trazer, vistas por míopes e autoritativas lentes brancas.
O feminismo branco deve evoluir e integrar-se com sociedades multi-culturais se se quer genuinamente preocupada com  a libertação de todas mulheres. A exceção de poucas individualidades mais ligadas, muitas feministas brancas que eu encontrei no Reino Unido, vêem ‘ódio às mulheres’ como a única forma de opressão que requer erradicação para que as mulheres sejam livres. Eu gostaria que isso fosse verdade.

O que muitas feministas brancas ainda esquecem ou falham em notar é que, as mulheres de cor, que conformam a maioria da população de mulheres no mundo, encaram e desafiam múltiplas opressões – racismo, classismo e sexismo – produzidas por estruturas organizadas que suportam o capitalismo como o colonialismo, o neoliberalismo e patriarcado, dentre outras.
O que me assusta ainda mais que esses sistemas de corrupção destruindo as vidas das mulheres pelo mundo, são as feministas brancas, que professam estar lutando e derrocando o patriarcado, quando de fato elas capitulando com o patriarcado, por escolher ignorar, silenciar ou mesmo negar racismo.
Sim é verdade, há feministas brancas que acreditam que racismo não mais existe!
O racismo contra pessoas de cor não está nada perto de extinção. Negar ou silenciar racismo é racista.
Em 2012 eu fui indagada por duas feministas brancas, o que as mulheres feministas de cor ‘querem de nós para tornar os espaços feministas mais inclusivos para as mulheres de cor’? Isso me instigou a rever minhas observações e experiências com mulheres brancas em espaços feministas em 2012.

Uma feminista branca negar a experiência de uma mulher de cor de racismo, por declarar que sua experiência de opressão ‘parece ser mais baseada em sexismo e não em racismo’ e como poderia ela saber realmente a diferença?’… é racismo.

Uma feminista branca rolar seus olhos e demonstrar linguagem corporal defensiva, quando uma mulher de cor traz racismo como parte do discurso feminista, é racismo.

Convidar mulheres de cor a eventos feministas para que ensinem as audiências marjoritariamente de mulheres brancas sobre lutas globais de mulheres e não convidá-las a discutir desempregos, aborto, imagem corporal, estupro, sexualidade etc, é racismo.

Envolver mulheres de cor nos eventos feministas como entretenimentos ou em serviços de comida gratuita, ao mesmo tempo falhando em envolver mulheres de cor como visíveis apresentadoras nas mesas ou em papéis de organização, é racismo.

Etiquetar uma mulher de cor como ‘agressiva’ e ‘raivosa’ quando ela desafia o ponto de vista de uma mulher branca, em uma maneira não agressiva, é racismo.

Rebentar em lágrimas e fugir, quando uma mulher de cor desafia sua atitude e comportamento racista, é racismo.
Enturmar-se com outras feministas brancas e promover bullying contra uma mulher de cor porque ela chamou atenção para o racismo de suas irmãs feministas, é racismo.

Ignorar o ponto de vista de uma mulher de cor, e então celebrar coletivamente o mesmo ponto de vista copiado por uma feminista branca momentos depois, é racismo.

Feminista branca minimizando seu ativismo ou subitamente se tornando inerte quando se pede para que apoie campanhas e movimentos predominantemente convocados por mulheres de cor, é racismo.

Feminista branca dizendo: ‘Temos um monte de problemas próprios neste país como direitos de aborto para lidar!’… quando se pede que apóie campanhas para mulheres de cor, é racismo.

Feminista de cor disacreditando racismo por sugerir que ‘observações racistas trazidos como comentários frívolos não são realmente racistas’ é racismo.

Demandar entrar em espaços seguros somente de mulheres negras porque você… ‘quer assistir’… apenas para depois ficar de mau humor e tentar justificar seus direitos de entrar um espaço somente de mulheres negras e argumentar que ‘como poderão querer que entendamos vocês se vocês não nos deixam assistir?!’, quando se explica a você opropósito dos espaços seguros de mulheres negras, é racismo.

Dizer a mulheres de cor que elas estão apenas ‘outrificando’ [1] elas mesmas por se bauto-organizar como grupos de mulheres negras, é racismo.

Tirar o ‘cartão de privilégio branco’ para justificar demonstrações ‘não-intencionais’ de racismo é transparentemente racista.

Apenas jogando por aí termos como ‘interseccionalidade’, ‘priviégio branco’ e títulos de livros escritos por feministas negras, não se erradica racismo ou prova que seu feminismo será interseccional.

Uma racista não pode ser uma verdadeira feminista. Racistas que clamam ser feministas não são nada mais que ‘funcionárias'[2] do Patriarcado.

Abordar TODAS opressões encaradas por mulheres de cor apenas com uma perspectiva de ‘lutas globais de mulheres’, é outrificar mulheres de cor.

Primeiramente parece ter fugido da atenção de algumas feministas brancas que todas mulheres vivem ‘no globo’, incluindo as feministas brancas mesmas. Depois, tal enquadramento é sintomático de mentalidades coloniais. Enquadrar mulheres de cor como uma entidade por fora de branquitude, cria limites invisíveis entre nós. Isso objetifica mulheres de cor. ‘Lutas globais de mulheres’ tende a focar em África, Ásia, Latino-America e Oriente Médio e são usualmente vistas por meio de lentes brancas. O foco então se desloca para uma perspectiva feminista padrão, dominante, branca das questões de mulheres no Reino Unido, omitindo e minimizando as experiências de mulheres de cor no Reino Unido, Europa e EUA.

Embora a tentativa de inclusão e diersidade é reconhecida, devemos lembrar que a prática de etiquetar em caixas de diversidade apenas perpetua a mentalidade de outrificar, é um método neoliberal desenhado para reforçar racismo e outros ismos.

Ódio a Muheres não existe em um vácuo; é parte de uma conexão de opressões e influenciado por isso. Desafiar o ódio a mulheres embora ignorando ou apoiando racismo e outras opressões de igual importância é estúpido.

Entender o propósito dos espaços de mulheres negras e representações realísticas de mulheres de cor em espaços feministas é a chave. Criar espaços feministas mainstream e campanhas organizadas e levadas conjuntamente por mulheres de cor e mulheres brancas, ao mesmo tempo apoiando campanhas feministas de todas raças, é essencial.

Racismo entre feministas brancas tem sido predominante por décadas. É prevalente em todas as classes. Este escrito não é o primeiro a abordar feministas brancas racistas e até que tais muheres ativamente escutem a mulheres de cor e escolham apoiar o movimento de mulheres, ao invés de corrompê-lo, não será nem o último.

Audre Lourde manifestou:  ‘Que significa quando as ferramentas do patriarcado racista são usadas para examinar os frutos do mesmo patriarcado? Isso significa que somente os perimetros mais estreitos da mudança são possíveis e permitíveis’.
Mulheres de cor nunca vão aceitar racismo, especialmente quando vem de feministas brancas.
Nunca haverá liberação para mulheres brancas sem a liberação de mulheres de cor; escutar ativamente à mulheres feministas de cor é uma necessidade para feministas brancas. Isso irá criar uma sororidade que trabalhe mais eficazmente para mudanças radicais coletivas/colaborativas.

Mulheres de cor, que entendem opressões múltiplas em primeira mão, estão organizadas e desafiando sistemas opressivos diretamente, todos os dias. A única opção ‘feminista’ para nossas irmãs brancas é colocar-se lado a lado com irmãs feministas negras, em solidariedade e ativismo, e não desconfiança.

***

[1] ‘Othering’, um neologismo, algo como tornar em outra, ‘outridade’, que se refere a esse lugar marginal e da ‘outra’ que as negras e outras categorias terminam ocupando dentro dos feminismos que abordam mulher de maneira universalizante criando uma teoria centrada na experiência de mulheres brancas.

 

[2] Traduzi ‘handmainden’ por ‘funcionárias’ porque a palavra ‘handmaiden’ é usada em inglês pra designar mulheres que prestam serviço ao patriarcado, mesmo que inconscientemente, ou conscientemente mesmo, mas a tradução literal se torna algo como ‘criada’ ou ’empregada’ e mesmo que o termo tenha sido criado pra evitar a idéia de ‘mulher machista’, pra mim termina sendo misógino e racista em português como soa, já que aqui já existe uma associação racista de negritude a serviços domésticos ou papéis de servir, que se mostram nas novelas e afins. Se alguém quiser recomendar uma tradução melhor ou discutir esse tópico fiquem a vontade.

Porque a crítica à Marcha das Vadias não é puritanismo

Segue outro texto sobre a Marcha das Vadias. O texto trata sobre um dos argumentos usados por algumas das pessoas que não compreendem as verdadeiras razões da crítica à Marcha, ou seja é uma resposta a esta crítica.Obviamente nem todas as pessoas engajadas na Marcha usam deste argumento.

A apropriação do termo Vadia – utilizada pela Marcha das Vadias – é criticada como estratégia feminista por muitas de nós, provocando um longo debate. Eu compartilho da opinião de que a apropriação do termo não trará mudanças, que pelo contrário o termo Vadia contribui para nos objetificar e subjugar, que não ajuda como estratégia contra o estupro, e que ignora a realidade de muitas de nós, principalmente das mulheres e crianças prostituídas, embora pareça se solidarizar.

Neste debate surgiu o argumento de que seria por conservadorismo e por uma sexualidade reprimida que se critica a apropriação do termo. Em contraponto, se passou a assumir como uma espécie de “vantagem” inerente às pessoas que são a favor da apropriação da palavra vadia, como sendo bem resolvidas* e/ou sexualmente ativas.

A primeira coisa que me salta aos olhos é que sexualidade reprimida não é um defeito, é um problema, e como tal não serve como acusação nem ofensa. Dizer que as pessoas são muito reprimidas como crítica a este comportamento, é culpá-las pelo que lhes foi imposto. Já, alertar para isso e incentivar que as pessoas lutem contra esta repressão é algo construtivo. Além disso, não são todas as pessoas reprimidas que são como os estereótipos que se tem de pessoas quadradas e conservadoras. Não são também todas as pessoas que não tem sexualidade ativa que são de fato reprimidas, elas podem ter outros motivos para não serem ativas, e nem é verdade que as pessoas ativas são necessariamente felizes sexualmente.

Este tipo de afirmação parte do ponto de que sexo é algo bom sempre. Sexo nem sempre é bom, porque depende da situação, do momento, com quem, e do prazer. É uma afirmação também que ignora completamente as pessoas assexuais – que não sentem desejo sexual. Pode ser difícil da gente pensar assim num primeiro momento, já que existe uma forte repressão sexual e que somos impelidxs a pensar que a luta por uma sexualidade livre significa fazermos sexo quando bem entendermos com quem bem quisermos, quando na verdade sexualidade livre significa além disso é claro, que nossas opções sexuais não sejam motivos para sermos perseguidxs, e tampouco que as pessoas sejam perseguidas ou inferiorizadas quando não são sexualmente ativas, por opção ou não.

Apropriar-se do termo vadia não é sinônimo de uma sexualidade bem resolvida. Vai muito além da sexualidade de uma pessoa (embora possa fazer parte) as opções e táticas políticas que ela toma para si. Eu diria que optar por não usar o termo vadia tem muito mais a ver com uma preocupação quanto a sexualidade mal resolvida da sociedade e todas as implicações disso (estupro, controle, objetificação…) do que com a própria sexualidade (ainda que esta seja também mal resolvida). E embora uma mulher possa adotar o termo vadia como tática política, não significa que uma mulher que se apropria do termo vadia, se torna automaticamente politizada e liberta.

Ir para a Marcha usando “roupas de vadia” e se apropriar do termo vadia, passaram a ser considerados símbolos de autonomia e de se estar bem resolvida, naturalmente que ao criticar essas formas de ação ficamos vulneráveis para sermos consideradas mulheres fechadas, conservadoras. É bem fácil de entender o receio que muitas podem sentir em questionar a Marcha, já que nos exclui automaticamente do círculo de vanguarda.

Não podemos ignorar que existe uma pressão também na mulher para provar sua feminilidade, sexualidade e sua capacidade de fêmea. A nossa sexualidade é controlada através de repressão e também de cobranças das nossas “capacidades e poderes” sexuais. É consenso de que o termo vadia é usado quando querem nos xingar, mas não é também usado para designar mulher boa de cama no imaginário machista? Estaríamos nós inconscientemente atreladas á opinião dos outrxs quanto às nossas capacidades de sedução, porque de certa forma queremos ser aceitas, estar incluídas, mesmo que numa sociedade que nos machuca? Não estou dizendo que este sentimento é o que leva à existência da Marcha, longe disso, estou apenas colocando que este sentimento pode estar presente dificultando desassociar sexualidade com participação na Marcha (que não se trata de sexualidade mas de estupro), podendo também gerar constrangimento para quem a critica, por ter sua sexualidade questionada.

Assim as mulheres questionadoras da simbologia adotada pela Marcha das Vadias são taxadas de conservadoras e de “mal resolvidas”. Pensem bem, isso não é muito diferente de dizer que feminista é mal amada,que falta um homem no seu corpo.

*O termo bem resolvida(o) também está atrelado as especificidades no contexto patriarcal, nem sempre significa algo positivo, as vezes parece até dar uma idéia contrária, de conformidade. Ademais é bastante difícil identificar conceitos como esse, numa sociedade patriarcal onde a sexualidade é um tabu. Isso passa também pela questão do consentimento, pois uma pessoa bem resolvida pode não estar atenta aos desejos dx(s) sux(s) parceirx(s) e numa outra escala, às vontades das pessoas a quem ela tenta suas investidas.

enila dor.
Outubro 2012

http://anarcopunk.org/acaoantisexista/texto/porque-a-critica-a-marcha-das-vadias-nao-e-puritanismo/

Sexo e Consentimento

SEXO E CONSENTIMENTO SEGUNDO SHEILA JEFFREYS

texto apresentado em jornada da campanha abolicionista “Ni una mujer mas victima de las redes de prostitucion” em La Plata, Argentina, 2012, problematiza o conceito de consentimento.

Refletimos sobre a noção de sexo e consentimento expressada por Sheila Jeffreys em “La herejía Lesbiana” (The Lesbian Heresy).
No sistema de supremacia masculina a construção do sexo implica a conotação erótica da subordinação das mulheres e do domínio dos homens, o que Sheila Jeffreys denomina “desejo heterossexual”. As consequências desta construção da sexualidade incluem a violação e o assassinato de mulheres e criaturas, assim como restrições a sua mobilidade, vestimenta, profissões.
A conotação erótica da desigualdade é fundamental para o sistema de supremacia masculina, como diz em Anticlímax é “o azeite que lubrifica a máquina da Supremacia Masculina”.

A ideologia patriarcal tenta convencer as mulheres de que o fato de que os homens as desejem as fazem poderosas, apesar das suas desvantagens sociais. Cicely Hamilton, feminista britanica, acusou aos homens de ter feito hincapie na capacidade sexual da mulher com o fim de satisfazer seu próprio desejo. O sexo proporcionou às mulheres “os meios de sustento”. A teórica lesbiana Monique Wittig demonstrou como a redução das mulheres à categoria de sexo contribuiu na sua opressão:

“A categoria de sexo é o produto da sociedade heterossexual que converte a metade da população em seres sexuais, as mulheres, embora extremadamente visíveis como seres sexuais, permanecem invisíveis como seres sociais”.

Consentimento, coartada e invisibilização da violência sexual. Quem são os beneficiários?

Um modelo de sexualidade baseado na idéia de consentimento parte da supremacia masculina. Segundo este modelo, uma pessoa, habitualmente um homem, utiliza sexualmente o corpo de outra pessoa, é um modelo baseado na dominação e na submissão, na atividade e na passividade. Não é mútuo. Não descansa na participação social de ambas as partes, não implica igualdade, nem reciprocidade.

O conceito de consentimento é um instrumento que serve para ocultar a desigualdade existente nas relações heterossexuais. A idéia de consentimento logra que a utilização e o abuso sexual das mulheres não se considerem dano nem infração dos direitos humanos. O consentimento das mulheres que pode obrigá-las a sofrer um coito indesejado ou a aceitar sua função como ajuda masturbatória, está construído atravé das pressões às quais se encontram submetidas: a dependência econômica, o abuso sexual, os maus-tratos, a propaganda acerca da função das mulheres.

Pode haver livre escolha neste contexto?

O problema que supôe considerar irrevogável o consentimento dado ao princípio em uma cena de S/M é comparável com a situação das mulheres que sofrem violações dentro do matrimônio ou em sua relação de pareja.

Caso Operação Spánner, Consentimento das Vítimas

Este caso de sadomasoquismo consensuado, em Gran Bretaña, 1992, foi célebre. A sentença considerou que o consentimento não é motivo de absolvição em um caso de danos corporais sem motivo suficiente quando se infligiam danos ou feridas que atentan contra a saúde e o bem-estar da parte contrária. Princípio irrevogável do consentimento que se chama “não-consentimento consensuado” e sua definição é a seguinte:

O princípio irrevogável de consentimento se chama “não-consentimento consensuado” e sua definição é a seguinte:

“Conscientes en estar aí, conscientes em deixar-lhes fazer o que queiram, segue seeno tua decisão inicial”.

O consentimento se converte em algo que só ao despertar d dia seguinte se pode calibrar, segundo a sensação de incômodo que se tem. Muitas vezes ocorre no SM que não se há dado consentimento ao que mais excita, nem se daria nunca se o pedissem, e apesar de tudo, o fazem. Se fazes coisas que a ambas partes lhes parece bem ao dia seguinte, é bom, se te sentís fodida, não o é.

As que professam o não-consentimento consensuado demonstram uma nada surpreendente falta de solidariedade, de signo anti-feminista, com as mulheres que resultam gravemente feridas na prática SM. Segundo Alix, “qualquer pessoa que seja tão estúpida que não sabe com quem se vai, se merece tudo o que lhe ocurra”. Essa é a teoria da evolução posta na prática.

A perspectiva feminista mantém que as mulheres não são merecedoras de abusos, independente de seu comportamento e de que # responsável de abuso é sempre # abusador#.

Quando a construção do sexo significa a conotação erótica da desigualdade, a idéia de consentimento pode incitar a violência masculina e ao sadomasoquismo. A idéia de consentimento se erige então em um tabu que deve ser transgredido.

A nova indústria do sexo lésbico institucionaliza e mercantiliza a conotação erótica da subordinação das mulheres, revendendo-a como prazerosa e revolucionária.

A pornografia e sexologia masculina entenderam ao lesbianismo como uma mera prática sexual.
Agora que a revolução sexual chegou às lesbianas, contamos com os problemas relacionados com a prática da desigualdade eroticamente conotada ou o desejo heterossexual, as consequencias da opressão das mulheres, o dano provocado pelo abuso sexual, a utilização das mulheres na indústria do sexo e a lesbofobia, facilitaram a matéria prima: as lesbianas autoras e modelos da indústria do sexo, que sofrem maltrato nas festas SM e que atuam diretamente em espetáculo público.

Pornografia e prostituição

A prostituição não é um trabalho como qualquer outro, obedece especificamente à opressão das mulheres. Só pode existir porque uma classe dirigente é capaz de converter em objetos a um grupo de pessoas obrigadas a satisfazer suas necessidades – sem esta necessidade, sem seus privilégios sexuais, sem pobreza, nem exploração, não existiria a prostituição. O estigma que portam as mulheres em situação de prostituição está vinculado ao abuso real que resulta da utilização das mulheres por meio da prostituição. Para poder infrigir um trato infra-humano a um determinado grupo de pessoas faz falta classificá-las de inferiores e justificar deste modo o abuso das mesmas. As lesbianas que desejam usar a outras mulheres mediante a prostituição dispôem de uma reserva de outras mulheres curtidas por homens.

As lesbianas consumidoras de material pornográfico estão utilizando a outras mulheres da indústria sexual, aspiram em última instância ao que elas entendem como privilégio dos homens. Isso inclui a utilização das mulheres mediante a prostituição. A erótica e a pornografia requerem a utilização das mulheres na indústria sexual, é pouco provável que estejam fazendo amor, senão que ganhando seu sustento.

MacKinnon explica que na dinâmica da pornografia tudo aquilo que excita aos homens se considera sexo. Na pornografia, a violência mesma é sexo, a desigualdade é sexo. Sem hierarquia a pornografia não funciona. Sem domínio, sem violência não pode haver excitação sexual. Longe de construir uma nova sexualidade, estão reutilizando a velha, se encontram confinadas aos clises patriarcais.

Gênero desde as teóricas radicais e Gênero desde as teorias lésbicas e gays

Algumas teóricas feministas radicais assinalam que a idéia de gênero tende a ocultar as relações de poder do sistema de supremacia masculina como algo que pode ser superado. A idéia do caráter inevitável do gênero e do falogocentrismo parece a Sheila Jeffreys uma visão pessimista e determinista, concordante com a tendência do pós-modernismo de considerar a militância política e a fé na viabilidade de uma mudança política como uma atitude suspeita.

Em um dos primeiros manifestos feministas lésbicos, “uma lesbiana é a fúria de todas as mulheres condensada até o ponto da explosão”. Se lutava contra o patriarcado, se buscava destruí-lo, sair dos estereotipos de gênero, criar outro tipo de sociedade.

A versão de gênero introduzida pela teoria lesbiana e gay é distinta das teóricas feministas. Se trata de um gênero despolitizado, não associado à violência sexual, à desigualdade econômica, não nomeia aos homens como historicamente perpretadores e beneficiados pela opressão. Reproduzem a categoria binária feminino-masculino, passivo-ativo. Excluem aos homens de análise, o poder se converte em um sentido foucaultiano, em algo que navega por aí em perpétua reconstituição, sem conexão com as pessoas reais.

Cabe perguntar em interesse de quem ou quens se constitui esses regimes de poder do heterossexismo e do falocentrismo.

Nos interpelam que se há consentimento, se é uma escolha a prostituição, não há violência, nos acusam de vitimizar. E Sheila Jeffreys nos permite responder: na conotação erótica da desigualdade. Na supremacia masculina, no prostituinte, aí está a violência.

Redescubrindo o gênero como jogo, apresentando como diversão, subjetivo, essa teoria serve de sustento, é funcional ao sistema patriarcal capitalista, propagandizando a prostituição como escolha e o S/M como jogo. Apresentando como revolucionárias as historicas opressões. A transformação politica se sustitui pela satisfação sexual pessoal mediante a prática S/M. Os artigos periodísticos anunciam e promocionam brinquedos sexuais, vídeos pornográficos, serviço de prostituição… Tudo o que possa dar dinheiro por meio de comercialização e a mercantilização do sexo. Com a cumplicidade da indústria farmacológica, incentivando o uso de estimulantes e hormonios, estimulando os estereotipos, o consumismo, copiando o que se vê na pornografia, provocando excitação, auto-lesões, doenças e condutas criminais.

A sexualidade da crueldade S/M, segundo Sheila Jeffreys, não é inata, nem inevitável: “A experiência da opressão prejudicou nossa capacidade de amar-nos umas a outres com dignidade e amor próprio, e não somente com um intenso sentimento de prazer. Podemos enfrentar a todas as pressões que nos querem fazer amar a bota que nos golpeia enviando-nos de volta à submissão. Podemos optar por não manter uma relação amorosa com nossos opressores. Podemos escolher uma sexualidade que não participa da nossa opressão, senão da nossa politica de resistência”.

O S/M, o sistema prostituinte, os violadores, para justificar-se manipulam politicamente a noção de consentimento. A idéia de que alguém possa buscar deliberadamente o abuso e a degradação é muito facilmente extrapolável à justificação dos sistemas políticos opressivos. Por consiguinte, o princípio político básico do S/M e da prostituição como escolha contradiz nossas lutas abolicionista do sistema prostituinte e de erradicação do abuso sexual infantil.
Lutamos por uma sociedade baseada no direito de todas as pessoas à dignidade, a igualdade, o amor próprio e à autonomia.

Raquel Disenfeld

“Uma declaração Negra Feminista” – Combahee River Colective (A Coletiva do Rio Combahee) – Abril de 1977

A Coletiva do Rio Combahee (Combahee River Colective) foi um grupo feminista negro ubicado na cidade de Boston cujo nome veio da ação guerrilheira inventada e dirigida por Harriet Tubman em 12 de junho de 1963, na região Port Royal do estado da Carolina do Sul. Esta ação liberou mais de 750 escrav*s e é a única campanha militar na história americana planejada e dirigida por uma mulher.

Somos uma coletiva de feministas Negras1 que estiveram se juntando desde 1974. Durante este tempo estivemos nos envolvendo no processo de definir e clarificar nossa política, e ao mesmo tempo estivemos fazendo trabalho político em nosso próprio grupo e em coalizão com outras organizações e movimentos progressistas. A declaração mais geral de nossa política neste momento seria a de que estamos comprometidas a lutar contra a opressão racial, sexual, heterossexual e classista, e que nossa tarefa específica é o desenvolvimento de uma análise e prática integradas baseadas no fato de que os sistemas maiores de opressão se interligam. A síntese dessas opressões criam as condições de nossas vidas.

Como Negras vemos o feminismo Negro como o lógico movimento político para combater as opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor.

 A seguir discutiremos quatro temas importantes: (1) A gênese do feminismo Negro contemporâneo; (2) no que acreditamos, por exemplo, no campo específico da nossa política; (3) os problemas em organizar as feministas Negras, incluindo uma breve “herstoria”2 de nossa coletiva e (4) os temas e a prática feminista negra.


1. A Gênese do feminismo Negro contemporâneo

Antes de apresentar o recente desenvolvimento do feminismo Negro gostaria de afirmar que localizamos nossas origens na realidade histórica das mulheres afro-americanas3 e sua luta contínua de vida ou morte para sua Sobrevivência e libertação. A relação excessivamente negrativa da Negra com o sistema político estadounidense (um Sistema manejado pelo homem branco) sempre foi determinada pela nossa categorização em duas castas oprimidas: a racial e a sexual. Angela Davis indicou em “Reflexões sobre o papel da mulher Negra em uma comunidade de escravos” que as Negras sempre incorporaram, mesmo que somente em sua manifestação física, uma postura adversária ao mando do homem branco e estiveram resistindo ativamente às incursões sobre elas e suas comunidades de maneira tanto dramática quanto sutis. Sempre houveram Negras ativistas – umas conhecidas como Soujourner Truth[1], Harriet Tubman[2], Frances E. W. Harper,[3] Ida B. Wells Barnett[4] e Mary Church Terrel[5], assim como mil tantas outras não conhecidas que compartiram seu reconhecimento de que a combinação da sua identidade sexual e identidade racial faz única sua situação vital total tanto como o enfoque de suas batalhas políticas. O feminismo negro contemporâneo é um reflorecimento de incontáveis gerações de sacrifício pessoal, militância e trabalho por parte de nossas mães e irmãs.

Uma presença feminista Negra se há desenvolvido mais claramente em conexão com a segunda onda do movimento da mulher angloamericana que começou pelos últimos anos dos ’60. As Negras, outras terceiromundistas e trabalhadoras se comprometeram ao movimento feminista desde seus princípios, mas as forças reacionárias exteriores tanto como o racismo e elitismo dentro do mesmo movimento serviram para obscurecer nossa participação. Em 1973, feministas Negras, principalmente as radicadas em Nova Iorque, sentiram a necessidade de formar um grupo feminista Negro separado. Este veio a ser a Organização Nacional Feminista Negra (The National Black Feminist Organization – NBFO).

A política feminista Negra também tem uma conexão evidente com os movimentos para a libertação Negra, em particular os das décadas de 60 e 70. Muitas de nós participamos nos movimentos (Direitos Civis, Nacionalismo Negro, As Panteras Negras) e todas nossas vidas foram afetadas e transformadas por suas ideologias, suas metas, e as táticas empregadas para alcançá-las. Nossa experiência e desilusão com esses movimentos de libertação, tanto como a experiência nas margens esquerdistas masculinas dos brancos, nos levou a ver a necessidade de desenvolver uma política que fosse anti-racista, à diferença das mulheres brancas, e anti-sexista, à diferença dos homens Negros e brancos.

Sem dúvida também há uma gênese pessoal no feminismo Negro, isso é, o reconhecimento político que emerge das experiências aparentemente pessoais das vidas individuais das mulheres Negras. As Feministas Negras e muitas mais Negras que não se definem como feministas experimentaram a opressão sexual como um fator constante em nossa existência cotidiana. Como meninas percebemos que eramos diferentes dos homens e que eles nos tratavam distinto. Por exemplo, ao mesmo tempo que nos faziam calar-nos para que nos vissem como “damas” e para nos fazermos mais admissíveis aos olhos da gente branca. Enquanto crescíamos nos demos conta que a ameaça de abuso físico e sexual por parte dos homens. A pesar de tudo, não tínhamos nenhuma maneira de conceptualizar o que era tão óbvio para nós, que sabíamos o que em realidade sucedia.

As Feministas Negras frequentemente falam de seus sentimentos de loucura de reconhecer os conceitos da política da sexualidade, do mando patriarcal, e mais importante, o feminismo, o análise político e a prática que nós as mulheres usamos para lutar contra nossa opressão. O fato de que a política racial e claramente o racismo são fatores que penetram em nossas vidas não nos permite a nós nem a maioria das mulheres Negras, ver mais a fundo dentro de nossas experiências e, a partir de esta conscientização desenvolvida e compartilhada, construir uma política que transformará nossas vidas e inevitavelmente dará fim a nossa opressão. Nosso desenvolvimento também está submetido à atual posição política da gente Negra. A geração da juventude Negra que seguiu à segunda guerra mundial foi a primeira que pode tomar a menor vantagem de certas opções educativas e de emprego, antes totalmente fechadas à gente Negra. Como resultado dessas poucas opções, nossa posição econômica ainda está pelo chão da economia capitalista norte-americana, umas poucas de nós pudemos obter conhecimentos que nos permitem lutar contra nossa opressão de maneira eficaz.

Uma combinada posição anti-racista e anti-sexista nos juntou inicialmente e, enquanto nos desenvolvíamos politicamente nos dirigimos ao heterossexismo e à opressão econômica sob o capitalismo.

2. No que acreditamos

Sobretudo, nossa política brotou primeiramente da crença compartida de que as Negras somos inerentemente valiosas, que nossa libertação é necessária, não como adjunto à de alguém mais, mas devido a nossa necessidade de autonomia como pessoas humanas. Isso pode parecer tão óbvio como para soar simples, mas é aparente que nenhum outro movimento ostensivelmente progressista considerou nossa opressão específica como prioridade nem trabalhou seriamente para acabar com essa opressão. Só nomear os estereótipos pejorativos atribuídos às Negras (por exemplo mammy/niñera Negra, matriarca, Sapphire, puta, bull-daggar/sapatão) sem categorizar o tratamento cruel, frequentemente sanguinário, indica o tão pouco valor que foi dado a nossas vidas durante quatro séculos de escravidão no hemisfério ocidental. Reconhecemos que a única gente a quem importamos o suficiente para trabalhar por nossa libertação somos nós mesmas. Nossa política nasce de um amor saudável por nós mesmas, nossas irmãs, nossa comunidade que nos permite continuar nossa luta e trabalho.

Este enfoque sobre nossa própria opressão está incorporado ao conceito de política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente a mais radical se deve basear diretamente em nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente. No caso das Negras este conceito é especialmente repugnante, perigoso, e ameaçante, e portanto revolucionário porque é óbvio ao ver de todos os movimentos políticos antecedentes ao nosso que neles qualquer outra pessoa merece a libertação mais que nós mesmas. Rechaçamos pedestais, ser rainhas, ou ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é suficiente.

Nós acreditamos que a política da sexualidade sob este sistema patriarcal se assenhora da vida das vidas das mulheres Negras tanto como a política de classe e raça. Também encontramos difícil separar a opressão racial da classista e da sexual porque em nossas vidas as três são uma experiência simultânea. Sabemos que não existe uma coisa tal como uma opressão racial-sexual que não seja somente racial ou somente sexual; por exemplo, a história da violação das Negras por homens brancos como uma arma da repressão política.

Embora sejamos feministas e lesbianas, sentimos solidariedade com os homens Negros progressistas e não defendemos o processo de fraccionamento que exigem as mulheres brancas separatistas. Nossa situação como gente Negra requer que tenhamos uma solidariedade pelo fato de ser da mesma raça, a qual as mulheres brancas evidentemente não necessitam ter com os homens brancos, a menos que sea sua solidariedade negativa como opressores raciais. Lutamos juntas com os homens Negros contra o racismo, enquanto também lutamos com homens Negros sobre o sexismo.

Reconhecemos que a liberação de toda gente oprimida requer a destruição dos sistemas político-econômicos do capitalismo e do imperialismo tanto como o do patriarcado. Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho tem que se organizar para o benefício coletivo dos que fazem o trabalho e criam os produtos dele, e não para o proveito dos patrões. Os recursos materiais tem que ser distribuídos igualmente entre tod*s que criem esses recursos. Não estamos convencidas, no entanto, que uma revolução socialista que não seja também uma revolução feminista e anti-racista nos garantirá nossa libertação. Chegamos à necessidade de desenvolver um entendimento das relações entre classes que tome em conta a posição específica da classe das Negras que geralmente estão nas margens da força operária, embora durante este tempo em particular algumas de nós sejamos percebidas duplamente como símbolos desejáveis nos níveis funcionários e profissionais.

Necessitamos verbalizar a situação real de classe das pessoas que não são simplesmente trabalhador*s sem raça, sem sexo, mas para quem as opressões raciais e sexuais são determinantes significantes em suas vidas laborais/econômicas. Embora compartilhemos um acordo essencial com a teoria de Marx quanto ao que se refere às relações econômicas específicas que ele analizou, sabemos que seu análise tem que extender-se mais para que nós compreendermos nossa situação específica econômica como Negras.

Uma contribuição política que estimamos já fizemos, é a expansão do princípio feminista de que o “pessoal é político”. Em nossas sessões de conscientização, por exemplo, de muitas maneiras acabamos indo mais além das revelações das mulheres brancas porque estamos tratando as implicações de raça e classe tanto como as de sexo. Até nosso estilo como Negras de falar/testemunhar na língua Negra sobre o que experimentamos tem uma ressonância ao mesmo tempo cultural e política. Por necessidade estivemos gastando bastante energia explorando o caráter cultural e pessoal de nossa opressão porque esses assuntos nunca foram estudados antes. Ninguém examinou antes o complexo tecido das vidas das Negras.

Um exemplo deste tipo de revelação/conceptualização ocorreu em uma juntada na qual discutimos as maneiras em que nossos interesses intelectuais haviam sido atacados por nossos iguais, em particular pelos homens Negros. Todas descobrimos que porque eramos “inteligentes” também nos consideravam “feias”, isso é, “inteligente-feia” Ser “inteligente-feia” pôs em evidência que todas havíamos sido obrigadas a desenvolver nossos intelectos ao grande custo das nossas vidas “sociais”. As sanções das comunidades Negras e brancas contra as pensadoras Negras são muito altas em comparação às mulheres brancas, em particular às educadas de classe média e alta.

Como já dissemos, rejeitamos a posição do separatismo lésbico porque não é uma estratégia nem um análise viável da política para nós. Exclui demasiado e demasiada gente, em particular aos homens, mulheres e crianças Negras. Temos bastante crítica e ódio do que a sociedade fez dos homens: o que apoiam, como atuam, e como oprimem. Mas não temos a noção descabelada de que isso sucede pelo homem em si, ou seja que a anatomia masculina os faz serem como são.4 Como Negras achamos que qualquer tipo de determinismo biológico é uma base perigosa e reacionária para construir política. Também temos que perguntar-nos se o separatismo lésbico é um análise e estratégia política adequada e progressista mesmo para aquelas que o praticam, já que somente admite as fontes sexuais da opressão das mulheres, renegando aqueles feitos de classe e raça.

3. Problemas em Organizar as feministas Negras

Durante nossos anos como uma coletiva feminista Negra, viemos tendo a experiência do êxito e da derrota, da alegria e da dor, da vitoria e do fracasso. Viemos descobrindo que é muito difícil organizar-se ao redor de temas feministas Negros, que ainda mais difícil anunciar em certos contextos que somos feministas Negras. Estivemos tratando de pensar sobre as razões pelas dificuldades, especialmente já que o movimento de mulheres brancas sigue sendo forte e cresce em muitas direções. Nesta seção discutiremos em geral alguns dos problemas que confrontamos ao organizar tanto como suas razões e também comentaremos especificamente sobre as etapas para organizar nossa coletiva.

A maior fonte de dificuldade em nosso trabalho político é que não estamos somente tratando de lutar contra uma de duas frentes de opressão, senão enfrentar toda uma extensão de opressão. Para apoiarmos não temos o privilégio racial, sexual, heterossexual, ou classista, nem temos o mínimo acesso aos recursos nem ao poder que têm os grupos que possuem qualquer destes tipos de privilégio.

O desgaste psicológico de ser uma Negra e as dificuldades que isso apresenta ao tratar de lograr uma conscientização política e ao fazer trabalho político nunca podem ser subestimadas. Nesta sociedade racista e sexista se dá muito pouco valor ao espírito das Negras. Como disse uma vez uma membra que havia recém-entrado: “Todas somos pessoas danadas somente pelo fato de sermos mulheres Negras”. Somos gente despossuída psicologicamente e a todo nível, e ainda sentimos a necessidade de lutar para mudar a condição de todas as mulheres Negras. No livro “A Busca por uma feminista Negra pela irmandade” Michele Wallace chega a esta conclusão:

“Existimos como mulheres que são Negras que são feministas, cada uma isolada por hora, trabalhando independentemente porque ainda não há um ambiente nesta sociedade remotamente admirável à nossa luta – por que ao estar tão abaixo, tínhamos que fazer o que ninguém havia feito ainda: lutar contra todo o mundo ”.

Wallace é pessimista mas realista em seu assenhoramento da posição das feministas Negras, em particular em sua alusão ao quase clássico isolamento que todas confrontamos. Podíamos usar nossa posição baixa, contudo, para tomar um salto limpo até a ação revolucionária. Se as mulheres Negras fossem livres, isso significaria que todas as demais tinham que ser livres já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão.

O feminismo é, apesar de tudo, muito ameaçante para a maioria da gente Negra porque pôe em dúvida algumas das suposições mais básicas de nossa existência, por exemplo, de que a sexualidade terá que ser um determinante das relações baseadas no poder. Aqui vocês têm a definição da voz do homem e da mulher segundo um panfleto Negro dos anos 70:

Nós entendemos que é e tem sido tradicional que o homem encabece o lar. Ele é o líder do lar e da nação porque seu conhecimento do mundo é mais amplo, seu conehcimento mais grande, seu entendimento mais pleno, e sua aplicação de essa infromação é mais sábia… Depois de tudo, é simplesmente razoável que o homem encabece o lar porque ele pode defender e proteger o desenvolvimento de seu lar… As mulheres não podem fazer a mesma coisa que os homens – por natureza funcionam distintamente. A igualdade entre os homens e as mulheres é algo que não pode suceder nem sequer no abstrato. Os homens não são iguais a outros homens, por exemplo, em habilidade, experiência ou até em entendimento. O valor dos homens e das mulheres se pode ver como o valor do ouro e da prata – não são iguais mas ambos têm muito valor. Temos que reconhecer que os homens e as mulheres se complementam porque não há uma casa/família sem um homem e sua esposa. Os dois são essenciais ao desenvolvimento de qualquer vida” [7]

As condições materiais da maioria das mulheres Negras provavelmente não as levaria a destruir os arranjos econômicos e sexuais que parecem representar a estabilidade de suas vidas. Muitas mulheres Negras têm um bom entendimento tanto do sexismo como do racismo, mas devido às constrições em suas vidas não podem tomar o risco de batalhar contra ambos.

A reação dos homens Negros ao feminismo esteve sendo notoriamente negativa. Se sentem certamente mais ameaçados que as mulheres Negras pela possibilidade de que as feministas Negras nos organizemos em torno de nossas próprias necessidades. Reconhecem que não somente perderiam aliadas valiosas e trabalhadoras pra suas lutas senão que também estariam obrigados a mudar seus costumes habitualmente sexistas em como atuam entre si e em quanto oprimem às mulheres Negras. As acusações de que o feminismo Negro divide a luta Negra são dissuasões poderosas contra o desenvolvimento do movimento autônomo de mulheres Negras.

Ainda assim, centos de mulheres participaram em diversos momentos durante os três anos vigentes de nosso grupo. E cada mulher que veio, veio ao sentir uma forte necessidade de captar a qualquer nível uma possibilidade que não existia antes em sua vida.

Quando começamos a reunir-nos em 1974 depois que a NBFO teve sua primeira conferência na região oriental, não tínhamos nem uma estratégia para organiza-nos nem um enfoque. Só queríamos ver o que possuíamos. Depois de nos reunir-nos por uns meses, começamos a juntar-nos outra vez mais tarde esse ano e começamos uma toma de consciência variada e intensa. Tivemos o sentimento abrumador de que depois de anos e anos finalmente havíamos havíamos encontrado. Embora não fazíamos trabalho político como grupo, individuas continuavam sua participação na política lésbica, o abuso da esterilização e o trabalho para o direito ao aborto, as atividades do dia internacional da mulher terceiro-mundista, e o apoio ativo de Dr. Kenneth Edelin,[8] Joann Little, [9], e Inez García [10]. Durante nosso primeiro verão quando o número de membras havía baixado consideravelmente, aquelas entre nós que ficávamos nos dedicávamos a discutir a possibilidade de abrir um refúgio para mulheres agredidas na comunidade Negra (não havia nenhum em Boston naquele tempo). Também decidimos por esse momento fazermos uma coletiva independente já que tínhamos uns desacordos sérios com a posição burguesa-feminista da NBFO e sua falta de um claro enfoque político.

Também, neste momento, nos contataram feministas socialistas com quem havíamos trabalhado em atividades sobre direito do aborto. Elas queria animar-nos a assistir a Conferência Feminista Socialista Nacional em Yellow Springs [11]. Uma de nossas membras assistiu e apesar da estreita ideologia que se promovia em essa conferência em particular, reconhecemos ainda mais a necessidade de entender nossa própria situação econômica e de fazer nosso próprio análise econômico.

No outono, quando algumas membras regressaram, experimentamos vários meses de inatividade comparativa e desacordos internos que primeiro se conceptualizaram como uma divisão entre lesbianas e heterossexuais mas que também era resultado de diferenças políticas e de classe. Durante o verão, aquelas dentre nós que ainda nos juntávamos determinamos a necessidade de fazer trabalho político, e de ir mais além da toma de consciência e de servir somente como um grupo de apoio emocional. No começo de 1976, quando algumas das mulheres que não quiseram fazer trabalho político, e que também tiveram desacordos com o grupo, deixaram de comparecer por sua conta, buscamos um novo enfoque. Decidimos durante esse tempo, com a somatória de novas membras, converter-nos em um grupo de estudo. Sempre havíamos compartilhad o que líamos e algumas de nós havíamos escrito papéis sobre feminismo Negro para discutir com o grupo uns meses antes que se fizera essa decisão. Começamos a funcionar como um grupo de estudo e também começamos a discutir a possibilidade de começar uma publicação Negra feminista.

Fizemos um retiro nos finais dessa primavera que nos proporcionou o tempo para discutir a política e para resolver temas inter-pessoais. Atualmente planejamos uma coleção de escrita feminista Negra. Sentimos que é absolutamente essencial demonstrar a realidade de nossa política a outras mulheres Negras e cremos que podemos fazer isso por meio da escritura e distribuição da nossa obra. O fato de que indivíduas Negras feministas vivem em isolamento por todo o país, de que somos poucas, e de que temos algumas habilidades para escrever, imprimir e publicar nosso trabalho, nos faz querer levar a cabo projetos deste tipo como meio para organizar feministas Negras enquanto continuamos nosso trabalho político em coalizão com outros grupos.

4. Temas e Projetos de feministas Negras

Durante esse tempo juntas, estivemos identificando e trabalhando com muitos temas de particular interesse das mulheres Negras. O desdobramento totalizante de nossa política nos leva a preocupar-nos com qualquer situação que toque a vida da mulher, gente de Terceiro Mundo e trabalhador*s. Estamos, é claro, particularmente comprometidas a trabalhar nessas lutas nas quais raça, sexo e classe são fatores simultâneos de opressão. Podíamos por exemplo involucrar-nos na organização sindicalista de fábricas que empregam mulheres terceiro-mundistas, ou protestar contra hospitais que lhes cortam seus serviços de saúde, a princípio inadequados, à comunidade terceiro-mundista, ou começar um centro em um bairro Negro que trate a crise de violações. Os problemas de bem-estar social (programas estatais) e de creches também podem ser pontos de enfoque. O trabalho por fazer e os temas inacabáveis que esse trabalho representa simplesmente reflete que os aspectos de nossa opressão se filtram através de todas partes.

Os temas e projetos que membras da coletiva tiveram realmente trabalhado são o abuso da esterelização, os direitos de aborto, as mulheres agredidas, a violação e o rapto, e os serviços de saúde. Também tivemos muitas oficinas educativas sobre o feminismo Negro nas universidades, conferências de mulheres e mais recentemente à mulheres no ensino secundário.

Um tema que nos preocupa muito é que temos começado a discutir publicamente é o racismo no movimento das mulheres brancas. Como feministas Negras estamos alertas constante e dolorosamente com relação ao pouco esforço que as mulheres brancas fazem para compreender e combater seu racismo, o qual requer, entre outras coisas, mais que uma compreensão superficial do racismo, da cor, e da história e cultura Negras. Eliminar o racismo no movimento das mulheres brancas é por definição o trabalho delas, mas continuaremos a dirigir-nos ao tema e exigir que assumam responsabilidade sobre o tema.

Na prática de nossa política não acreditamos que o fim sempre justifica os meios. Muitos atos reacionários e destrutivos foram cometidos para obter metas políticas “corretas”. Como feministas não queremos jogar sujo com gente em nome da política. Acreditamos no processo coletivo e em uma distribuição de poder que não seja hierárquico dentro de nosso próprio grupo e em nossa visão de uma sociedade revolucionária. Nos comprometemos a um exame contínuo de nossa política a medida que se desenvolva, por meio da crítica e autocrítica como um aspecto essencial de nossa prática. Na sua introdução de Sisterhood is Powerfull (A Sororidade é poderosa) Robin Morgan escreve:

Não tenho nem a menor ideia do papel que os revolucionários homens brancos heterossexuais podiam fazer, já que são a incorporação do poder na qual os interesses reacionários estão investidos”

Como feministas e lésbicas Negras sabemos que temos um trabalho definitivamente revolucionário para levar a cabo e estamos preparadas para dedicar a vida ao trabalho e luta que nos espera.

***

[Retirado do livro Esta Puente mi Espalda: Voces de las mujeres tercermundistas em los Estados Unidos].

Notas

[1] Soujorner Truth (1797?-1883) foi uma abolicionista (lutadora pela abolição da escravidão de negr*s) e ativista pró-direitos da mulher. Em um dos primeiros congressos sobre direitos da mulher em meados do século 19, revelou sua bravura para dar privas de seu sexo, proclamando “Ain’t I a woman?” (“E eu não sou uma mulher?”). Este gesto simbólico quis expôr a falha das feministas brancas da primeira onda para incorporar em sua luta os problemas das negras. Portanto, Sojourner Truth serviu de modelo para muitas feministas negras contemporâneas.

[2] Harriet Tubman (1820?-1913) foi uma escrava fugitiva, abolicionista e reformista social. É famosa pelo seu trabalho com “a resistência liberacionista” que a permitiu salvar a 300 negr*s da escravidão.

[3] Frances E. W. Harper foi poetisa popular, novelista e oradora de finais do século 19.

[4] Ida B. Wells Barnet (1862-1931) foi jornalista, conferencista e liderança dos direitos civis. Participou da fundação da NAACP (Associação nacional para o assalariamento da gente de cor) e fundou a primeira organização de mulheres sufragistas.

[5] Mary Church Terrel (1863-1954) foi professora, autora, sufragista e uma liderança dos direitos civis. Trabalhou ativamente para organizar as negras nas lutas contra o racismo e o sexismo. Ela foi instrumental em fundar a Associação Nacional de Negras em 1896.

[6] Michele Wallace, “A Black Feminist’s Search for Sisterhood” (“Uma busca Negra feminista pela Irmandade”), The Village Voice, 28 de julho de 1975, pp.6-7.

[7] Mumininas of Committee for United Newark, Mwanamke Mwananchi (The Nationalist Woman). Netwark, New Jersey, 1971, pp. 4-5.

[8] Doutor Kenneth Edellin foi um obstetra e ginecólogo negro do Hospital da Cidade de Boston. Sem apoio dos administradores hospitalários, ele e seus colegas progressisas trabalham horas extras sem pagamento para prover abortos a mulheres de bairros próximos pobres porque os pedem. Em 1973 acusaram-no de homicídio involuntário por fazer um aborto ilegal a uma garota negra de 17 anos que pediu o procedimento e que não sofreu nenhum dano como resultado. “Creio muito frequentemente no direito de uma mulher de determinar o que lhe passe a seu próprio corpo”, declarou o doutor Edelin. “Se uma mulher não está convencida em sua própria mente de que quer um aborto… não o farei”. Em fevereiro de 1975, Edelin foi declarado culpado por um jurado de doze brancos, em sua maioria homens e católicos, e condenado a um ano de liberdade vigiada. (The Guardian, Nova Iorque, 19 e 26 de fevereiro de 1975). Enquanto que a hierarquia católica mobilizava seus partidários anti-feministas para apoiar o castigo de Edelin, o movimento das mulheres feministas de Boston se mobilizou para defendê-lo. No processo subsequente, se exonerou ao doutor Edelin, que depois recebeu uma promoção.

[9] Joann Little foi uma negra de 20 anos encarcerada no condado de Beaufort no estado da Carolina do Norte. Em agosto de 1974, um guarda branco de 62 anos entrou em sua celula e tentou violá-la. Ela resistiu e resultou que o matou a punhaladas. Acusada de homicídio, recebeu o apoio e solidariedade dos liberais, radicais e especialmente do movimento de mulheres através do país. Em agosto de 1975 a exonerou um jurado de seis negr*s e seis branc*s. “Pode ser que já haja uma lei que diz que uma negra tem direito a defender-se”, declarou. “O fiscal tinha mais interesse em mandar as mulheres negras à câmara de gás que à justiça” (The Guardian, Nova Iorque, 27 de agosto de 1975). “… Nunca fui pessimista com respeito ao poder do povo. Sabia que uma vez que se juntasse o povo, venceríamos”.

[10] Inez García foi acusada na Califórnia em 1975 do homicídio de Miguel Jiménez. Jiménez foi amigo de Louis Castillo, 17, que segundo Inez García a violou com ajuda ativa de Jiménez. Seu primeiro juízo resultou em um julgamento de culpada. Mas depois o julgamento foi anulado pela corte superior de California, assim que se a exonerou.

[11] A Conferência Feminista Socialista Nacional foi levada a cabo em Yellow Springs, Ohio em julho de 1975. Assistiram umas 1600 mulheres socialistas e feministas com diferentes perspectivas políticas de muitas partes de Norte-America. Um grupo de mulheres marxistas e anti-feministas tentou dominar a conferência e evitar qualquer discussão teórica do feminismo socialista. Por isso, se formaram espontâneamente várias caucuses (grupos de base), inclusive uma grande junta de lésbicas, para enfrentarem as questões que tocavam a maioria das presentes.

1O Uso em maiúscula da palavra “Negra” é uma convenção linguística nos Estados Unidos e aprte do movimento de Libertação dos Negros nos sessenta.

2O termo “Herstory” é uma forma de reinventar o termo “History”, que traduzindo se lê “História”. Porque “his” em inglês é o pronome masculino “Ele” em tradução literal. As feministas vêm usando a palavra “Herstory” (História dela, tradução literal) que soa como um trocadilho e de modo a questionar a história androcêntrica e a versão masculina prevalescente dos fatos, assim como modo de recuperar uma “história nossa” própria.

3Pensei intervir aqui e pôr “afro-norte-americanas” mas como o texto é retirado de uma coletânea de mulheres terceiromundistas e pertence a essa tradição (chicana, afro-latina, caribenha, migratória nos EUA) eu mantive americana no sentido do continente América, espero que *s leitor* s possam lê-lo assim com ajuda desta nota. [A Editorial]

4Provavelmente aqui a coletiva se refere ao clima que Feminismo Lésbico Cultural deu lugar nos 70, embora o que possa ser extraído das correntes com enfoque mais político se refere mais à necessidade de éticas lésbicas e espaços próprios (Sarah Lucia Hoagland, Marilyn Frye), estas possuíam um análise mais histórico. Em geral o clima do separatismo cultural deu lugar a discursos mais essencialistas e mesmo de uma espiritualidade feminista, que acredito terem sido mais uma reação ao centrismo masculino social e histórico e a lesbofobia do movimento feminista, narrativas essencialistas que eu vejo mais como uma necessidade de criar contra-narrativas e contra-cultura, coisa que sempre existiu durante a trajetoria dos feminismos (Monique Wittig, que publicou livros como Dicionário das Amantes e As Guerrilheiras, com largo linguagem mítico, lírico e metafórico, apesar de ter livros muito teóricos). A crítica é bem entendível mas me preocupo com a apropriação possível que possa ser feita por parte de misóginos ou quem a reproduza a despeito de conhecer ou não o contexto da crítica. Algumas separatistas lésbicas negras que podemos citar: Jacqueline Anderson, Anna Lee, Naomi Littlebear Morena, Pipa Flemming.

Quem teme aos processos coletivos? Notas Críticas sobre a gestão da violência de gênero nos movimentos sociais

O discurso contra a violência sobre as mulheres forma parte implícita e também explícita do discurso político geral. A violência machista é rejeitada pelo conjunto da sociedade e todo mundo parece reconhecer que é um problema político de primeira ordem. Evidentemente também os movimentos sociais recolhem esses conceitos e mostram abertamente seu próprio discurso anti-sexista. Até aqui perfeito.

Vocês perguntarão por que estamos escrevendo este texto… nós nos perguntamos por que há tantas agressões dentro dos movimentos sociais e por que tanta incapacidade para gestioná-las coletivamente. Nos preocupa o nível de tolerância que há nos espaços políticos ante as agressões e a naturalização/normalização de certas formas de violência. Nos inquieta a incongruência entre discurso e prática e a falta absoluta de sensibilidade a respeito; o que demonstra que é um tema de quarta, se é que chega a considerar-se como tema. Nos enfurece que dentro dos movimentos sociais atuemos como se tivessemos acreditado que as questões que planteia o feminismo já foram assumidas por tod*s e por tanto, já estão superadas e são repetitivas e desnecessárias. E este, apesar das reivindicações básicas de fazem mais de um quarto de século, siguem ainda no tinteiro, e quando as mulheres de todo o mundo sofremos discriminação, abusos e controle de distintos tipos que impedem a liberdade de expressão, pensamento, a liberdade sexual e o movimento. Não somente isso, no contexto de Barcelona há um retrocesso nas práticas coletivas e no discurso a respeito de um passado não tão lejano, fato sintomático de que restam poucos grupos feministas, o que demonstra que, uma vez mais, eram apenas as mulheres as que se ocupavam da violência. Esse retrocesso nas práticas coletivas não é um problema de uns poucos casos de sempre, estamos falando de um problema estrutural e de uma questão de responsabilidade coletiva.

No entanto, existe uma grande resistência a identificar o óbvio, a qualificar como tal as múltiplas caras da violência contra as mulheres, assim como para detectar os casos que podem ser incluídos sob esse nome; esse é um mecanismo magnífico para nadar e guardar a roupa, do tipo “a violência é algo muito ruim, mas isso justamente não é violência”.

A violência estrutural contra as mulheres não é um conceito abstrato próprio dos livros, nem uma coisa da vida de outros, alheio a nosso micro-mundo nos movimentos sociais. A violência estrutural não são os quatro abusos concretos na boca do povo, nem a soma infinita de agressões que cada uma pode constatar ter sofrido. Tampouco são aquelas ações perpetradas por monstros que vêem e apunhalam. O iceberg não é apenas a ponta.

Estamos falando de pautas generalizadas de dominação que atravessam a experiência de ser mulher e todas as esferas da cotidianidade: as relações pessoais, a percepção e o uso do espaço público, o trabalho, a autoridade reconhecida, a percepção dos próprios direitos ou a ausência deles, a relação com o próprio corpo e a sexualidade, e assim um largo etcetera.

A violência estrutural é um mecanismo de controle sobre as mulheres, mas não apenas como forma extrema, ameaça de castigo onipresente que necessita ser provocada o desencadeada, senão que é uma forma de relação normalizada e naturalizada e que portanto pode ser exercida sem a necessidade de justificação.

Mas não estamos fazendo uma dissertação teórica, falemos de casos concretos. No último ano houveram, dentro dos movimentos sociais, numerosas agressões contra mulheres: agressões no seio da relação a dois, violência psicológica na convivência e agressões físicas e sexuais dentro de um espaço político…, e aquelas em que em nenhum caso o agressor haja recebido resposta alguma. Em outro caso recente dentro do contexto político de Barcelona, uma mulher de nosso coletivo sofreu uma violação em sua própria casa por um habitante da mesma, que é um dentre tantos. Dito sujeito passeia tranquilamente durante a semana, alheio a qualquer movimento que pudesse estar esquentando por parte dela, pois – anjinho – nem sequer está consciente de ter feito qualquer coisa má… Mas se equivocava. Ela quis fazê-lo público e propô-lo em um grande coletivo, com ele presente, propondo sua saída imediata. Não apenas porque o ocorrido é uma agressão contra ela, mas porque é uma questão política e coletiva de primeira ordem. E este coletivo toma a decisão de que dito sujeito deve ir-se de casa por uma questão coletiva e política.

Nós valoramos positivamente uma coisa, e é que faz muito, muito tempo que não víamos reagir assim uma mulher, nem a um coletivo, tendo em conta as dificultades e os obstáculos que habitual e sistematicamente encontramos para gestionar grupalmente essas situações. No começo, nos sentimos muito satisfeitas de que essa agressão não tivesse sido silenciada como tantas outras e tivera uma resposta. Neste sentido, este caso é uma exceção. Contudo, a partir daí sucederam-se muitas coisas, mudanças de discurso, de posições e decisões. Com o passar do tempo, o que a princípio foi considerado político terminou relegado ao terreno dos conflitos pessoais. Sete meses depois, se tomou a decisão de que o sujeito regressasse aos espaços públicos da casa, que funcionam como centro social. Más além desta decisão questionável, o que nos parece grave é o processo pelo qual se chega a este resultado, definitivamente semelhante a tantos outros.

Que os grupos (mesmo que seja uma minoria) tratem de buscar uma resposta ante os casos de violência que se produzem em seu seio supõe um passo adiante na reflexão, na gestão coletiva e na erradicação da violência. Mas notamos que em linhas gerais, e a causa da falta de profundidade e sensibilidade a que nos referíamos, as respostas que costumam dar-se desde coletivos mesmos, em nosso entender, nem se aproximam aos mínimos exigíveis, e muitas vezes sofrem de alguns problemas de base que desvirtuam o processo. Falaremos aqui de três deles que nos parecem particularmente graves:

O primeiro, mais recorrente e mais influenciado pelo trato mainstream da matéria, é dar aos casos de violência contra as mulheres um trato de problema privado e pessoal, a ser resolvido entre dois. Quando o que é denunciado como agressão se afronta como uma questão pessoal donde intervém emoções, o que se lê como um assunto turvo onde não há uma verdade, senão duas experiências muito distintas de uma mesma situação confusa, etc., então, perdemos a possibilidade de intervir politicamente, que é do que ao final se trata quando falamos de violência machista.

Há inclusive formas de transladar o assunto a um plano pessoal dentro de uma gestão coletiva. Por exemplo, quando se planteia qualquer trabalho do coletivo como feito por e para a “vítima”, ao invés de uma tarefa que o colectivo necessita para si; quando a intervenção do grupo se planteia como uma forma de mediação entre as “partes afetadas”; ou quando se define o problema como um assunto particular do coletivo a ser resolvido de portas adentro, ou o que é o mesmo, a versão grupal do roupa suja se lava casa. Ou seja, coletivizar não é condição suficiente para fazer política.

Quando tomamos decisões ou posicionamentos políticos, sempre está a possibilidade de receber críticas e entrar em discussões. De fato são muitos os debates que seguem abertos dentro dos movimentos sociais em Barcelona. Mas resulta que diante das situações de gestão coletiva de violência contra mulheres, se levantam muralhas contra as opiniões, críticas e planteamentos externos; se tenta manter a toda custa fora do debate coletivo. Que é o que sucede? Por que tanto medo ao debate? Não será fobia enfermiça às feministas? Ou é que nem sequer lhe estamos dando a categoria de assunto político?

O segundo problema da gestão dos colectivos não feministas dos casos de violência contra as mulheres consiste em trabalhar a partir do enganoso esquema vítima-agressor, próprio da crônica de sucessos. De acordo com este, há um agressor, que é o homem mal, o monstro, a exceção; e uma vítima, a que necessita auxílio. Quando o que tem que ocupar o primeiro papel é um colega ou companheiro, temos muitos problemas para lhe “pôr a etiqueta”, e medo a “demonizá-lo”, porque além disso esse esquema se planteia como um juízo integral sobre a pessoa. Mas, chamemos as coisas pelo seu nome: agressão é o que descreve o fato, agressor é o que a comete. Fazer isso não deveria ser um obstáculo invencível nem tampouco uma opção reducionista que negue outras facetas que possa ter uma pessoa. Os eufemismos e relativismos são um atalho lingüístico para que o entorno do agressor e ele mesmo se sintam mais cômodos com o relato dos fatos, mas por isso mesmo não ajuda a mudar nem a realidade da convivência nem a consciência a respeito dos fatos.

Pelo medo a chamar as coisas pelo seu nome pretendemos encontrar “outras explicações” ou inclusive justificações, do tipo “estava bêbado/drogado”, “ela estava insinuando, ou o estava buscando”, e também a questionar o grau de responsabilidade do agressor sobre seus atos, e assim um largo etcétera. Como consequência da inoperância do esquema, costumamos nos perder em juízos pormenorizados dos sucessos, como se aí residisse a solução. Se traslada a discussão a fatores externos ou a detalhes morbosos dos fatos ao invés de abordá-lo desde a compreensão do estrutural da violência contra as mulheres e a necessidade de conservar uma tensão e atenção constantes para não reproduzí-la. Se não, por que quando o caso concreto nos toca de perto, os princípios que em outras circunstâncias seriam inquestionáveis se desvanecem?

O segundo papel dentro deste esquema se atribui a mulher agredida, com o que se a situa em uma posição de incapacidade: tudo que diga ou faça a “vítima” será lido como reação emocional, nervosismo, impulsividade e defensividade. As atitudes paternalistas e protecionistas com a que ocupa o papel de vítima obstaculizam sua participação em plano de igualdade no processo coletivo.

Então, reconhecer a estruturalidade da violência machista é começar a criar as condições necessárias para evitá-as, e em último lugar responsabilizar-nos quando sucede em nosso entorno. Mas geralmente isso não se dá porque assumir essa responsabilidade é abrir a porta à possibilidade de nos reconhecermos nos sapatos do agressor, o que dá pé à lamentáveis estratégias de corporativismo masculino, nos quais os companheiros guardam silêncio por medo a que suas cabeças rodem junto à dos que estão sendo assinalados abertamente neste momento.

Por último, na prática da gestão coletiva de agressões contra mulheres encontramos uma hierarquização de interesses tácita, e em consequência uma subestimação de tudo que se refere à nós. Quando o que se prioriza por cima de tudo é o consenso, em um grupo onde mais da metade não têm sequer uma reflexão própria prévia e cujo discurso passa por simplificações pré-cozidas próprias de qualquer tele-diário, e além de que estas opiniões se pôem à mesma altura que discursos fundamentados e sensibilidades desenvolvidas a partir de um trabalho prévio, então, nos deixamos arrastar por la tirania do medíocre, que conseguirá desvirtuar os argumentos e rebaixar o discurso a um nível de mínimos. Encadenar palavras grandiloquentes não significa articular um pensamento elaborado.

Sucede que, para começar, só há uma decisão política possível, e é que o agressor desapareça de todos os espaços comuns, sem meias tintas. Mas a priorização do consenso por medo ao conflito também implica que, ante o desafio de tomar uma posição política como coletivo, não haverá lugar para distintas posturas que são irreconciliáveis e excludentes entre si ao redor desta decisão, por muito bem ou mal argumentadas que estejam. Tentar consensuá-las nos leva irremediavelmente a pontos mortos de estancamento sem poder chegar sequer a estes mínimos.

O consenso aqui exposto cumpre duas funções: manter certa coesão no grupo e dar uma ilusão de legitimidade às decisões. Diante do risco de conflito se agudizam os papéis de gênero pré-estabelecidos, que para as mulheres significa cumprir o papel de mediar, pacificar, compreender. Paradoxalmente nos encontramos com que outras mulheres atuam priorizando a unidade do coletivo e o consenso medíocre, como se a agressão a uma de nós não fosse em realidade problema de todas. Isso por outro lado põe a manifesto o arraigado que está as formas heteronormativas em nosso fazer: a definição do que é público e político se faz de acordo com os cânones do universal masculino, e assim as mulheres assumimos discursos construídos neste marco e postos no centro baixo essa lógica e deixamos de politizar questões que nos afetam para não incomodar ou dar a nota, perpetuando a necessidade de aprovação da mirada masculina e as formas de relação entre sexos. Outra vez nos venderam a moto e nos dedicamos a cooperar para que nada mude.

Definitivamente, que vamos fazer ao respeito de todo o exposto? O pior do sexismo se reproduz nos movimentos sociais, mas não estamos assumindo as responsabilidades coletivas para fazer uma gestão adequada da violência de gênero. Como vêem dizendo as feministas há décadas, é necessário fazer políticas as questões que nos afetam às mulheres, e não só de palavra nem como anotação. Se apostamos pelos coletivos mistos, coloquemos ditas questões no centro dando a elas a importância que têm. E é evidente, pois, a necessidade de espaços não mistos e coletivos feministas, assim como de recolher o trabalho e as contribuições que esses grupos vêm fazendo.

Para finalizar, os coletivos que assumem gestionar uma situação de violência de gênero deverão fazer públicos seus posicionamientos e permitir o debate para que sirva de precedente e que assim se produza uma acumulação de experiências (não termos que partir sempre de zero). Do contrário, estamos privatizando, restando transcendência e praticando pseudo política de auto consumo.

LasAfines

Contribuições e comentários a: lasafines@hotmail.com

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

por Tamara K. Nopper

Como uma mulher que tem experimentado abuso físico e emocional de homens, alguns dos quais eu tive longos relacionamentos, foi sempre difícil aprender de outras mulheres ativistas que elas estavam sendo abusadas por homens ativistas.

As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres são abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.

Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens ativistas e mulheres nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é um tanto esperado dado que ela experimentou abuso físico. O que era adicionalmente desolador de ver era como a mulher era evitada por círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou o ter abordado. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens bacacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” entrarem no caminho da “realização do trabalho”.

Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu buscaria essa mulher, e ela iria ao acaso dizer-me sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu encontraria a mim mesma evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu não era há muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouvi-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha atravessado o desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E similarmente a como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.

A vergonha associada em contar às pessoas que você tem sido abusada, e como eu, centrada em uma relação abusiva, é feita ainda pior pelas respostas que você obtem das pessoas. Ao invés de serem simpáticas, muitas pessoas ficaram desapontadas comigo. Muitas vezes fui dita por pessoas que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio por mulheres e o “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isso é, estamos a ignorar que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatiza o caráter de mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas e outras não “se envolvem com esta merda”.

Não posso ajudar a não ser pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, querem seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso ou simplesmente não escuta às mulheres ou não pensa sobre o que as mulheres passam regularmente. E isso é porque eles são simplesmente hostis em reconhecer quão pervasivos e normalizados o patriarcado e a misoginia são – ambos fora e dentro de círculos ativistas.

Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nós confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa aparência dele, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e compromisso político e não estão sendo solicitadas a fazer trabalho porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.

Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino trás a um projeto que eles estão dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não ter sua recuperação abordada em troca. E nós gostaríamos de pensar que a “cultura de segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões do protocolo do listserv ou usa nomes falsos em comícios, mas na verdade inclui pensar proativamente sobre como lidar com misoginia, patriarcado e heterossexismo ambos fora e dentro de cenários ativistas.

Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou foder sem responsabilização. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade a cidade procurando recriar a si mesmos e encontrar carne fresca no meio daqueles que são infamiliares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas darem seu trabalho e destrezas a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente adquirir seu agir correto ou a apreciará enquanto ser humano.

Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho que é nojento como os homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem em políticas para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e controle.

E dado que esse abuso trás para fora o pior da vítima, eu tenho visto onde mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas não normalmente estariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.

O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando mulheres ativistas e, ao mesmo tempo, escrevendo ensaios sobre sexismo ou competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua namorada ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que uma hora citam bell hooks, Gloria Andalzua ou outras escritoras feministas e estão incomodando ou espalhando mentiras e fofocas sobre suas namoradas ativistas em outra. E homens ativistas irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.

O que é mais desolador é o nível de suporte que homens ativistas encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente, outros homens. Não somente as mulheres ativistas têm de confrontar e negociar com seu agressor em círculos ativistas, elas devem normalmente fazê-lo em uma comunidade política que se designa comprometida mas no final não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, a voz que é falsa, acusatória e zombeteira.

Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, a mulher necessita impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.

Infelizmente essa marca de misoginia do homem disfarçou-se enquanto o feminismo masculino é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou secretamente querem estar em relacionamentos com homens abusivos. Mais, seus comentários revelaram uma atitude que assume que, se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas estão “chorando pelo abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão fodê-las”.

Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres é de pouca preocupação a homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos.

Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, o deixando permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos tornam-se adotados, assim dizendo, por outros ativistas, que vêem reabilitar o homem como parte de seus projetos e pensam pouco sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito emocional”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-lo unido” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais entre vítimas enquanto elas trabalham para se tornarem sobreviventes.

E em alguns casos, ativistas mulheres irão evitar ir à polícia porque ela é crítica ao complexo industrial penitenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhe que ela está “contribuindo para o problema” ao “conduzir o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem ser rotulada uma “traidora” por seus colegas ativistas.

Enquanto eu sou uma forte crente que nós devemos tentar trabalhar pela cura ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se curar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para curar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos de onde mulheres eram forçadas a tolerar a indisposição do grupo para abordar o abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam no trabalho e, francamente, há poucos espaços para se ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou ter seu abuso não abordado. Outras irão simplesmente deixar a organização.

Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o pessoal entrar no caminho do “trabalho”. Ou, se mulheres ativistas que têm sido abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela faz “bom trabalho” ou que não abordar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual de mulheres é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso das mulheres deve ser abordado porque, se ele não for, ela pode não continuar a fazer “bom trabalho” para a organização ou pode haver muita tensão no grupo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em e de si mesma.

Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque misóginos e homens abusivos existem no interior deles. Mais, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter o “trabalho” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de realmente nós só se importarmos que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral do “trabalho” que ativistas devem fazer.

Tradução blog delivreacesso.wordpress.com

Falando sobre Gênero – Debbie Cameron

Falando Sobre Gênero

Na London Feminist Network’s “Feminar” em maio de 2010, Debbie Cameron e Joan Scanlon falaram sobre gênero e o que isso significava para o feminismo radical. O que segue é uma cópia editada de seus comentários.

Debbie Cameron:

O propósito da discussão de hoje é tentar destrinchar a confusão teórica e política que agora ronda o conceito de gênero, e é provavelmente útil iniciar se perguntando o que está causando essa confusão.

Conversas sobre “gênero” hoje em dia frequentemente levam a problemas porque as pessoas estão utilizando a mesma palavra para querer dizer mais ou menos a mesma coisa mas, num exame mais apurado, elas não estão falando sobre o mesmo conjunto de coisas do mesmo ponto de vista. Por exemplo, quando lançamos o T&S Reader na feira de livros radicais de Edinburgh, algumas estudantes vieram depois dizer que estavam contentes que produzimos o livro, mas surpresas que ele não falava muito sobre gênero. Na realidade, é tudo sobre gênero no sentido feminista radical – relações de poder entre mulheres e homens -, então esse comentário não fazia muito sentido para nós. De início, Joan ficou completamente perplexa com isso; eu entendi o que elas deveriam estar compreendendo somente porque eu ainda sou uma acadêmica, e na academia você ouve “gênero” sendo muito utilizado dessa forma. O que está acontecendo é que durante os 1990s, teóricos e ativistas queer desenvolveram uma nova maneira de falar sobre o gênero: ele possuía pontos de coincidência com a forma do feminismo antigo falar, mas a ênfase era diferente, a teoria por trás dele era diferente (basicamente era a teoria pós-moderna de identidade associada à filósofa Judith Butler, embora eu não acredite que Butler em si mesma diria que feministas não tinham análise crítica do gênero), e a política que surgiu disso foi muito diferente. Para as pessoas cujas ideias eram formadas seja pelo encontro com a teoria feminista acadêmica ou pelo envolvimento na política e ativismo queer, esse se tornou o significado de “gênero”. Elas acreditavam o que lhes tinha sido dito, que feministas nos 70s e 80s não possuíam uma análise crítica do gênero, ou que possuíam a análise errada porque suas ideias sobre gênero eram “essencialistas” ao invés de “construcionistas sociais”.

Não acreditamos nisso, e em um minuto explicaremos o porquê. Mas primeiro vale a pena fazer um “compare e contraste” geral sobre a “antiga” visão feminista do gênero e a nova versão que saiu da política/teoria queer dos 1990s.

O Que é Gênero?

“Antigo” Gênero: Um sistema de relações sociais/de poder estruturadas em uma divisão binária entre “homens” e “mulheres”. A categorização está usualmente na base do sexo biológico, mas o gênero como o conhecemos é uma coisa social ao invés de biológica (por exemplo, masculinidade e feminilidade são definidos diferentemente em diferentes tempos e espaços).

“Novo” Gênero: Um aspecto da identidade pessoal/social, usualmente atribuída para você de nascimento na base do sexo biológico (mas essa conexão “natural” é uma ilusão – assim como é a ideia de que devem haver dois gêneros porque existem dois sexos).

O Que é Opressivo Sobre o Gênero?

“Antigo” Gênero: O fato é que ele é baseado na subordinação de um gênero (mulheres) pelo outro (homens).

“Novo” Gênero: O fato de que é um sistema binário rígido. Ele força toda pessoa a se identificar como homem ou como mulher (não nenhum dos dois, ambos ao mesmo tempo, algo entre eles ou alguma coisa totalmente diferente) e pune qualquer um que não se conforme. (Isso oprime tanto homens quanto mulheres, especialmente aqueles que não se identificam inteiramente com o modelo prescrito para o seu gênero)

O Que Seria Uma Política de Gênero Radical?

“Antigo” Gênero: Feminismo: mulheres organizadas para desmantelar o poder masculino e, assim, o inteiro sistema de gênero. (Para feministas radicais, o ideal número de gêneros seria… Nenhum.)

“Novo” Gênero”: “Genderqueer”: mulheres e homens rejeitam o sistema binário, identificam-se como “foras-da-lei do gênero” (por exemplo, queer, trans) e demandam reconhecimento por uma série de identidades de gênero. (Dessa perspectiva, o número ideal de gêneros seria… Infinito?)

Existem tanto similaridades quanto diferenças entre as duas versões. Para ambas, o gênero está conectado ao sexo mas não é o mesmo que ele; para ambos, o gênero como o conhecemos é um sistema binário (existem, basicamente, dois gêneros); e ambas abordagens provavelmente concordariam que o gênero é sobre poder E identidade, mas suas ênfases em um ou outro diferem. Elas também diferem porque os que sustentam a teoria queer não pensam em termos de homens oprimindo mulheres, eles pensam as normas de gênero como tais como mais opressivas do que a hierarquia de poder, ou querem “mais” gênero ao invés de menos ou nenhum. Para realizar um entendimento dessas ideias e decidir o que você pensa delas, é útil entender um pouco de história – a história das ideias radicais sexuais e feministas. Existem três perguntas principais que pensamos valerem a pena de serem desenvolvidas com maiores detalhes: É verdade que o feminismo radical é/foi “essencialista” em sua visão do gênero? O que é, e o que foi, a relação entre as políticas de gênero e sexualidade? O que o feminismo radical e queer ou a política “genderqueer” têm em comum, e quais são as diferenças básicas, e quais são seus respectivos objetivos políticos?

É/Foi o Feminismo Radical Essencialista?

Vamos tirar algo do caminho: existem variedades essencialistas do feminismo, correntes de pensamento no qual, por exemplo, poderes místicos são atribuídos ao corpo feminino ou acredita-se que os homens são naturalmente maus, e algumas das mulheres que aderem a essas ideias podem usar ou serem dadas o rótulo de “feminista radical”. Mas se considerarmos o feminismo radical como uma tradição política que produziu, entre outras coisas, um corpo de textos feministas que vieram a ser considerados como “clássicos”, é surpreendente (dada quão frequente tem sido feita a acusação de essencialismo) quão consistentemente não-essencialista sua visão de gênero tem sido.

Como forma de ilustrar isso, juntei algumas citações dos escritos de mulheres que são geralmente consideradas como feministas radicais arquetípicas – juntamente com Simone de Beauvoir, frequentemente considerada como a fundadora antepassada da moderna “segunda onda” feminista, cujo livro O Segundo Sexo (publicado pela primeira vez na França em 1949) é anterior em 20 anos. Beauvoir não era essencialista e, apesar de que ela não usou um termo equivalente a gênero (isso ainda não é comum em francês), ela faz muitos comentários que dependem em distinguir o biológico dos aspectos sociais de ser uma mulher. Um dos meus favoritos, por causa de seu tom sarcástico seco, é esse: “Todo ser humano fêmea não é necessariamente uma mulher; para ser assim considerada ela deve participar dessa realidade misteriosa e ameaçada conhecida como feminilidade”.

Uma pioneira feminista de segunda onda que tem sido frequentemente castigada por essencialismo (porque ela sugeriu que a subordinação das mulheres deve originalmente ter ocorrido devido a seu papel na reprodução e nutrição) é Shulamith Firestone, autora de The Dialectic of Sex (1970). Mas, na verdade, Firestone não via a hierarquia social construída na diferença sexual como natural e inevitável. Ao contrário, ela declara no Dialectic que

assim como o objetivo final da revolução socialista seria não somente a eliminação do privilégio de classe econômica mas a distinção da classe econômica em si mesma, assim também o objetivo final da revolução feminista deve ser (…) não somente a eliminação do privilégio masculino mas a distinção de sexo em si mesma: diferenças genitais entre seres humanos não mais importariam culturalmente.

Pouco depois, no escrito da feminista materialista radical francesa Christine Delphy, o gênero é teorizado como nada mais que o produto das relações de poder hierárquicas; não é uma diferença pré-existente na qual essas relações são então sobrepostas. A visão de Delphy é uma na qual menos pensadores radicais veem como extrema, mas o que quer que pensem, isso dificilmente poderia ser menos essencialista. Como Delphy mesma diz:

Não sabemos com o quê os valores, os traços de personalidade individual ou a cultura de uma sociedade não-hierárquica se pareceriam, e temos grande dificuldade de imaginar isso. (…) Talvez só seremos capazes de pensar sobre o gênero no dia em que pudermos imaginar um não-gênero.

Todas as escritoras que eu acabei de citar são mulheres que “podem imaginar um não-gênero (e assim o fazem)”. Essa boa vontade de pensar seriamente sobre o que, para a maioria das pessoas, incluindo muitas feministas, é impensável – que um mundo verdadeiramente feminista não somente operaria sem as desigualdades de gênero mas efetivamente sem distinções de gênero -, é, nós argumentaríamos, uma das marcas do feminismo radical, uma das maneiras que ele se supõe como “radical”.

Outra coisa que faz o feminismo radical se destacar é a maneira pela qual ele relaciona o gênero com a sexualidade e, ambos, com o poder. Os escritos de Catharine MacKinnon fazem essa relação particularmente forte, como na seguinte passagem tomada de Feminism Unmodified (1987):

A teoria feminista do poder é a de que a sexualidade é “generizada” e o gênero é sexualizado. Em outras palavras, o feminismo é uma teoria de como a erotização da dominação e submissão cria o gênero, cria mulheres e homens na forma social na qual nós os conhecemos. Portanto, a diferença de sexo e a dinâmica dominação-submissão definem uma à outra. O erótico é o que define o sexo como desigualdade e, por isso, como uma diferença significativa. Isso é, na minha visão, o significado social da sexualidade, e a consideração distintamente feminista da desigualdade de gênero.

Isso mostra que algumas célebres feministas radicais tomaram uma visão não-essencialista da sexualidade assim como do gênero. De fato, uma das considerações mais radicalmente não- ou anti-essencialistas da sexualidade que pudermos pensar – tão radical quanto qualquer trabalho de teóricos queer em rejeitar a ideia de identidades sexuais fixadas e finitas – vem da feminista radical Susanne Kappeler em seu livro The Pornography of Representation (1986):

Numa perspectiva política, a sexualidade, como a linguagem, pode cair na categoria das relações intersubjetivas: intercâmbio e comunicação. As relações sexuais – o diálogo entre dois sujeitos – determinariam, articulariam, uma sexualidade dos sujeitos como a interação do discurso geraria papéis comunicativos nos interlocutores. A sexualidade não mais nos falaria muito sobre a questão da identidade, de um papel fixo na ausência de uma praxis, mas a possibilidade com o potencial de diversidade e intercambialidade, e a possibilidade crucialmente dependente de um interlocutor e codeterminada por ele, outro sujeito.

Mais tarde explicaremos porquê pensamos que essas ideias feministas radicais sobre gênero, sexualidade, identidade e poder, na realidade, emitem um desafio muito mais radical ao status quo do que as ideias da política queer.

Joan Scanlon:

Como a Debbie disse anteriormente, fiquei completamente aturdida quando as duas jovens em Edinburgh perguntaram porque não havia mais sobre gênero no The Trouble & Strife Reader (2009). Liguei para Su Kappeler (veja a citação dela acima) e ela disse: “O negócio é o seguinte, Joan: é como o que Roland Barthes escreveu em algum lugar, que se você tem um guia da Itália, você não vai encontrar “Itália” no índice – você vai encontrar Milão, Nápoles ou o Vaticano…” Então eu pensei sobre isso, e percebi que, enquanto isso era certamente verdadeiro, havia algo a mais acontecendo: é como se o mapa da Itália tivesse desaparecido (bastante útil como uma forma de relacionar Milão, Nápoles e o Vaticano) e, ao invés disso, a realidade geográfica, política e econômica da Itália fora substituída por um espaço virtual no qual a Itália poderia ser um baile de máscaras, uma bandeira tricolor, um salão de sorvete – ou qualquer combinação de flutuantes significantes livres. E, assim, retornando ao conceito de gênero, compreendi que precisamos reconstruir o mapa, e que precisávamos olhar historicamente para a pergunta para dar sentido a essa mudança de significado.

É claro que os mapas mudam, assim como as fronteiras políticas mudam – mas você não vai longe sem uns ou outros. Precisamos, portanto, examinar o porquê das feministas terem adotado o termo gênero para descrever a realidade material – o cumprimento sistemático do poder masculino – e como uma ferramenta para a mudança política. Eu vou começar com algumas definições e então falar brevemente sobre a história da sexualidade, a relação entre gênero e sexualidade, e como essa relação entre essas duas construções mudou desde o início do século passado. Também vou examinar brevemente no que o feminismo tem em comum com a política queer, e aonde residem suas diferenças fundamentais.

Definições: Feminismo, Gênero, Sexualidade

Quando eu estava escrevendo uma coisa com Liz Kelly no final dos 1980s, nós decidimos que, com a proliferação dos “feminismos”, nós precisávamos afirmar que o termo feminismo não possuía sentido se ele somente significasse o que qualquer indivíduo quisesse que ele significasse. Em outras palavras: você não pode ter um plural sem um singular – então nós definimos o feminismo simplesmente como “um reconhecimento de que mulheres são oprimidas, e um comprometimento em mudar isso”. Além disso, você pode ter qualquer número de diferenças de opinião sobre porquê as mulheres são oprimidas e um número de diferenças sobre estratégias de mudar isso. Em 1993, na nossa 10ª edição de aniversário do T&S, nós então pedimos a várias mulheres para que definissem o feminismo radical. As definições que todas tinham em comum eram: elas tomam como central que o gênero é um sistema de opressão, e que homens e mulheres são dois grupos socialmente construídos que existem precisamente por causa da relação de poder desigual entre eles. Ainda, todas elas afirmam que o feminismo radical é radical porque ele questiona todas as relações de poder, incluindo formas extremas como violência masculina e a indústria do sexo (algo que sempre tem sido extremamente controverso no interior do movimento das mulheres e uma questão extremamente impopular de se fazer campanha contra). Ao invés de mexer nas bordas da questão do gênero, o feminismo radical consigna o problema estrutural que subjaz a ele. Para definir gênero, portanto, parece ser um passo necessário a compreensão da proliferação dos significados que surgiram em seu uso plural de agora. O gênero, como feministas radicais sempre o compreenderam, é um termo que descreve a opressão sistemática de mulheres, como um grupo subordinado, pelo benefício do grupo dominante, os homens. Este não é um conceito abstrato – ele descreve as circunstâncias materiais da opressão, incluindo o poder masculino institucionalizado e o poder no interior das relações pessoais – por exemplo, a divisão desigual de trabalho, o sistema de justiça criminal, a maternidade, a família, a violência sexual… E assim por diante. Aqui eu devo dizer que poucas feministas argumentariam que o gênero não é socialmente construído; acredito que o feminismo radical só é acusado de essencialismo biológico porque ele tem sido central na campanha contra a violência masculina e, por alguma razão, nós somos portanto acusadas de pensar que todos os homens são violentos de maneira inata – o que eu nunca entendi. Se você está envolvido numa política de mudança, seria completamente sem sentido pensar que qualquer coisa que você busca mudar é inato ou imutável. Se o gênero é visto, no patrtiarcado, como emanando do sexo biológico – a sexualidade é essencializada se alguma coisa ainda mais –, é visto como emanando da nossa própria natureza, de desejos e sentimentos que estão consideravelmente fora de nosso controle, mesmo se o nosso comportamento sexual pode ser regulado por códigos morais e sociais. E, para concluir com as definições, pegarei emprestado a definição de sexualidade de Catherine MacKinnon como um “processo social que cria, organiza, direciona e expressa desejo”. Além de pontuar que isso claramente indica que feministas radicais compreendem a sexualidade como sendo socialmente construída, não vou destrinchar mais isso aqui, assim como espero que tenha ficado claro a partir do que vou dizer.

Uma Breve História da Sexualidade

É somente a partir de cerca de 1870 em diante que o discurso médico, científico e legal começou a classificar e categorizar indivíduos por seu tipo sexual – e produziu o que historiadores agora reconhecem como uma específica identidade homossexual ou lésbica. Antes do final do século XIX, o comportamento sexual foi concebido em termos de pecado e crime – em termos de atos sexuais e não identidades sexuais. No Reino Unido, a homossexualidade masculina foi criminalizada até 1967, e a lesbianidade, apesar de nunca ilegal, foi reprimida de outras formas; não era uma opção econômica para mais do que um pequeno número de mulheres privilegiadas com recursos independentes até depois da Segunda Guerra Mundial. A sexualidade feminina sempre foi controlada por coerção física, por dependência econômica dos homens, e não menos pela ideologia – o ensaio de Adrienne Rich “Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica” (1979) mostra a variedade e inventividade desses meios de controle.

O gênero é uma das formas nas quais a sexualidade é mais efetivamente policiada: dado o constante reforço do sistema binário de gênero como uma forma de controle social, se você pisa fora do seu papel de gênero imposto, você é provável de ser estigmatizado como homossexual, e vice-versa. Em outras palavras, se você se abstém das recompensas da feminilidade – através, por exemplo, de se tornar uma encanadora, não raspar suas pernas, dizer para um homem se foder se ele está te assediando – você é provável de ser acusada de ser lésbica. (Um homem que não se conforma com as convenções da masculinidade, e é visto empurrando um carrinho de bebê, vestindo rosa, ou que não gosta de futebol, é igualmente provável de ser acusado de ser gay.) E, similarmente, se você é mesmo lésbica, você é provável de ser esperada de agir como um homem, de exibir desejo masculino – e mulheres heterossexuais são prováveis de se preocuparem se você gosta delas, e são encorajadas a evitar espaços exclusivos de mulheres no caso de que existe o risco de ser atacada (isso pode ser menos verdadeiro agora, mas sempre foi uma questão considerando-se os eventos exclusivos de mulheres quando eu primeiro me envolvi com o feminismo – ou seja, que mulheres heterossexuais pensavam que “mulheres somente” significava lésbico e que, por isso, presumiam que tais espaço/eventos seriam sexualizados.) De qualquer forma, isso é parte do que Catherine MacKinnon quis dizer quando ela disse que “o gênero é sexualizado, e a sexualidade é ‘generizada’” – em outras palavras, a diferença de poder entre homens e mulheres é erotizada, e não reconheceríamos algo como sexual se isso não fosse sobre poder. Então qualquer coisa que é percebida como sexual – tal como a identidade gay e lésbica – é lida através dessas lentes e, assim, “generizada”.

Os primeiros sexólogos tiveram papel significativo em criar e consolidar esse mito de que lésbicas eram inerentemente mulheres masculinizadas, e que homens homossexuais eram inerentemente femininos. Está também no trabalho de, por exemplo, Richard von Krafft Ebing, que você primeiro encontra a ideia de um homem nascido no interior do corpo de uma mulher e vice-versa. Apesar dos primeiros sexólogos dissiparem muitos outros mitos sobre o comportamento sexual, e contribuírem para desafiar a criminalização da homossexualidade por apresentá-la como “natural” e inata, ao assim fazer, também afirmavam a ideia de que a sexualidade era uma parte essencial da natureza humana que era também perigosa e precisava ser controlada pela intervenção médica, ou uma força positiva que precisava ser liberada das restrições repressivas da civilização. Eles frequentemente discordavam entre si, e contradiziam a si mesmos, mas coletivamente eles criaram e confirmaram o mito de que todos temos uma “identidade sexual verdadeira”, que a ciência da sexualidade pode ajudar a revelar. Alguns de seus escritos parecem agora como completo nonsense, mas é impossível subestimar a importância desses textos na literatura e na imaginação popular da época.

Só para dar-lhes um exemplo: Richard von Krafft Ebing (de cujos estudos de caso Radclyffe Hall baseou seus personagens no Well of Loneliness) argumentou que homossexuais não eram nem doentes mentalmente nem depravados moralmente – vez que eles sofreram uma inversão congênita do cérebro durante a gestação do embrião. Além disso, ele estava convencido de que você poderia encontrar evidência de masculinidade em mulheres “invertidas” (homossexuais) para confirmar a causa genética de sua condição. Havelock Ellis, que escreveu o prefácio para Well, concordou com essa posição, e continuou a argumentar que você poderia distinguir entre verdadeiras mulheres “invertidas” cuja natureza era permanente e inata, e aquelas mulheres que eram atraídas a “invertidas” porque, apesar de elas serem mais femininas, elas “não estavam bem adaptadas para a criação de filhos” e, por isso, não serviam para o sexo heterossexual procriativo. Uma visão mais clara foi articulada por Edward Carpenter, reformista socialista e filósofo utópico: Carpenter, que usou o termo Urano (dos céus) para descrever indivíduos que eram atraídos por outros do mesmo sexo, tinha uma visão mais mística e lírica do sujeito completo (ele é facilmente ridicularizado porque ele tinha uma espécie de comitiva de culto e não somente fez suas próprias sandálias como também as fez para o resto de sua comunidade, que vivia em uma comuna perto de Sheffield), mas ele é, em muitos sentidos, o mais radical de todos eles. Ele era muito mais interessado em temperamento e sensibilidade que em sinais exteriores (biológicos) de desvio das convenções da masculinidade e feminilidade, e ele também acreditava que aqueles que pertenciam ao “sexo intermediário” poderiam construir diferenças de classe e raça, e serem intérpretes entre homens e mulheres, vez que compartilhavam das características de ambos. Economistas e políticos do movimento pensaram as visões de Carpenter como um nonsense sentimental, mas ele se torna próximo de todos os sexólogos dizendo que o gênero em si é o problema, e que extremos do sistema binário de gênero são prejudiciais ao tipo de sociedade ideal que ele imagina.

Não vou desenvolver meu caminho através de todos os sexólogos do século XX – sem dúvidas que vocês estejam mais familiarizados com os experimentos de laboratório dos Masters e Johnson, e as célebres pesquisas em comportamento sexual por Alfred Kinsey e Shere Hite dos 1950s e 1980s respectivamente, que abalaram o establishment ao mostrar, dentre outras coisas, a diversidade do comportamento sexual e o predomínio do desejo homossexual entre a população heterossexual em geral nos EUA. A questão principal sobre os primeiros sexólogos, o que eles têm em comum, é que eles fizeram do sexo o sujeito do estudo científico, e muitos poucos deles olharam para o gênero per se, ou para o contexto social e significado da sexualidade.

A relação do gênero com a sexualidade mudou no final dos 60s e 1970s, em grande medida por causa da emergência do movimento de mulheres o o movimento de liberação gay. Com a ascensão do feminismo e a publicação de inúmeros textos-chave tais como Política Sexual (1970) de Kate Millet, a lesbianidade não era mais vista como uma subcategoria da homossexualidade masculina, e não somente como uma identidade sexual, mas como uma identidade política, dentro do contexto das relações de poder “generizadas” – em outras palavras, foi possível poder ver ser uma lésbica como ser uma mulher, desafiar a heterossexualidade como uma instituição, e desafiar o poder no interior de relações pessoais. Eu penso que sou extraordinariamente sortuda por ter encontrado o feminismo no final dos 1970s (quando eu estava em meus iniciais 20s) – vez que eu seria, do contrário, completamente persuadida de que eu era uma “inversão” ou, deus me livre, uma Urano, ou o quer que seja, se eu tivesse nascido numa época anterior. O movimento de mulheres do final dos 60s e 70s ofereceram a várias mulheres uma oportunidade sem precedente para fazer sentido de suas experiências como mulheres, teorizar sobre, e fazer algo sobre.

Nós frequentemente esquecemos que pensadores no interior do movimento de liberação gay na atualidade tinham muito em comum com o feminismo: desconstruir a masculinidade, questionar a família nuclear, desafiar a misoginia e buscar uma sexualidade da igualdade. Apesar de que feministas continuaram a trabalhar muito em parceria com homens gays, contra uma opressão comum – a heterossexualidade institucionalizada – nós também vimos que nosso foco na construção social da sexualidade estava em desacordo com a visão predominante no movimento gay de que a sexualidade era inata. Por exemplo, no final dos 1980s, durante a campanha contra o artigo 28 do projeto de lei do governo local (que proibiu autoridades locais de “promover” a homossexualidade e “simulou”, isto é, famílias de mesmo sexo, nas escolas), o principal argumento dentro do movimento gay era de que você não poderia fazer alguém gay, que gays somente representavam 10% da população, que você nascia gay e, por isso, não representava nenhuma ameaça ao establishment. E, é claro, como feministas, estávamos argumentando o oposto, de que você poderia de fato mudar sua sexualidade, e que certamente buscávamos ser uma ameaça ao establishment. A epidemia da AIDS politizou grandes números de homens gays ao redor da sexualidade, defendendo a liberdade sexual individual contra as políticas repressivas da extrema direita mas, ao recorrer novamente ao apelo pela tolerância do mundo heterossexual, e um pedido pela inclusão no privilégio heterossexual (uniões civis, etc.) – que foram estrategicamente bem-sucedidos em obter tais objetivos precisamente porque não eram vistos como ameaçando o establishmente liberal – é possível que esse movimento tenha pavimentado o caminho para uma política que não somente questionava o comportamento heterossexual, mas buscava criar um espaço para essas vítimas do gênero que se encontravam fora do sistema binário de gênero e fora de uma concepção binária paralela da sexualidade. Você pode muito bem dizer que o feminismo parecia oferecer tal política e tal espaço, então é importante olhar, portanto, para as diferenças entre o feminismo e a política queer.

O que o feminismo radical tem em comum com a política queer é:

– Uma compreensão de que o gênero e a sexualidade são socialmente construídos.

– Um reconhecimento de que os papéis de gênero binários são opressivos.

– Uma compreensão de que os papéis de gênero são produzidos através da performance, e confirmados pela sua constante re-atuação.

– Um comprometimento em desafiar as suposições e práticas heteronormativas.

As diferenças entre o feminismo radical e a política queer são:

– O feminismo radical é uma análise materialista que argumenta que o gênero não é produzido meramente através do discurso e performance, mas é um sistema no interior do qual um gênero (masculino) tem poder econômico e político, e o outro (feminino) não tem – e o grupo dominante tem um investimento em manter isto dessa forma.

– O feminismo radical envolve uma compreensão de que você não pode produzir (ou questionar) o sistema de gênero através do discurso ou da performance individual – ao adotar certas roupas, linguagem, ou mesmo desafiando seu corpo anatômico. Fora de certos contextos limitados, a cultura dominante ainda vai interpretar esses gestos de acordo com os códigos sociais dominantes, e tentar te categorizar como homem ou mulher. (Em outras palavras, no metrô, no supermercado, no trabalho, esses gestos individuais ou afirmações performativas serão ininteligíveis, e bastante ineficazes como um desafio ao sistema de gênero.)

– Judith Butler argumenta que o feminismo, ao afirmar que mulheres são um grupo com características e interesses comuns, tem reforçado a visão binário do gênero, no qual os gêneros masculino e feminino são construídos em corpo masculinos e femininos. Feministas de fato argumentam que mulheres tem um interesse político comum (em vez de exibirem características comuns), e que mulheres sofrem de uma opressão comum (na qual experienciam de diferentes formas de acordo com outras formas de relações de poder, incluindo raça e classe), e que os corpos de mulheres são o local para muito dessa opressão, mas isso não é argumentar que a categoria mulher é uma categoria indiferenciada. É somente argumentar que tão logo mulheres são oprimidas como mulheres, existe a necessidade de uma identidade política comum, de forma a se organizarem efetivamente para resistir a essa opressão.

– O feminismo radical é comprometido em mudar o sistema de gênero, em desafiar a opressão em todas as suas formas. Nós, portanto, não temos nenhum investimento em sermos fora-da-lei, que vem de uma noção romantizada da opressão. Além disso, se sentir oprimido não é o mesmo que ser oprimido. De forma a celebrar sua identidade como um fora-da-lei, você deve ter um investimento no sistema que faz com que você seja um fora-da-lei. O queer me parece abranger as mais extremas vítimas do sistema de gênero, e criar um guarda-chuva que cobre aqueles que são relutantes foras-da-lei sociais (usualmente dos grupos mais pobres e privados de direitos da sociedade, com nenhum amortecedor contra o preconceito social – ou seja, aqueles que são foras-da-lei sem escolha) e aqueles para o qual brincar de ser um fora-da-lei é um jogo de privilégio intelectual ao invés de realidade duramente vivida.

– O queer é, por sua própria definição, tudo o que está em desacordo com o normal, o legítimo, o dominante. O queer, então, demarca “não uma positividade, mas um posicionado vis-à-vis ao normativo”. Segue-se a isso que a política queer não tem objetivos políticos particulares, à parte de desafiar os discursos normativos dominantes e, se eles mudam, a política queer deve então ter que mudar sua posição em oposição ao que quer que seja atualmente normativo. Não está claro para mim, então, quais são seus objetivos políticos específicos.

– O queer abrange uma ampla matriz de identidade e práticas sexuais não-normativas, incluindo algumas que são heterossexuais: “Sadismo e masoquismo, prostituição, inversão sexual, transgeneridade, bissexualidade, assexualidade, intersexualidade são vistos pelos teóricos queer como oportunidades de investigação entre as diferenças de classe, raça e etnicidade, e como oportuniddes de reconfigurar compreensões do prazer e desejo.” Por exemplo, Pat Califia, em Feminism and Sadomasochism, escreve sobre como o sadomasoquismo encoraja à fluidez, e questiona a naturalidade das dicotomias binárias da sociedade:

A dinâmica entre o superior e o inferior é bastante diferente da dinâmica entre homens e mulheres, negros e brancos ou pessoas da classe alta e trabalhadora. Este sistema é injusto porque ele designa privilégio baseado em raça, gênero e classe social. Durante um encontro sadomasoquista, papéis são adquiridos e usados de formas muito diferentes. Se você não gosta de ser um superior ou um inferior, você muda. Tente fazer isto com seu sexo biológico ou raça ou seu status socioeconômico.

– Esse ponto de vista posiciona esses estudiosos da teoria queer em conflito com a visão feminista radical de que sadomasoquismo, prostituição e pornografia são todas práticas opressivas.

– O feminismo radical argumenta que todas as diferenças de poder são sexualizadas, incluindo aquelas construídas através de raça e etnicidade, classe e incapacidade, e que a pornografia e a indústria do sexo como um todo é uma das manifestações mais claras e mais perniciosas disso – diferença de poder erotizado é o negócio da pornografia, e isso é feito em corpos reais, não na imaginação do consumidor. Além disso, devemos ser claros sobre o prazer e desejo de quem estamos falando – em uma indústria baseada na exploração sexual e abuso. O sadomasoquismo foi sujeito de muitos debates acalourados no interior do feminismo nos 1980s e, aqui, novamente, o feminismo radical não viu nada de novo ou radical sobre recriar a dinâmica de dominação e subordinação – já prevalecente dentro da heterossexualidade – no interior de relações não-heteronormativas. Todo esse fenômeno, adotado como anti-heteronormativo (pela política queer), já está incluído pelo patriarcado, então não existe grande revolução aqui. Feministas radicais buscam não meramente desafiar, mas desmantelar as estruturas do patriarcado; o desafio que o queer oferece à cultura normativa é uma provocação sem nenhum objetivo político em desmantelar o normativo, do qual, por sua própria definição, dele depende para sua existência como uma posição oposta. Parece que o queer não está, assim, tentando buscar a libertação do sistema de diferença de gênero, mas simplesmente buscando tomar liberdades com ele.

– De forma a mudar o sistema social que cria a diferença de gênero como nós conhecemos, você deve consignar as estruturas subjacentes que produzem e sustentam a diferença de gênero – e você deve buscar erradicar o próprio gênero.

– Sem o gênero, sem a diferença de poder, a sexualidade pode ser simplesmente a expressão de desejo entre sujeitos iguais. (Veja a citação de Sue no folheto.)

– No início desta conversa, Debbie citou Shulamith Firestone e, por isso, parece totalmente apropriado para mim concluir retornando ao argumento central do “The Dialectic of Sex”, um que encapsula a abordagem feminista radical do gênero: “A tarefa intelectual e teórica do feminismo é compreender o gênero como um sistema de cria e mantém a desigualdade. A tarefa política do feminismo é erradicar o gênero.”