por que as meninas que foram molestadas se silenciam?

Por Coletivo Artemisia

“Por gue as meninas que foram molestadas, abusadas sexualmente ou mesmo estupradas raramente, ou nunca, falam sobre isso? Não falam pela mesma razão que silenciam as pessoas que foram irremediavelmente humilhadas e envergonhadas e que não tem nenhuma proteção ou validaçāo sobre suas integridades pessoais. Como a mulher estuprada, a menina violentada pode não ser acreditada (ela fantasiou ou inventou a historia), seu dano pode ser minimizado (não houve nenhum prejuízo, vamos, então, esquecer o assunto) e pode até mesmo ser responsabilizada pelo crime (a garota estava pedindo isso). A criança adquire auto—estima e confiança a partir do valor dado a ela pelos adultos em quem confia e de quem depende. Contudo, a menina explorada sexualmente faz surgir uma reação necessária para promover uma identidade positiva. Sem receber apoio para seu direito de ser protegida, ficar zangada ou expressar uma indignação justificada, sente que só merece ser usada sexualmente. Revelar um incidente é expor sua insignificância. Contar para alguém é desmoralizar-se diante de si mesma e dos outros. A vitima infantil não tem outro recurso além de sepultar, esconder e tentar esquecer a experiência. Mas a humilhação não desaparecerá. Ela infecciona, envenena e corroí seu ser. Quando o ultraje permanece encoberto, sem resposta e incontestado, a sexualidade, a própria biologia da criança ofendida, passa a ser uma vergonha para ela. Esta síndrome destrutiva não surge do nada. Suas origens estão em antigas tradições e costumes que, por sua vez, estão escritos na Historia, na religião, na lei e nos poderosos e influentes meios de comunicação atuais. No inicio da Civilização ocidental, a mulher, assim como a casa, o boi e o asno, eram propriedades do homem. Específicamente, ela era uma propriedade sexual cuja única funçāo era fornecer filhos e prazer, e seu valor era determinado pela compensação que pudesse trazer como reprodutora ou prostituta. Esta é a degradante herança que legamos a nossas meninas. O abuso sexual de garotinhas baseia-se na suposta inferioridade delas. Elas podem ser usadas sexualmente porque pertencem a alguém, são imperfeitas biologicamente, ou agem de forma sedutora. Simultaneamente degradadas e definidas por sua sexualidade, são coagidas em um sistema infalível de chantagem emocional. Se forem violentadas, a conceituação culturalmente imposta de sua sexualidade transformam―nas em culpadas. Qualquer tentativa, por parte da menina, para revelar seu estuprador também expõe sua alegada inferioridade e motivações sexuais, e traz

vergonha para ela e não para o culpado. O segredo é a única alternativa. Mas, nos como mulheres, começamos a refutar a educação que recebemos e que nos define como inferiores, e não permitiremos mais ser chantageadas e coagidas. Agora acusamos nossos criminosos. Eles são os culpados. A lição que devemos tirar de seus relatos é a de proteger e acreditar na integridade de nossas crianças e a de aprender a quebrar o silêncio que as ameaça.”

Anarquismo na Atualidade – fala feita na 4ªFlapoa por uma companheira

Segue uma fala feita na 4ª Feira do Livro Anarquista de Porto Alegre, no dia de abertura, 15 de novembro passado. Foram feitas várias falas sobre anarquismo na atualidade. Depois seguiu-se um debate.

“Anarquismo na atualidade.

Aqui no Brasil o anarquismo teve uma visibilidade gigante devido as manifestações. A revolta tomou conta das ruas. Esta revolta foi absolutamente importante e uma manifestação das nossas insatisfações, uma necessidade de denunciarmos as injustiças pela ação direta. A ação direta não é apenas uma ação isolada e de ataque, pois ela é construída todos os dias. E embora esta visibilidade tenha tomado as proporções que tomou, as práticas anarquistas, as organizações ou formas de nos organizarmos libertárias são antigas. Anarquistas sempre se organizaram e procuraram alternativas para viver/sobreviver.

O anarquismo teve um período de hibernação no sentido de que parece ter ficado por algum tempo sem uma continuidade devido aos anos de ditadura. Nos anos 80 o anarquismo teve uma retomada muito forte e também sob influencia do punk. As bandas, as pessoas envolvidas encontraram no anarquismo e nas práticas anarquistas, nas práticas autogestionárias (por exemplo ocupações, espaços autogeridos, em fim) a busca pela libertação. A busca por viver e sobreviver perante as injustiças, a busca por alternativas que não as dos moldes tradicionais. A busca por pensar e construir lutando contra o controle das opressões institucionalizadas que estamos submetidas, submetidos.

Mas eu tenho pouco tempo para falar aqui, sendo esta apenas uma introdução, um apanhado muito generalizado sobre o anarquismo na atualidade. O que quero colocar para as que estão aqui presentes, e para os que estão aqui presentes, é de que o anarquismo nunca existirá sem feminismo.

E que isto para mim é atualidade.

Nós mulheres anarquistas que nos envolvemos em espaços anarquistas em busca por libertação, encontramos muita resistência de que nestes espaços nos escutem. De que nestes espaços exista de fato uma libertação. De que nestes espaços estejamos seguras. Não queremos nenhum tipo de segurança vindo de outrem, não queremos sermos protegidas, não é disto que estou falando. Falo de que precisamos que nestes espaços estejamos seguras para alcançarmos objetivos libertários em todas as esferas das nossas vidas. Não uma libertação pela metade, uma libertação que é sugerida muitas vezes como prioritária enquanto nós mulheres anarquistas sabemos muito bem de nossas prioridades, de nossas urgências, e de toda a opressão machista da qual sofremos, da qual lutamos contra todos os dias.

Sim, não existe anarquismo sem feminismo. A revolução diária, utópica, ou de fato, não será revolução se ela não for feminista. Não é aceitável que o feminismo seja luta de segunda ordem.
Temos visto na atualidade cada vez mais denúncias de agressões por parte de “companheiros”. É possível que dentro de espaços anarquistas tenhamos que lidar com a opressão do patriarcado como se estivéssemos nos espaços não anarquistas? É obvio que o patriarcado se reflete nas pessoas e não poderia ser diferente com nós anarquistas. Por isso justamente que temos que destruir com o machismo que está dentro de nós.

Eu repudio totalmente a ‘acusação’ de que estou me focando e sendo separatista. Porque sim, eu estou me focando e serei separatista se tiver que ser. Porque sectário já é o patriarcado, e também aprendi do anarquismo a me organizar. Esta suposta “união” de lutas muitas vezes abafa, invisibiliza opressões específicas. Também totalmente repudio tentativas de boicote a autonomia das mulheres e sei porquê elas existem. Porque existe medo de confrontar privilégios, porque existe medo de perder o controle sobre o comportamento e sobre os corpos de mulheres e lésbicas. Porque ou não se nota ou é bom estar com o poder a seu alcance para quando se precise ou se queira usar.

E sim quando digo nós mulheres o faço porque estou me colocando numa classe. Porque precisamos nos colocar como classe, como grupo, porque a opressão se apresenta para todas nós mulheres, anarquistas ou não.

Nos protestos mulheres foram estupradas por policias e supostos companheiros. Vimos homens se aproveitando da confiança e da proximidade na luta para subjugar mulheres que acabaram sendo violentadas e abusadas. E sempre se questiona a mulher. O que ela fez, o que ela vestia, que horas eram.

E enquanto nas ruas corremos da polícia, nós mulheres temos ainda uma outra ameaça. E quando nos separamos de nosso grupo de afinidade, de nosso bloco, temos isso em mente e nos nossos corações, porque desde que nascemos a ameaça e o abuso são institucionalizados, fazem parte do ar que respiramos.

Não meus amigos, sim, não amigas, amigos, especificamente para vocês, que nesta linguagem patriarcal me ignora, me exclui e me invisibiliza. Então: não meus amigos, não existe anarquismo sem feminismo. O patriarcado antecede ao capitalismo. E a atualidade continua patriarcal.Não existem práticas libertárias enquanto nós mulheres não formos livres.

Só seremos livres quando todas formos livres.
Não se ponham no caminho da nossa libertação.”

abuso de confiança

Retirado do fanzine confabulando. Ele pode ser baixado aqui. (reservas quanto ao conteúdo pró-pornografia)

Dorme na cama acorda na lama . O feminismo acabou?

Tenho lido/ouvido/falado bastante com amigues sobre violência sexual, física e simbólica, praticada contra mulheres em cenas libertárias. Violência sexual, assédio e estupro são temas que marcaram minha vida, e a de muitas amigas. A quase totalidade de mulheres que conheço não só passou por experiências sexuais indesejadas como teve a descoberta de sua sexualidade inaugurada por algum tipo de violação física (que quase sempre deixou resquícios traumáticos ao longo de nossas vidas).
Essas ocorrências são tão usuais e freqüentes que fico espantada quando conheço alguém que não passou, por exemplo, por abuso na infância. E acho muito legal que possamos contar umas com as outras pra criar espaços seguros em que podemos, pelo menos, conversar sobre isso – nos fortalece, ajuda a dizer “não”, nos ajuda a localizar ou expressar nossa raiva, uma certa vergonha e o medo que temos quando não conseguimos dizer esse não, quando nosso não é ignorado.
( recentemente tenho pensado mais sobre isso, sobre o cara que, do outro lado – quando esse lado não é “em cima de você -, não é um cara genérico, um desconhecido que passa por você na rua e se sente no direito de fazer isso ou aquilo com seu corpo, ou com o corpo dele, de maneira a te intimidar, agredir, abusar. não é o estuprador sem nome, o que passa rápido por você na rua e passa a mão na sua bunda, o que, de dentro do carro, te chama disso ou daquilo. estou pensando no cara que tem um nome, que sai com a gente, que é amigo de outras amigas, que é militante ou toca numa banda. um ‘brother’, não um agressor. e mesmo assim é ele que se aproveita de quando você tá bêbada, ou cansada, ou de saia – entendendo isso como um sinal de que você quer trepar com ele, não importando o que você diga -. como é que esse cara consegue fazer isso com a gente e simplesmente continuar sua rotina no dia seguinte? como ele vai pra um ato, pra uma gig, pra uma reunião de coletivo, ou vai tomar uma cerveja e, no buteco, comenta com outros amigos (ou algumas amigas) sobre a noitada de ontem, depois de ter estuprado alguém?
Como ele consegue tirar a roupa de uma pessoa que ficou pra dormir na casa dele porque tava muito cansada ou bêbada (e agora pode estar acordada e chorando) e porque confia nele, de alguma forma, e penetrá-la contra sua vontade, passar a mão nela, imobilizá-la, ignorar seus gritos ou apelos ou pedidos?
Fico lembrando de quando as meninas íamos de saia pra ver umas bandas e não só estávamos sujeitas a dedadas (no mínimo), como também poderíamos ser ‘xingadas’ de promíscuas (“vadia”, “galinha”, “puta”, “piranha”, “já comi”) porque estávamos lá com aquelas roupas. o problema sempre somos nós e nossas roupas. nós e nossos corpos. Eles é que são óbvios e ficam marcados.
Não é óbvio que tal cara seja um estuprador. ninguém se refere a ele como “o fulano que embebeda as minas e estupra elas depois”. muito em parte porque

1) Além da mina e do cara, poucas pessoas vão saber disso e
2) Isso nem é considerado estupro por muitos caras. é como se fosse a punição por estarmos de saia dormindo/bêbadas/cansadas/ali.
no caso das meninas que gostam de beber essa punição é ainda mais exemplar, ela tem ares de castigo mesmo, já ouvi dois relatos de ocasiões diferentes sobre festas em que meninas bebiam, desmaiavam de bêbadas e eram sistematicamente estupradas por vários caras. Como se beber até cair, no caso das mulheres, fosse um convite explícito aos caras pra que façam fila e metam na gente enquanto estamos desacordadas, e depois ainda fiquem nos chamando de piranha pelas costas, com um ar de “ela mereceu”. Fico muito tempo pensando em como eles conversam sobre isso. Se não sentem constrangimento nenhum. Como nós temos nossas redes formais/informais/implícitas/explícitas de solidariedade feminina, eles terão espaços pra conversarem sobre esse tipo de coisa? Eles conseguem conversar com alguém sem acoplar um ar de conquista sexual à coisa? Eles dizem “fiz uma merda ontem”? Porque não é de um cara tosco que estou falando, é de um que não toma refrigerante porque boicota multinacional, é um militante de uma luta por mundos em que caibam outros mundos, um cara que faz escolhas políticas bacanas. como ele lida com essa separação entre o que é privado e o que é público? Por que caras que são legais em diversas instâncias continuam capazes de reproduzir os papéis mais cruéis do patriarcado? … e esse tanto de reflexão me traz de volta ao segundo título do texto.
E tenho visto (e sentido também) o cansaço de muitas feministas (ou mulheres que militam contra o patriarcado mas acham o rótulo “feminista” inadequado). às vezes não temos mais disposição pra sermos chamadas de “radical” o tempo todo. “chatas”, “loucas”, “exageradas”. e nos cansamos de ignorar certas piadas, comentários e olhares em nome de uma convivência ok com algumas pessoas. Isso significa que o feminismo acabou? Está ultrapassado?
É admissível que uma cena que se diga libertária tenha espaços pra violência e abuso baseadas em uma idéia de que alguns corpos estão a serviço de outros? Por que os discursos de liberação sexual não são acompanhados por práticas de libertação de papéis e comportamentos limitantes, exploradores, hierarquizantes, colonizadores?
Ainda estou tentando lidar com meu próprio cansaço. e esse texto é isso mesmo, um amontoado de perguntas que não consigo responder.

Consenso

1.
primeiro vai pedir. depois vai tentar. depois vai forçar. finalmente, vai tomar.
saia preta blusa roxa ou calça preta blusa preta? tênis, tênis confortável pra dançar (mas também correr se eu precisar) perfume brinco brilho gel no cabelo? gel no cabelo, ‘definidor de cachos’.

ele diz que é seu amigo. você pensa que é seu amigo. você age como amiga, não quer ser chata mesmo dizendo não.

barulho suor uma luz branca irritante tontura cerveja! cerveja! cerveja, eu adoro cerveja! ele dança, chega perto, sorridente, displicência, finje desinteresse mas passando a língua na boca daquele jeito nojento você tenta parar de mexer o quadril de um jeito determinado pra ele não entender errado.

ele entende errado. só entende o que quer. não respeita o que você não quer. não te respeita.

mais cerveja! eu adoro cerveja, cerveja me deixa alegre, a música me deixa alegre, dançar me deixa alegre, meu corpo cheio & tão leve cada vez mais alegre cada vez mais perto mais preocupada meio tonta sem noção mas sem vontade, nenhuma vontade de ficar com ele, mas se eu der um beijo nele ele vai embora? elemedeixa quieta? ele vai atrásdeoutra?

não vai. não deixa. ele fica, continua, contra a parede agora você não pode dançar nem respirar direito a língua dele corre como uma mão sufocando um pescoço mas suaboca suorelha, a mão dele é como uma língua pegajosa dentro do seu decote, dentro do decote, decote? por que eu vim de decote?

você bebeu demais, ele também. ele quer vomitar. ele te pede pra ir lá fora com ele, pede ajuda porque tá passando mal. você pode aproveitar pra ir embora, mas se ele tiver mentindo, mas se for só uma desculpa pra ficar longe de olhos além dos seus, o que você vai fazer? ele também usando tênis bom pra correr.

Fazer Limpeza

texto sobre gestão de violência em movimento social, extraído del períodico de Barcelona “Antisistema” número 15, junho de 2008.

No marco do movimiento libertário existe uma tendência unificadora que fortalece a coesão interna de um grupo já suficientemente isolado e rejeitado pelo exterior para que possa por em dúvida sua própria coerência desde dentro. Desta maneira, apesar das múltiplas diferenças ideológicas, as richas entre organizações e as disputas pessoais, sempre será arriscado pôr em dúvida a Correção política de um companheiro sobretudo no que se refere a tratamento desigual ou vexatório às mulheres. No caso das mulheres é diferente já que ao não vir acompanhada sua militância com uma auréola de entrega e heroísmo comparável a dos caras, tampouco sua falta de coerência é um feito grave ao considerarse que é de esperar sua falta de madurez política e sua debilidade ante as adversidades.

Acusar um “militante destacado” de agressão física, sexual ou psicológica a uma mulher (seja ou não sua companheira) supôe, em geral submeter-se a um interrogatório por parte de um entorno que atuará judicialmente, contrapesando a validez e a gravidade dos feitos, assim como os possíveis atenuantes do agressor para sua conduta (atitude e modo de vestir da menina, uso de alcool ou drogas…). A dúvida e a desconfiança será o primeiro com que se encontrará uma companheira ao denunciar públicamente uma situação de abuso, em parte por causa da busca de coesão interna para prevení-la des-membração de um grupo suficientemente ameaçado pelos perigos externos (isolamento social, repressão policial ,… ) mas sobretudo pela desvalorização da palavra da mulher em um movimento altamente masculino e masculinizante e pela percepção de “assuntos privados” que ainda pervive respeito às problemáticas de violência contra as mulheres.

Mas a dúvida sobre se os acontecimentos ocorreram realmente não será a única coisa com que terá que se enfrentar uma mulher que denuncia públicamente, no marco do políticamente correto, uma agressão por parte de um militante ou de um homem do entorno político. As mulheres que militam em organizações, grupos ou centros sociais de cariz libertário ou alternativo se auto-impôem, em muitas ocasiões, uma férrea dureza emocional para poder igualar-se com os homens que dificultará a própria percepção como mulher abusada ou agredida. Uma mulher feminista ou não sexista deve ser uma mulher autônoma e forte, imagem que se contrapôe no imaginário coletivo com a vítima de abusos ou de violência que se percebe como uma mercadoria defeituosa; uma mulher com baixa auto-estima, vulnerável e inclusive com desequilíbrios emocionais ou psicológicos derivados da agressão. Quê mulher feminista gostaria de identificar-se com esses parâmetros? E mais: da onde nasce essa percepção moralizante e vitimista das agressões físicas, psicológicas ou sexuais às mulheres?

Se partimos da base de que as mulheres que devem resolver e combater as agressões de nosso entorno, mediante a solidariedade e o apoio por uma parte e mediante a dureza e a violência por outra, então também devemos nós mesmas refletir sobre a violência e de nossa cumplicidade quanto a algumas condutas ou crenças que podem conduzir a ela.

A confissão por parte de uma mulher feminista OU “não sexista” de ser vítima de abusos, ou ter sido vítima de agressão sexual ou qualquer outra forma de violência genérica, corre o risco de converter-se em um talk-show mórbido e lacrimógeno e, no melhor dos casos, quer dizer, naqueles casos em que a mulher disponha de um grupo de mulheres de apoio, é muito provável que apesar de partir das melhores intenções, se acabe vitimizando à mulher fazendo ela se sentir ainda mais vulnerável. A reflexão, o apoio e a afetuosidade devem ser primordiais ao abordar uma problemática de violência contra uma companheira mas isso não nos livra de ter em conta que nenhuma característica define especialmente as mulheres agredidas, todas e cada uma de nós estamos em perigo, uma de nós está em perigo, partir de essa premissa nos afasta do vitimismo.

Vamos lá amigal! Quê você esperava? Isso podia acontecer com você, vamos combater juntAs!

O mito do “isso aqui não acontece” que se faz evidente na dúvida ante a denúncia pública de uma mulher vítima de abusos ou agressão por parte de um homem do entorno
político, nega a realidade e prejudica as mulheres. A ninguém lhes ocorreria duvidar de um companheiro que afirma ter sido vítima de violência policial ou de ter sofrido uma agressão por parte de um grupo fascista e muito menos se exigiria a este explicar detalhadamente como ocorreram os acontecimentos de tortura para verificar sua autenticidade. Porém ante uma agressão sexista a uma mulher muitos homens e mulheres se dotam da legitimidade para duvidar o interrogar a agredida e inclusive minimizar os fatos ou relegá-los à categoría de “assunto privado”. Posto que o pertencer a um movimento político não é garantia nem de pureza nem de retitude moral ou política ao não existir mais condição de pertinência que a própria iniciativa e posto que os assuntos relacionados com a luta das mulheres são minimizados, ridicuralizados ou diretamente rejeitados, podemos supôr que em nosso entorno hajam muitos homens com escasso compromisso com os valores anti-patriarcais e que alguns deles podem exercer como agressores ante um entorno que justificaria ou minimizaria sua ação. A crença de que as agressões às mulheres sucedem mais além de nosso entorno político, entorno que se mostra desde esta perspectiva, limpo e distante dos valores morais patriarcais, nos deixa indefesas ao negar uma realidade que se impôe de maneira brutal uma vez atrás da outra.

Por outro lado, alguns feminismos estiveram alimentando a idéia de que as mulheres devem permanecer distantes e protegidas do risco que supôe viver em um corpo sexuado de mulher e que deve ser a proteção estatal, a compreensão institucional e as medidas positivas as responsáveis de salvaguardar nossa integridade. Esta crença que se corresponde com um feminismo institucional e anti-revolucionário impregnando as crenças de muitos outros movimentos de mulheres anti-sexistas que se escandalizam ante os sucessos de violência de gênero ao comprovar que a via dialogada, mixta e apaziguadora não provocou mudança alguma nos homens de nosso entorno político ou no melhor dos casos há gerado um espaço de tolerância restrita aos preceitos feministas. O feminismo deve esvaziar-se da correção casposa que vem arrastando há décadas, as mulheres feministas devemos afastar-nos de uma vez por todas da comodidade da correção política e as pretensões de “intocabilidade” e aceitar que enquanto isto não mude (e não parece que isso vá ocorrer tão breve) em qualquer espaço público ou privado, político ou corrente corremos um risco. Agora, esse risco não deve perceber-se desde o medo e a aceitação passiva senão que desde o combate; assumir que o risco forma parte intrínseca de nossa existência como mulheres é aprender a combatê-lo e sobretudo é não derrubar-se quando o risco se converte em agressão: assim é a guerra!

A percepção da luta anti-patriarcal desde uma perspectiva mixta elude o componente do risco. Os ambientes mixtos geram um falso ambiente conciliador o qual faz parecer que os homens compartem nossas mesmas estratégias e finalidades, des-legitimando o uso da violência por parte das mulheres ao considerar que esta é uma medida extremista quando a mediação parece dar bons resultados. Bons resultados que desvanecem quando as exigências por parte das mulheres aumentam e quando estas já não estão dispostas a viver ou militar sob o jugo masculino.

Desta maneira, quando surgem iniciativas separatistas e excludentes que defendem o uso da violência contra os homens que se proclamem em guerra aberta contra as mulheres, o resto não será capaz de unir-se por cumplicidade ideológica senão que o farão por solidariedade de gênero. Ou seja, a tendência marjoritariamente masculina
será a de outros homens fazendo filas em torno a outros homens (incluindo em torno aos agressores) antes de mostrarem-se solidários com as mulheres, como exigiria uma lógica coerência, já que isso colocaria em entredito sua masculinidade e seria uma falta grave de incumprimento da normativa hegemônica de gênero segundo a qual, a irmandade masculina deve permanecer unida.

Assumindo os riscos intrínsecos de nossa própria condição o logro de nossa autonomia virá condicionado a nossa capacidade de combatê-los. O uso da violência e a prática agressiva será primordial para nos defender ante uma agressão mas a des-vitimização e des-categorização das mulheres agredidas também vai supôr uma prática libertadora, ao minimizar o poder e o domínio masculino e nos situar em igualdade de forças combativas. Supôr por exemplo que uma mulher que tenha sido agredida não poderá superar este fato traumático, ou ainda que este ocorrido condicionará suas atividades, será mais frágil ou vulnerável, dota ao homem agressor de um poder extra-limitado e ao mesmo tempo, infantiliza a mulher agredida. Razão pela qual muitas mulheres omitem o fato de terem sido vítimas de agressões ao não querer apresentar-se perante as demais deste modo – ocorrência que invisibiliza muitos casos de violência.

Quantas de nós conhecemos a homens com altas doses de sexismo, homens de tratamento pejorativo com relação às mulheres, homens que consideram as mulheres como objetos e que em troca gozam de uma consideração e de uma valorização excelente por parte do restante? Um homem prototípicamente revolucionário, um cretino e caricaturesco macho enérgico e ousado com capuz negro e pedra na mão que adora os ambientes mixtos que lhe permitem pavonear-se e mostrar seus dotes mas que detesta os grupos de mulheres que o excluem ao mesmo tempo que prescindem de seus encantos de sedutor. Este ou qualquer outro prototipo que nos venha à mente, capaz de criticar a uma mulher ou considerá-la menos inteligente por vestir-se demasiadamente feminina, e inclusive mulheres que reproduzem estes mesmos padrões, são comuns em nossos entornos políticos.

A surpresa e desconcerto que geram os episódios de violência contra as mulheres em nossos entornos politizados se nutrem do desconhecimento e da hipocrisia. A negação, a aceitação e inclusive a falta de contundência nas respostas ante os mais mínimos indícios são covardes cúmplices da violência contra as mulheres, e neste caso, em todas nós há algo que em maior ou menor medida cheira a podridão.

Façamos limpeza!

Laura

 

zines, por ação antissexista

Versões prontas para impressão, em ordem de folhas (frente e verso – imprima as páginas pares no verso das impares):

Por que ela não está nem aí para sua Insurreição

nemaiinsurreição

“Por Que Ela Não Tá Nem Aí Pra Sua Insurreição é um texto que fala sobre machismo num contexto específico de Nova Iorque, na cena anarquista insurrecionária da qual a autora faz parte. Ela faz uma crítica sobre como o machismo está presente mesmo neste contexto, pois as mulheres enfrentam a opressão do patriarcado fora, mas também dentro de espaços anarquistas/libertários. Poderíamos dizer espaços supostamente anarquistas e libertários e não estaríamos sendo radicais, apenas sendo coerentes, pois não é possível que nestes espaços o machismo seja aceito, que seja uma opressão praticada como normalidade ou mesmo “apenas” ignorado. Não é possível ignorar o machismo. Isso só acontece porque existe interesse em manter as mulheres sob domínio dos homens. Lendo o texto percebemos que é uma situação análoga as cenas das quais nós também nos encontramos. Boa leitura.”

traduzido e editado por Ação Anti Sexista

baixar aqui

 

FILME BLOODMONEY: UMA DISTORÇÃO DA REALIDADE RACISTA DA CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

texto de panfleto produzido para protestar contra a exibição do filme “Blood Money, aborto Legalizado” que afirma que a legalização do aborto faz parte de uma conspiração para dizimar a população negra. O filme foi produzido por setores conservadores nos Estados Unidos e exibido no Brasil recentemente. O panfleto desmistifica a idéia do filme de que a legalização do aborto é racista. Pelo contrário, maiores vítimas de abortos clandestinos terminados em complicações reprodutivas e sexuais ou morte é a população negra e pobre.

noticia_394345_img1_cartaz-blood-30.09“As características mais comuns das mulheres que fazem o primeiro aborto é a idade até 19 anos, a cor negra e com filhos”

 

“Dez mulheres informaram ter abortado sozinhas e sem auxílio, quase todas eram negras, com baixa escolaridade e quatro delas mais jovens que 21 anos”.

“O aborto é comum entre mulheres de todas as classes sociais, cuja prevalência aumenta com a idade, com o fato de ser da zona urbana, ter mais de um filho e não ser da raça branca”.

 

“A esmagadora maioria de mortes por aborto registradas no SUS são de mulheres negras, pobres, muitas vezes já mães de família, e chefes de família.

A OMS afirma: uma mulher morre a cada dois dias no Brasil. Entre as causas está o aborto clandestino

 

“Um milhão de abortos são realizados no Brasil a cada ano, com 250 mil internações por complicações do procedimento.”


“22% das mulheres brasileiras de 35 a 39 anos, residentes em áreas urbanas, já fizeram aborto.”

Aborto legal, seguro e gratuíto é uma questão de saúde pública!

Proibir e criminalizar não impede que siga acontecendo. Apenas expõe mulheres a vulnerabilidade, e a prática clandestina e insegura, decorrendo daí muitas mortes por procedimentos mal sucedidos. A desigualdade social afeta o acesso à prevenção da gravidez e também a qualidade do aborto. No Brasil 70% da população pobre é afrodescendente, por conta da história de escravização. Logo quem mais paga o preço da criminalização do aborto é a juventude negra feminina, contribuindo para o que se chama “genocídio da juventude negra”.

São as mulheres negras que sofrem maior desassistência à saúde e menor acesso a direitos reprodutivos. Soma-se a isso, o racismo institucional de boa parte dos hospitais públicos, as mulheres negras que chegarem a um hospital em decorrência de um aborto mal sucedido, que é mais provável que ocorra para essa população que possui menor acesso a recursos financeiros e médicos ou a informação sobre saúde e educação sexual, mulheres negras sofrem muito maltrato por médicos e violências reprodutivas, sendo a população que também apresenta maior risco de mortalidade materna.

O conservadorismo sob o qual é constituído o Sistema de Saúde no Brasil impede que as unidades ofereçam um tratamento humanizado para mulheres que praticam aborto clandestino. Não é incomum ouvir casos de equipamentos deixados propositalmente nos úteros de mulheres que abortaram, para castigá-las pelo ato, além de outros constrangimentos físicos e morais aos quais estas mulheres estão suscetíveis.

Quem tem poder econômico paga, e muito bem, pelo aborto em clínicas clandestinas. São as mulheres pobres que morrem devido ao aborto mal feito.

Não podemos culpabilizar as mulheres que realizam abortos porque não existe verdadeiro acesso a informação e educação sexual e tampouco a assistẽncia em saúde. Nas relações entre homens e mulheres numa sociedade machista as mulheres possuem menor poder de negociação e decisão, nem sempre podendo se cuidar adequadamente em suas práticas sexuais.

Portanto a ilegalidade do aborto é que leva ao extermínio e criminalização da juventude negra, e não sua realização, constituindo mais uma das manifestações de racismo da sociedade brasileira.

EDUCAÇÃO SEXUAL PARA DECIDIR
MEIOS CONTRACEPTIVOS PARA NÃO ABORTAR
ABORTO LEGAL PARA NÃO MORRER

fontes:

  • Mulheres pobres e negras são as mais prejudicadas pela ilegalidade do aborto, 22/08/2011
  • Mulheres negras e pobres são mais vulneráveis ao aborto com risco, mostra dossiê. 24/06/20
  • Legalizar o aborto no Brasil pelo combate ao genocídio da população negra, por Marcha Mundial das Mulheres, 25 de Setembro de 2013.

mais infos:

o aborto é um negócio nos estados unidos
porque todo o sistema de saúde lá é privado. o modelo que defendemos é de
aborto legal realizado pelo SUS. esse modelo é muito mais próximo do de
portugal, onde comprovadamente o número de abortos diminuiu depois da
legalização. isso porque as mulheres tiveram mais acesso à informação, e em
vez de uma atitude desesperada, a interrupção da gravidez se tornou uma
opção consciente.

Uma discussão sobre o problema da Hostilidade Horizontal

Texto que fala sobre a violência, agressividade e destrutividade que ocorre entre feministas. Faz um análise do fenomeno e propôe que tenhamos condutas e auto-crítica que dêem conta desse problema para cuidar as nossas comunidades e lutar os verdadeiros inimigos.
baixe aqui o pdf

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Denise Thompson
– Novembro 2003

Este artigo não foi oferecido para publicação ou apresentado verbalmente. Foi escrito em resposta ao pedido de uma amiga sobre minhas próprias idéias sobre a hostilidade horizontal, em um momento em que ela sentia a si mesma lutando com o tipo de coisas discutidas aqui. Eu sei cuando terminei de escrever – março de 1993 – porque eu pûs data.

O termo, ‘hostilidade horizontal’, foi cunhada por Florynce Kennedy, em seu artigo de 1970, ‘Opressão Institucionalizada vs. a Fêmea’, impresso na antologia editada por Robin Morgan, “Sisterhood is Powerful” (“A Sororidade é Poderosa” 1, Penelope, 1992: 60). É um termo que data bem desde o começo da Liberação das Mulheres (seja em US ou onde quer que seu artigo haja sido lido). E se o nome é tão velho quanto a Liberação das Mulheres, o problema é ao menos tão velho, senão mais velho que este.

A Hostilidade Horizontal é uma forma de poder-como-dominação entre e em meio às mulheres. Por isso o melhor contexto a discutir isso é em termos de relações de poder entre mulheres.

O projeto feminista de identificar e desafiar a dominação masculina não significa que somente homens oprimen mulheres, e que mulheres são automaticamente isentas de valores, atitudes e comportamentos supremacistas masculinos, e nunca se comportem mal com outras mulheres. É importante manter em mente o principal inimigo, isto é, a dominação masculina. Mas porque a opressão é institucionalizada, e porque ela constitui o status quo e supostamente o mundo, é sempre muito fácil cair em maneiras impensadas de comportar-se que reforçam padrões de dominação.

De qualquer maneira, porque as mulheres são subordinadas e os homens são dominantes sob condições de supremacia masculina, os padrões de dominação típicos das mulheres são sistematicamente diferentes daqueles de homens, ou seja: são menos diretos, dissimulados, menos visíveis e ativos. O comportamento feminino que reproduz sentidos e valores supremacistas masculinos vai tender também a dar evidência da posição subordinada desde a qual as mulheres estão atuando, muito embora as as ações mesmas envolvam auto-agrandecimento as expensas de outra. Por isso hostilidade horizontal entre e em meio a mulheres tipicamente involve formas de poder-sobre que vêm desde uma posição de debilidade, não de força.

Hostilidade Horizontal pode envolver bullying para submeter alguém que é mais privilegiado em uma hierarquia das relações sociais supremacistas masculinas antes que aquela que acossa. Pode envolver tentativas de destruir a boa reputação de alguém que tem mais acesso aos níveis mais elevados de poder que aquelx que está espalhando o escândalo. Pode envolver tornar alguém responsável da opressão de outra pessoa, mesmo que ela também seja oprimida. Pode envolver demandas invejosas de que outra mulher pare de usar suas próprias habilidades, porque o sucesso de alguém melhor colocado que você mesma ‘faz’ você se sentir inadequada e sem valor. Ou pode envolver tentativas de silenciar criticismo por atacar aquela percebida como fazendo o criticismo. Em termos gerais, envolve percepções confundidas da fonte da dominação, localizando esta em mulheres que não estão comportando-se opressivamente (na medida de que não estão, claro). E isso é inspirado por ódio, aquela primeira força motivadora que mantém o motor da supremacia masculina rodando.

Florynce Kennedy foi direto ao coração da questão quando ela colocou sua discussão da hostilidade horizontal no contexto de consentir na opressão de uma mesma. Ela não estava argumentando que esse ‘consentimento’ era a causa da opressão. Muito embora ela disesse que “não pode haver um sistema realmente tão pervasivo de opressão, como aquele dos Estados Unidos, sem o consentimento d* oprimid*’ (p.492), ela não queria dizer que se parassemos de consentir o mesmo simplesmente desapareceria. Mulheres não consentem estupro, por exemplo, mas isso não há marcadamente diminuido sua ocorrência. Ela estava consciente de que mulheres não eram responsáveis por sua própria subordinação. Ela porém quis apontar que aquela opressão não era somente coagida ou violentamente forçada, mas que uma ordem social opressiva requeria um certo degrau de cumplicidade para sua continuada existência.

A cumplicidade requerida de nós sob condições de supremacia masculina é cumplicidade na ideologia da debilidade feminina. Mulheres devem ser ‘fracas’ para que então homens possam ser ‘fortes’. A força de homens é adquirida às expensas das mulheres. Esse requermento ideológico da fraqueza feminina não vá incontetada mesmo sob as condições do dia-a-dia da realidade falocrática.

Mulheres constantemente resistem a subordinação à homens de maneira a sacar alguma liberdade de ação e influencia própria. Maneiras convencionais de resistir, porém, reinforçam antes de desafiar o status quo. Derrotar o opressor em seu próprio jogo, por exemplo, deixa as regras do mesmo intactas, mesmo quando uma mulher ocupa a posição mais alta na hierarquia. As perspicácias e seduções femininas inflam o ego masculino ao mesmo tempo em que elas conferem as mulheres benefícios a curto-prazo. Lágrimas e tantras, ou frieza e afastamento, podem fazer ele ser mantido sob controle temporariamente, mas ele usualmente possui algum lugar mais para ir uma vez que o mundo é construído em sua própria imagem e semelhança. Mesmo quando uma muher individual maneja derrotar um homem individual ou homens, o que surge não é um relacionamento de igualdade. O papel da mulher ‘dominadora’ é permitido por dentro da forma falocrática de vida, seja como uma maneira de intimidar mulheres a subordinação – a ‘vadia’, a ‘histérica’, a ‘enchedora de saco’, a ‘fêmea castradora’ – ou como uma form de erotizar culpa masculina, por exemplo a ‘dominatrix’ no encontro sexual sadomasoquista. Paradoxicalmente a ideologia da fraqueza feminina requere uma grande quantidade de violência para ser mantida. Hostilidade Horizontal é o uso em meio às mulheres dessas técnicas desenvolvidas no contexto de resistencia ao poder masculino. A intenção é induzir a submissão a outra que é percebida como enormemente poderosa, enquanto que, ao mesmo tempo, reforçar a idéia de que mulheres não podem ter poder.

Kennedy mencionava como ‘mulheres sendo utilizadas como agentes para opressores’ (p.493), mas sua discussão sobre hostilidade horizontal, que ela também chamava como ‘descarte’2, era tentadoramente breve. Ela não dava exemploss da ocorrência disso entre feministas. Ela tinha mais a dizer sobre o controle do self, que sobre as maneiras nas quais tentamos controlar umas às outras. ‘Mulher’, ela diz, ‘em sua condição consentual cabeço-lavada frequentemente atuam fora de seu papel de mãe rondante sem nenhuma pressão notada de ninguém. Observe ’notada’ (p. 494). Ela, de qualquer forma, se referia à parte jogada pela ‘hostilidade horizontal’ na ‘demolição … de alguns grupos políticos radicais, e é triste dizer, alguns grupos de liberação de mulheres’ (p.495). Ela sigue adiante para dizer que isso é parte das ‘Técnicas de dividir-e-conquistar do Establishment’:

“Pessoas oprimidas são frequentemente bem opressivas quando primeiramente liberadas. E porque não deveriam ser? Elas sabem bem ambas posições. A bota de alguém no seu pescoço ou a bota del*s no pescoço de alguém… mesmo se est*s se agrupam juntos na atmosfera fria, úmida da sua recém descoberta libertação… mulheres… muitas vezes se chocam umas com as outras antes de aprender a compartir e disfrutar sua recém descoberta liberdade (pp. 495-6).”

Suas sugestões sugeridas são também breve e não-elaboradas. Ela diz:

“Para evitar esses efeitos destrutivos da hostilidade horizontal, as mulheres necessitam um despertar político e/ou social da patologia do oprimido quando confrontadas pelos expertos do ‘dividir-e-conquistar’” (p.495).

Ela também sugere abster-nos de enfuriar-nos com individualidades, e ao invés disso, dirigir nossa raiva a alvos mais apropriados, isto é, sistemas e instituições ao invés de pessoas.

“Chutar o balde” – ela diz, “deveria ser apenas para onde há um balde protegendo o Sistema” (p.499). Esse comentário mostra que ela estava consciente que suas soluções sugeridas eram menos que perfeitas, uma vez que as instituições funcionam por meio de ações, atitudes e compromisso de individualidades. Contudo, suas recomendações servem como um alerta para nós para manter em mente o inimigo principal. E a despeito da brevidade de sua explicação, está claro que ela considerava a hostilidade horizontal como uma forma de ‘poder sobre’ recriado por mulheres contra mulheres, e que essa invariabilidade servia aos interesses do opressor e trabalhava contra os interesses das mulheres. Neste sentido, era uma re-elaboração dos padrões de comportamento dominantes adquiridos como um resultado da participação na realidade falocrática.

Julia Penelope está de acordo substancial com Florynce Kennedy. Ela também vê isso como uma forma de consentimento para opressão. Ela se refere a isso como ‘opressão internalizada’, e descreve como:

“Hostilidade Horizontal é o melhor método do heteropatriarcado para nos manter em ‘nossos devidos lugares’; nós fazemos o trabalho dos homens e suas instituições por eles… (…) ela nos faz direcionar nossa raiva – que surge de nosso estatuto marginal e subordinado no heteropatriarcado e que deveria ser dirigida à nossos opressores – à outras Lésbicas e mulheres, porque sabemos que é mais seguro… Elafunciona para garatir nossa continuada vitimização dentro dos nossos próprios grupos, e nos mantêm silenciadas quando a maioria queremos falar; nos mantêm passivas quando a maiora queria desafiar, porque não queremos ser o alvo da raiva de outra Lésbica.” (Penelope, 1992: 60).

Insultos

Uma das formas de hostilidade horizontal discutidas por Penelope é o ‘chamar de’. Ela diz que o insulto é ‘um substituto medíocre à análise reflexiva’ (p65). Ela pontua que o chamar alguém de algo é fácil. Fácil de fazer, fácil de acreditar e fácil de lembrar, porque, como ela diz, ‘requere absolutamente nenhuma reflexão, nenhuma análise, e nenhuma justificação’ (p.69). Rotular outros com nomes como ‘Nazi’, ‘facista’, ‘racista’, ‘etarista’, ‘classista’, ‘polícia sexual’ 3, ‘puritanas’, ‘moralistas’, etc. é também perigoso se é bem sucedido em conseguir o que isso pretende, isto é, intimidar aquelas etiquetadas em silêncio e parar qualquer desafio ou debate. Aquelas que acreditam que estes nomes dizem algo certo sobre aquelas que foram rotuladas, sem pensar sobre o que essas palavras significam, ou sem perguntar por substância ou evidência, também participam em hostilidade horizontal, mesmo se estas pessoas não são as originais rotuladoras. O xingamento busca destruir a boa reputação daquelas pessoas rotuladas, controlar seus pensamentos e ações, e aterrorizar elas ao silêncio. Trivializa os verdadeiros horrores do facismo, racismo, opressão classista e supremacia masculina, e diminui as agonias daquelas e aqueles que hajam sofrido mais sob esses regimes. Embaça distinções importantes entre, por um lado, aquel*s que, como supremacistas brancos, neo-Nazis, ideológos supremacistas masculinos, violadores, etc., que advogam, glorificam e praticam violência e comportamento desumanizante sobre aqueles que estes definem como ‘inferiores’, e aquelas de nós que, por outro lado, podem reter atitudes racistas, etc., atitudes a despeito as nossas melhores intenções. E estabelece distinções preconceituosas entre nós mesmas por meio de enfatizar aquelas opressões que nos dividem, às expensas de e para a exclusão da opressão que temos em comum como mulheres e lésbicas

Sentimentos não são o suficiente

Outro tipo de hostilidade horizontal que Penelope discute é o uso de ‘declarações psicológicas’ (psych-predicates). Essas são formas de uso de linguagem que descrevem como nos sentimos sobre e reacionamos às demais, de uma maneira que atribui uma fonte desses sentimentos a alguém. Dizer de alguém que ela é ‘intimidante’ por exemplo, Penelope diz, ‘requere a experiência do sentimento específico nomeado pelo verbo para descrever a ela mesma como um objeto a ser atuado sobre pelo comportamento ou atitude de alguém’ (p. 73). O uso de predicados psicológicos permite àquela que o diz a evitar responsabilidade pelos seus sentimentos, e pôr essa responsabilidade em alguém. Também permite atribuir intenções à suposta ‘intimidadora’ que esta pode não ter, e acusar ela do desejo de dominar que ela pode não querer, e assertar que a visão daquela que denuncia como a única interpretação possível. Falar sobre este processo em termos de uso de linguagem, Penelope diz, não é negar a realidade de nossos sentimentos. É, ao invés disso, alertar-nos de que é sempre fácil culpar a outras e acusar falsamente – a linguagem é construída para isso. Penelope comenta de que o uso de tal linguagem ‘mantém a ficção heteropatriarcal de que somos emocionalmente dependentes’ (ibid.). Eu acrescentaria que isso também reforça a crença de que somos fracas e desprotegidas e completamente à merce de outros todo-poderosos. Porque tal desproteção tende a ser defendida, tendemos a atacar de maneira a aniquilar aquelas que percebemos como a fonte dessa sensação. É esse senso de desproteção que é a verdadeira fonte da hostilidade horizontal. Isso é sugerido por algo que Vera Ray diz em seu artigo ‘Uma investigação da Violência em relações diadicas Lésbicas’. (Ray, 1991). Ela diz que, muito embora haja similitudes entre o abuso de mulheres por homens em relações heterossexuais e a violência em relações lésbicas, há uma diferença crucial. Onde o homem usa violência para manter e reforçar sua dominação na relação, a agressora lésbica usa violência para ‘equalizar’ o que ela percebe como um desbalance de poder. Ela percebe a ela mesma como ‘fraca’ e sua parceira como ‘forte’, e ela a ataca de maneira a demolir aquela ‘força’ que ela (erroneamente) sente que é a fonte de sua própria ‘fraqueza’. Isso não excusa a violência, como aponta Vera. Ninguém ‘merece’ ser agredida. Mas isso indica que a violência entre mulheres origina-se na debilidade e não na força. Como Vera coloca, nesta instância mulheres ‘são corrompidas por um senso de falta de poder’ (p.46). A mesma observação foi feita por Joanna Russ em seu artigo ‘Poder e Vulnerabilidade no Movimento de Mulheres’ (Russ, 1985). Neste artigo, Russ critica o que ela chama ‘o grande Imperativo Feminino’, a expectativa de que ‘mulheres são supostas fazer as outras pessoas sentirem-se bem, a suprir a necessidades de outres sem ter nenhuma necessidade própria’ (p.43). Ela descreve com este imperativo é enforçado nas mulheres por outras mulheres por meios de sindrome de “Mamãe Mágica/Irmã temblante”. Uma ‘Irmã temblante’ (IT), ela diz, é uma mulher que abraçou sua própria indenfensidade e inefectividade de maneira a evitar a culpa servicial de satisfazer suas próprias necessidades, exercitando suas próprias habilidades, e alcançando seu próprio sucesso. Uma IT elevada ao status de ‘Mamãe Mágica’ (MM) qualquer mulher que alcançou algo que ela mesma foi incapaz de alcançar. Ela culpa a MM pelos maus sentimentos que ela tem sobre sua própria falta de conquistas, e procede para demandar que a MM tome conta dos sentimentos feridos (da TS), e tome conta dela. Uma vez que isso é impossível, a IT se torna enfurecida e ‘lincha’ a MM. A MM, que a esse ponto pode haver estado inconsciente de seu status ‘mágico’, cai na cilada ela aceita a visão da IT. Ela se torna uma MM por meio de reaconar com culpa, por tentar abrandar os sentimentos feridos, por desculpar-se por desprezar seus próprios ganhos, empreendendo-se em ajustar tudo e fazer todo mundo se sentir bem. Dada a impossibilidade disso, sua resposta atual é medo e paralisia face aos permanentes gritos de raiva da IT.

Russ sugere que o caminho para fora do círculo vicioso de culpa, auto-recriminação e paralisia para as mulheres é reclamar nossas próprias conquistas e valor próprio. A IT precisa dar-se conta que, embora seus sentimentos de desolação podem ser resultado de relações de poder fora do seu controle, eles também podem não ser. Ela precisa aprender que ela retém sua própria agência moral mesmo sobre condições de opressão (usar o conceito desenvolvido por Sarah Hoagland-Hoagland, 1988), e que há ainda algumas coisas que ela pode fazer, que ela ainda tem alguma responsabilidade, mesmo que sua liberdade de ação é constrangida por condições objetivas.
Ela precisa aprender que atribuir enormes quantidades de poder a outra muher é uma ilusão, assim também é seu sentido de que ela mesma é completamente desamparada. E ela precisa aprender que o oprimido também pode ser opressivo. Não apenas pode o oprimido partilhar, ainda que minimamente, dos estatus e privilégios dos dominantes às expensas de outr*s oprimid*s, mas também oprimid*s também possuem maneiras de manipular os dominantes. A IT precisa proteger-se usando essas técnicas contra outras mulheres, técnicas de dissimulação vitimista, de birras, de demandas de que alguém resolva seus problemas para ela, e considere seus sentimentos feridos à exclusão de seus próprios projetos.

A MM, por outro lado, precisa aprender que ela não é infinitamente disponível, incomensuravelmente suportiva, eternamente paciente, ou seja, que ela não é a ‘mamãe’ de ninguém (no sentido supremacista masculino de absoluto auto-sacrifício). Ela também precisa aprender que, como Russ coloca, ’sentimentos de culpa não automaticamente significam que ela está para ser culpada de tudo, ou mesmo de qualquer coisa que seja, e deve portanto fazer reparação por meio de colocar tudo em ordem. A culpa é tão endêmica na população feminina, e funciona tão sistemicamente para manter mulheres a serviço dos homens, que ela pode simplesmente ter mudado para o seu partilhamento do padrão generalizado. Neste caso, desde que não há nada para corrigir, ela deve simplesmente lidar com os sentimentos de culpa até eles irem embora.

Como reconhecer Hostilidade Horizontal

É importante distinguir entre hostilidade horizontal e criticismo genuíno, porque o criticismo é geralmente confundido com hostilidade. Enquanto que o criticismo infundado é destrutivo e paralisante, o criticismo é ainda assim necessário se o feminismo está para continuar crescendo e se desenvolvendo e mantendo-se relevante, e não degenerar-se em um dogma papagaiante. Enquanto o feminismo necessita criticismo, ele não precisa o terrorismo irracional da hostilidade horizontal. Enquanto ambos podem se sentir daninhos e humilhantes, a hostilidade horizontal é duramente cruel, não tem outra motivação que não seja a de machucar. É uma cega castigação e criação de bode expiatórias daquelas que estão acessíveis porque elas não são tão diferentes em poder e privilégio. Criticismo, por outro lado, não possui a intencionalidade de ferir, mas de remover as névoas e desmascarar a verdade da questão. É considerado e considerante. Envolve um intento genuíno de trabahar o que está indo, e mostra consideração pela outra por meio de não ser deliberandamente e cruelmente ingentil. Assim que possível, é caracterizado por uma discussão considerada, bem pensanda e substancial.

Mesmo que isso não seja sempre possível, especialmente no calor do momento, o criticismo é até o último momento sincero nas questões que coloca. Não é uma competição sobre quem esta certa e quem está errada, sobre quem vence e quem perde. Ao invés disso, o criticismo está preocupado em desvendar a verdade, e está oposto à mentiras, segredos e silêncios, trapaças e rumores sem substância. Não é necessário ter tudo ordenadamente trabalhado antes de expressar dúvidas. Mas é vital perguntar para saber e avaliar as reações de uma própria. É importante perguntar a si mesma questões como: Estou sentindo-me ameaçada pelo que ela está dizendo? E se for, por quê? Estou justificada em sentir-me incômoda? Qual é a fonte de meu desconforto? Há suficientes evidências? etc.
Algumas vezes as questões vão ter respostas imediatas. Mas reservar julgamentos é também uma forma de criticismo, e uma maneria de recusar-se a engajar em hostilidade horizontal.
Enquanto criticismo é caracterizado por uma busca cuidadosa do sentido do que está sendo dito, a hostilidade horizontal é sem sentido, porque a informação contida em um nome indecente é tão esparsa. Quê significa, por exemplo, chamar a outra feminista de ‘racista’ ou ‘classista’ ou ‘fascista’, sem ir além em justificar isso e dar razões? A palavra ‘facista’ tem algum significado aplicado a outra mulher, dada a história do Facismo e os males perpretados sob sua influência? A acusadora deve estar clara de sua própria mente sobre o significado dos termos que ela aplica a outra mulher, e a forma particular ou as formas nas quais a acusada foi ofendida. É melhor permanecer em silêncio, que ganhar uma vitória fácil sobre outra mulher que provavelmente já tem um vasto estoque de culpa generalizada pela acusação para acionar.

Deve ser assumido que essas recomendações são relevantes não somente para aquelas com treinamento em pensar, argumentar e raciocinar, isto é, aquelas com educação terciária. Mas podemos todas pensar. Não é uma técnica confinada às instituições do ‘alto saber’. Todas podemos também saber nossas próprias mentes. Podemos todas separar verdade de falsidade, o inimigável do amigável, o que é meramente confuso ou ignorante daquilo que é deliberadamente errado. Um bom argumento não é necessariamente um sofisticado e largo. Todas podemos dar razões pelo que fazemos, mesmo se não estamos inicialmente conscientes das razões e que tome algum tempo para encontrá-las. E todas somos capazes de entender que cometemos erros, reconhecendo eles e aprendendo deles. Todas somos capazes de decidir se há ou não suficiente evidência, e de reservar julgamento até que possamos fazer uma que seja informada. Todas somos capazes de substanciar o que falamos, e de confirmar nossas asserções com as evidências. Também somos capazes de respeitar a boa reputação de cada uma. E somos todas capazes de examinar nossos próprios motivos. Longe ed ser o caso de que essas habilidades estejam confinadas a uma elite pequena, é vitalmente importante que todas feministas as desenvolva. Fracasso em fazê-lo nos mantera na cilada dos jogos de poder da ideologia supremacista masculina

Como evitar Hostilidade Horizontal

Por ‘evitar hostilidade horizontal’, eu não quero dizer encontrar maneiras de evitar ser submetida a isso, ou proteger alguém de ser submetida a isso. À medida de que ela não se origina comigo, não há nada que possa fazer para pará-la de acontecer. Se não é meu comportamento, a decisão de se engajar-se ou não nisto não é minha para fazer. Há, é claro, numerosas maneiras nas quais eu poso reagir uma vez que ela aconteceu, e essas maneiras podem ser mais ou menos apropriadas, mas ou menos deliberadas, mais ou menos empoderantes. Eu posso reagir com vergonha ou culpa, e permtir que isso me silencie; ou posso aceitar as coisas negativas ditas sobre alguém, sem pensar e sem perguntar por verificação e evidência. Ou podemos engajar em batalhas verbais que podem terminar ou não em uma inimizade de longo termo e recusa em nunca mais falar-se uma com a outra novamente.
Alternativamente, a batalha deve limpar o ar e acabar com uma convencendo a outra, ou com um acordo em discordar. Ou pode ser legal, desapegado, respeituoso e razoável, requere que a outra dê suas razões pelo que ela está dizendo, e avalie as razões para o melhor da minha habilidade. Na ausência do que eu sentiria como razões adequadas, eu posso suspender julgamento a menos que haja suficiente evidência. Mas se a razão falha em convencer, nada mais vai funcionar sequer. Mas se eu não posso parar outras de serem hostis, eu posso recusar a engajar-me em hostilidade horizontal eu mesma. Eu posso tomar conta para não cair em padrões automáticos e impensados de dominação. Eu posso perguntar a mim mesma, como Julia Penelope diz, se eu realmente quis dizer o que eu disse. Eu posso perguntar eu mesma se o que eu digo é verdade. Eu posso peruntar quais são minhas motivações – Estou buscando apenas machucar, humilhar, e demolir, ou estou defendendo o que eu acredito, tentando esclarescer coisas, tentando ajustar o filme? Eu respeito a ourta mesmo se eu discordo dela, mesmo se eu sei (ou eu penso que sei) que ela está errada?
Precisamos estar aptas para decidir o que é hostilidade horizontal e o que não é. Precisamos exercitar uma grande quantidade de cuidado em discernir comportamentos que podem ser justificadamente identificados como opressivos, abusivos ou dominantes, dos quais não são. O processo de discernição requeere auto-conhecimento, uma habilidade de pensar problemas, e um certo degrau de desapego dos sentimentos como raiva, humilhação e vingança. Também requere auto-respeito e respeito pelos demais. E isso requere a rejeição da violência, física ou verbal, e uma maneira de endereçar percebidos desbalances de poder. A tarefa crucial neste contexto é desenvolver maneiras de decidir quando estamos justificadas em perceber outras mulheres como comportando-se opressivamente e quando elas não estão, e de discernir os métodos apropriados e inapropriados de lidar com aquele comportamento. Acima de tudo, envolve identificar supremacia masculina como o inimigo principal, e reconehcer que os valores e significados desta ordem social são o status quo a menos que estejamos conscientemente comprometidas na sua recusa.

  • * *

1 Usei o termo ‘sororidade’ embora a tradução direta pudesse ser ‘irmandade’ porque o termo sororidade está mais difundido e reconhecido pelas pessoas, equanto ‘irmandade’ pode ter outras conotações que não são tão agradáveis para a intenção do termo em inglês que é o reconhecimento das outras mulheres como companheiras ou a identificação entre mulheres.

3 Fazendo um paralelo pra pensar hoje em dia, outras formas atuais de censurar o debate e a reflexão feminista é acusar feministas (radicais por exemplo, ou mais críticas ou que pensam criticamente sexualidade e as políticas de identidade atuais) de ‘transfóbicas’, ‘cissexista’, ‘moralistas’ (termo que todo homem acusou feministas, baseado na sua cultura de estupro) ou o termo atual ‘polícia feminista’. Gostei que em um encontro quando houve uma assembléia sobre consentimento e acordos coletivos, alguém usou isso de acusar de polícia a delimitação de limites de alguém, essa pessoa foi imediatamente cortada por essa amiga que disse ‘Não gente, a polícia não está aqui, ela não veio, ela não está nesse encontro’. Temos que lembrar que é muito forte e difamante quando alguém é acusada de coisas graves ou associadas com figuras fortes de maltrato como policiais. Pensemos se não é forma de hostilidade horizontal, e de que certas opressões como a transfobia são exercidas não por individualidades como outras feministas senão por instituições. Dá a parecer que a transfobia é uma prática de certas feministase os esforços se concentram mais sobre essas que sobre o Estado e suas instituições que mantém e perpetuam a transfobia que mata travestis e trans, enquanto que algumas feministas somente querem se reunir entre mulheres biológicas e lésbicas por motivos até bastante plausíveis.
Outro exemplo é aquele cartaz que diz ‘Microfacismo em cada coração anti-trabalho sexual’, ataques deste tipo recebem feministas com uma perspectiva abolicionista do que entendem como sistema prostitutinte e, a despeito do debate que se queira instalar, é outra forma de desqualificação, bastante parecida com a acusação de ‘feminazi’ que vem sendo por sorte ridicularizada. Entendo todos esses ataques e desqualificações fáceis e discursos vazios e desonestos como misoginia e anti-feminismo (Nota da tradução).

References
Hoagland, Sarah (1988) Lesbian Ethics: Toward New Value Palo Alto, CA: Institute of
Lesbian Studies
Kennedy, Florynce (1970) ‘Institutionalized Oppression vs. the Female’, in Morgan, R., ed.
Sisterhood Is Powerful New York: Vintage Books/Random House
Penelope, Julia (1992) ‘Do We Mean What We Say? Horizontal Hostility and the World
We Would Create’, in Penelope, J., Call Me Lesbian: Lesbian Lives, Lesbian Theory
Freedom, CA: The Crossing Press
Ray, Vera (1991) ‘An Investigation of Violence in Lesbian Dyadic Relationships’ Journal of
Australian Lesbian Feminist Studies 1(1), pp.40-48
Russ, Joanna (1985) ‘Power and Helplessness in the Women’s Movement’, in Magic Mommas,
Trembling Sisters, Puritans and Perverts Trumansburg, NY: The Crossing Press

Como a polícia reforça a cultura de estupro

por stavvers

texto que fala papel que a polícia joga na legitimação da cultura de estupro

+Aviso de acionadores: esta postagem discute estupro, cultura de estupro e abuso de poder.+
A polícia, como sabemos, tem uma terrível e larga história com relação ao estupro. Alegações são muitas vezes não tomadas a sério e, em algumas situações, a polícia ativamente fabrica papéis para fazer os casos sumirem. É dificilmente uma surpresa o fato de que a vasta maioria dos casos de estupro não sejam reportados.

A mulher que foi desapontada pela polícia depois de ter encontrado a coragem para reportar seu estupro sabe isso muito bem, e três delas estão processando o funcionário pelo tratamento que receberam. Duas requerentes foram atacadas pelo estuprador serial John Worboys que poderia ter sido capturado anteriormente se a polícia tivesse escutado às mulheres.

A polícia não escuta. Porém, o oposto também é verdade

“Isso soa nos meus ouvidos ainda, o oficial dizendo ‘um taxista não poderia fazer isso'” ela (uma sobrevivente) diz.

“Isso parecia como se eles não quisessem saber. Em meus sonhos, eu gritava ‘por que você não acredita em mim?'”.
Meu coração dói por essa mulher. A esmagadora descrença em seu relato, depois de que uma violação horrificante ocorreu.

O comportamento do policial aqui é uma das manifestações mais declaradas da cultura de estupro: não acreditar na sobrevivente. Talvez o oficial tenha atuado de boa fé, não querendo maliciosamente jogar fora um caso de estupro (como muitos tiveram). Talvez o oficial apenas absorveu algumas frases de estoque e atitudes da cultura de estupro.

Isso não faz diferença. O policial possui uma posição única de poder: de última, eles decidem se eles vão se incomodar em ajudar uma sobrevivente. Cada momento da lógica da cultura de estupro está fracassando para a sobrevivente que pediu socorro. Cada investigação capenga e mal feita está falhando com a sobrevivente. Cada documento fraudulento jogado no caso está falhando com a sobrevivente. Estas sobreviventes escolheram perseguir um certo curso de ação, ativamente engajando-se com o estado para pedir o auxílio deste.

E eles estão falhando com esta.
Quem se beneficia destes arranjamentos? Estupradores. Cada vez que isso ocorre, as coisas se tornam um pouco mais fáceis pros estupradores. Elessabem que podem se sair bem dessa. Eles sabem que as chances estão a seu favor porque o estado os vai ajudar nessa.

A cultura de estupro apenas sempre beneficia estupradores, e a polícia está usando seu poder para reforçar isso.

Entre 2008 e 2012, houveram 56 casos documentados de estupro, agressão sexual e assédio. Em muitos destes casos, as reclamações foram encobertas e a sobrevivente desacreditada. Em um número assustadoramente largo dos casos, nenhuma acusação criminal foi sequer trazida. É duramente surpreendente, então, que a polícia possua um interesse implícito em manter a cultura de estupro em uma gritante boa saúde: eles estão se beneficiando disso.
Eu sou totalmente crítica da noção de que o poder que a polícia possui possa ser usado para o bem, para ajudar a superar a cultura de estupro desde cima. No melhor dos casos, a polícia pode apenas ser tão progressista quanto a sociedade que a gerou, então eles estarão ainda pisando na cultura de estupro. Isso sem calcular os efeitos psicológicos que tornam todos policiais em bastardos.

Há um vasto caminho para a melhora depois da revolução, no entanto. Eles podem, muito facilmente, parar de tão ativamente reforçar a cultura de estupro começando por uma posição de sempre acreditar na sobrevivente, mesmo que seja seu parceiro o acusado. Eles podem, muito facilmente, na verdade se importar em investigar os casos de estupro apropriadamente, respeitando a coragem da sobrevivente de ter seguido adiante com a denúncia. Melhoras são possíveis. Eu desejaria ser menos pessimista sobre o desejo das forças policiais em tentá-lo.

https://stavvers.wordpress.com/2012/07/21/how-the-police-enforce-rape-culture/