A Marcha Das Vadias Não É Solidária

A Marcha das Vadias está consolidada podemos dizer assim. Infelizmente a marcha abafa muitas questões feministas, ao mesmo tempo que utiliza de argumentos feministas para justificá-la. A meu ver a marcha não só é bastante inconsistente como ação feminista mas é contraditória como tal e um passo atrás. Eu acho ainda estranho que as pessoas que defendem a Marcha das Vadias falem em vários feminismos ao mesmo tempo que não aceitam outros feminismos e procuram categorizar qualquer crítica à Marcha como conservadora. A Marcha tem conseguido de forma eficaz uma homogenização das feministas que nos prejudica bastante. Ser feminista passou a ser sinônimo de ser participante da Marcha ao ponto de ser um choque quando uma feminista não se engaja à Marcha das Vadias.

Por que será que todas as demandas feministas, todas as lutas que mulheres feministas engajadas propõe não são ouvidas nem levadas a sério e a Marcha das Vadias de um dia para o outro passa a ser a “voz das mulheres”? Por que tantos homens passaram a aderir a Marcha das Vadias, sem sequer compreendem outras ações que propomos? E por que ao contrário de um aprofundamento nestas questões ao constatarem isso, as pessoas da Marcha preferem dizer que isso é uma coisa positiva?

Por que a mídia tem tanto interesse na Marcha das Vadias? Acredito que o apelo que a Marcha tem é em função também da sociedade nos querer objetificadas. Desta forma as mulheres estão mais uma vez sendo usadas pelo patriarcado e pelo capitalismo, servindo as propostas neoliberais. A Marcha é um evento que cabe como uma luva na cultura da sexualização e da objetificação dos nossos corpos, mesmo que as pessoas acreditem que é uma forma de lutar pela liberdade de suas sexualidades. Eu acredito que a Marcha das Vadias se encaixa perfeitamente para que não aprofundemos o feminismo e na questão vital de que não está nos libertando, mas corroborando para dizer que sim, somos todas vadias! E isso atinge que ponto exatamente? De liberdade sexual? Eu acredito que não. Para mim abraça a lógica machista de que somos vadias, e somos o que os homens quiserem que sejamos. E agora além de sermos o que os homens querem que sejamos, dizemos sim! E sim, agora descobrimos que podemos ser objetificadas e hipersexualizadas, que isso é muito bom para a nossa liberdade sexual, basta dizermos que somos objeto do nosso próprio desejo! Sério? Para mim abraça a cultura de que somos desejáveis ao olhos de homens e que sigamos nos comportando como objetos de desejo masculino em termos historicamente criados para excitarem os homens, não importa o quanto justifiquemos com o discurso de que somos objeto de nosso próprio desejo. Quem está querendo enganar quem?

A marcha consiste de um ponto de vista extremamente individual, por isso também se enquadra no pensamento neoliberal, onde cada mulher está centrada em si mesma dizendo “eu faço o que eu quero”, “isso é bom pra mim”, “sou livre” ignorando que muitas mulheres não tem a mesma oportunidade de escolha. Muitas de nós mulheres que são ou foram tratadas como vadias não querem se apropriar deste termo, e muitíssimo pelo contrário, queremos nos livrar deste, pois queremos poder sermos nós mesmas sem que nos ponham selos! ‘Eu tenho visto e também sentido na pele, que o termo vadia sempre foi usado como ferramenta misógina. E por mais que a Marcha das Vadias quer se apropriar disso, nós mulheres não vamos deixar de sermos tratadas como vadias, putas, vacas, etc quando alguém assim desejar. Digamos que seja possível ressignificar o termo Vadia, vamos supor que isso seja possível, podemos estar certas de que outro termo será criado para qualquer comportamento ou realidade das mulheres, e as mulheres prostituídas terão que ter uma nova denominação, porque estas precisam ser tratadas como vadias na vista da sociedade. Nós não vamos estar eliminando o problema, apenas mudando de nome, mas continuaremos sendo menosprezadas – umas mais que outras, isso é importante ressaltar: quem são as mais menosprezadas? Ou ainda, quem são as privilegiadas?

Não esqueçam que o termo vadia é um termo criado pelo heteropatriarcado, porque se refere a mulher em relação ao homem. A mulher sozinha é santa, o outro lado da mesma moeda, de um também estereótipo que visa controlar, pois a mulher também não pode estar sozinha, ela precisa de um homem, mas não mais de um. Já as lésbicas são aberrações e ameaçam o papel da mulher de reprodução. Conceitos heterossexistas e conservadores para que compremos conforme nossa “opção”, conforme no que melhor nos enquadramos.

Mas não, não vale a pena nos rotularmos!

O que é ser uma vadia? É um tipo de comportamento? É usar um tipo de roupa? A mulher que “dá pra todo mundo”?

Eu não acredito em nenhuma destas premissas e acho incrível como esta apropriação apaga de vista as mulheres prostituídas porque fala em comportamento, mas jamais fala sobre a exploração e a violência que as prostituídas enfrentam.Com certeza a marcha não fala pelas mulheres prostituídas, antes pelo contrário ela ignora estas mulheres que não podem escolher um dia do ano, como fazem a maioria das mulheres na marcha ao se apropriarem do termo e se vestirem como vadias. Mulheres que são tratadas com desprezo, abuso e violência, simplesmente porque elas são as “verdadeiras vadias” para a sociedade todos os dias.

Pois nós todas as mulheres, prostituídas ou não, não somos vadias, vagabundas ou vacas. Se uma mulher ou garota que regularmente vai pra escola ou para o trabalho mas um dia por ano resolve ir a marcha utilizando o termo vadia, ela está agindo de maneira colonizadora, porque ela não sofre de forma alguma as consequências de ser uma “vadia de verdade”, ela não tem homens fazendo fila para estuprá-la com respaldo da sociedade, que acredita que suas filhas estão salvas enquanto estas mulheres que “escolheram” serem “prostitutas” existirem para que os homens descarreguem todo seu ódio e violência que sentem pelas mulheres (como disse Rebecca Mott.). Esta mulher ou garota que vai a marcha e diz que é puta, só o diz por estar numa absoluta posição de privilégio que inclui escolher o dia que vai ser ou se vestir “como puta”. O problema não é estar numa posição de privilégio, como alguém me perguntou: “qual o problema destas garotas na maioria brancas de classe média fazerem suas reivindicações?” Não seria problema mesmo, se isso não contribuísse ativamente para apagar os problemas que outras indivíduas estão passando. Feminismo para mim está absolutamente conectado com solidariedade entre mulheres, então torno a repetir que se milhões de mulheres querem se livrar do peso de serem tratadas como vadias e que o termo vadia lhes machuca e elas estão dizendo isso, porque ignorá-las? Será que pelo menos isso não merece a atenção das pessoas que marcham?

Acredito que muitas garotas principalmente as novas, realmente acreditam que o que a Marcha propõe favorece a liberdade de nós mulheres, não duvido das intenções de muitas pessoas envolvidas na Marcha. A questão que coloco não é para ficarmos em batalha, de forma alguma. As críticas que coloco são para propormos uma Marcha que agregue mais mulheres, que todas as mulheres se sintam confortáveis para caminharem juntas.Se a reivindicação é contra a violência sexual, marchemos contra a violência sexual. Se a reivindicação é quanto a nossa sexualidade marchemos por ela. A nossa sexualidade pode ser a nossa não relação com os homens! Ou pode ser também a nossa não sexualidade! Ou a nossa sexualidade está estritamente ligada aos homens e ao que os outros esperam de nós? E seria isso “nossa” sexualidade?

Que a marcha atinja a maioria da pessoas, eu compreendo, pelo espetáculo que virou, pela cobertura midiática e pela genuína necessidade de reivindicar os direitos das mulheres. Mas ela é uma verdadeira bomba de contradição ao feminismo. Ela fere as propostas feministas ao que se estende para todas as mulheres, que além das mulheres sofrerem discriminação e violências, que classe e cor da pele são determinantes para ditarem a maneira de como serão tratadas. Conscientes disso, porque deveríamos nos engajar em ações reformistas como esta?

A Marcha fala de estupro e sexualidade mas de uma forma a apagar demandas feministas importantíssimas. Lutamos pela nossa liberdade sexual, esta liberdade sexual não é liberdade se ela está totalmente inserida no contexto patriarcal, e nos jogos que este impõe de controle, onde o homem domina e a mulher é subjugada e objetificada. Numa sociedade que cansa de justificar o estupro como uma “urgência incontrolável” masculina (para isso servem as “prostitutas”, certo?), ou seja, uma via da sexualidade do homem, enquanto na verdade o estupro é apenas a confirmação de poder e do ódio às mulheres.

Não é uma questão de ser muito dura nas críticas, é uma questão de observar uma falta de consideração e solidariedade com as mulheres prostituídas, com as mulheres negras, as dos povos originários, de etnias, e com todas mulheres que são ou foram tratadas como vadias e vivem uma vida se esforçando para se livrarem destes traumas e de situações brutais, e que apenas a palavra vadia as fazem relembrarem de algo que elas carregam pesadamente. Se as mulheres que vão a marcha preferem ignorar milhões de outras mulheres, são elas que estão sendo duras, a diferença é que elas se consideram alegres, divertidas e liberadas e estão centradas na sua catarse individual. E mesmo que tenham direito obviamente de viverem suas catarses, elas só não podem dizer que estão se solidarizando com todas nós as outras mulheres que sentimos na pele o que é sermos tratadas como vadias. Não, elas não estão.

enilador

fonte: http://anarcopunk.org/acaoantisexista/uncategorized/a-marcha-das-vadias-nao-e-solidaria/

Anarquismo na Atualidade – fala feita na 4ªFlapoa por uma companheira

Segue uma fala feita na 4ª Feira do Livro Anarquista de Porto Alegre, no dia de abertura, 15 de novembro passado. Foram feitas várias falas sobre anarquismo na atualidade. Depois seguiu-se um debate.

“Anarquismo na atualidade.

Aqui no Brasil o anarquismo teve uma visibilidade gigante devido as manifestações. A revolta tomou conta das ruas. Esta revolta foi absolutamente importante e uma manifestação das nossas insatisfações, uma necessidade de denunciarmos as injustiças pela ação direta. A ação direta não é apenas uma ação isolada e de ataque, pois ela é construída todos os dias. E embora esta visibilidade tenha tomado as proporções que tomou, as práticas anarquistas, as organizações ou formas de nos organizarmos libertárias são antigas. Anarquistas sempre se organizaram e procuraram alternativas para viver/sobreviver.

O anarquismo teve um período de hibernação no sentido de que parece ter ficado por algum tempo sem uma continuidade devido aos anos de ditadura. Nos anos 80 o anarquismo teve uma retomada muito forte e também sob influencia do punk. As bandas, as pessoas envolvidas encontraram no anarquismo e nas práticas anarquistas, nas práticas autogestionárias (por exemplo ocupações, espaços autogeridos, em fim) a busca pela libertação. A busca por viver e sobreviver perante as injustiças, a busca por alternativas que não as dos moldes tradicionais. A busca por pensar e construir lutando contra o controle das opressões institucionalizadas que estamos submetidas, submetidos.

Mas eu tenho pouco tempo para falar aqui, sendo esta apenas uma introdução, um apanhado muito generalizado sobre o anarquismo na atualidade. O que quero colocar para as que estão aqui presentes, e para os que estão aqui presentes, é de que o anarquismo nunca existirá sem feminismo.

E que isto para mim é atualidade.

Nós mulheres anarquistas que nos envolvemos em espaços anarquistas em busca por libertação, encontramos muita resistência de que nestes espaços nos escutem. De que nestes espaços exista de fato uma libertação. De que nestes espaços estejamos seguras. Não queremos nenhum tipo de segurança vindo de outrem, não queremos sermos protegidas, não é disto que estou falando. Falo de que precisamos que nestes espaços estejamos seguras para alcançarmos objetivos libertários em todas as esferas das nossas vidas. Não uma libertação pela metade, uma libertação que é sugerida muitas vezes como prioritária enquanto nós mulheres anarquistas sabemos muito bem de nossas prioridades, de nossas urgências, e de toda a opressão machista da qual sofremos, da qual lutamos contra todos os dias.

Sim, não existe anarquismo sem feminismo. A revolução diária, utópica, ou de fato, não será revolução se ela não for feminista. Não é aceitável que o feminismo seja luta de segunda ordem.
Temos visto na atualidade cada vez mais denúncias de agressões por parte de “companheiros”. É possível que dentro de espaços anarquistas tenhamos que lidar com a opressão do patriarcado como se estivéssemos nos espaços não anarquistas? É obvio que o patriarcado se reflete nas pessoas e não poderia ser diferente com nós anarquistas. Por isso justamente que temos que destruir com o machismo que está dentro de nós.

Eu repudio totalmente a ‘acusação’ de que estou me focando e sendo separatista. Porque sim, eu estou me focando e serei separatista se tiver que ser. Porque sectário já é o patriarcado, e também aprendi do anarquismo a me organizar. Esta suposta “união” de lutas muitas vezes abafa, invisibiliza opressões específicas. Também totalmente repudio tentativas de boicote a autonomia das mulheres e sei porquê elas existem. Porque existe medo de confrontar privilégios, porque existe medo de perder o controle sobre o comportamento e sobre os corpos de mulheres e lésbicas. Porque ou não se nota ou é bom estar com o poder a seu alcance para quando se precise ou se queira usar.

E sim quando digo nós mulheres o faço porque estou me colocando numa classe. Porque precisamos nos colocar como classe, como grupo, porque a opressão se apresenta para todas nós mulheres, anarquistas ou não.

Nos protestos mulheres foram estupradas por policias e supostos companheiros. Vimos homens se aproveitando da confiança e da proximidade na luta para subjugar mulheres que acabaram sendo violentadas e abusadas. E sempre se questiona a mulher. O que ela fez, o que ela vestia, que horas eram.

E enquanto nas ruas corremos da polícia, nós mulheres temos ainda uma outra ameaça. E quando nos separamos de nosso grupo de afinidade, de nosso bloco, temos isso em mente e nos nossos corações, porque desde que nascemos a ameaça e o abuso são institucionalizados, fazem parte do ar que respiramos.

Não meus amigos, sim, não amigas, amigos, especificamente para vocês, que nesta linguagem patriarcal me ignora, me exclui e me invisibiliza. Então: não meus amigos, não existe anarquismo sem feminismo. O patriarcado antecede ao capitalismo. E a atualidade continua patriarcal.Não existem práticas libertárias enquanto nós mulheres não formos livres.

Só seremos livres quando todas formos livres.
Não se ponham no caminho da nossa libertação.”

zines, por ação antissexista

Versões prontas para impressão, em ordem de folhas (frente e verso – imprima as páginas pares no verso das impares):

Por que ela não está nem aí para sua Insurreição

nemaiinsurreição

“Por Que Ela Não Tá Nem Aí Pra Sua Insurreição é um texto que fala sobre machismo num contexto específico de Nova Iorque, na cena anarquista insurrecionária da qual a autora faz parte. Ela faz uma crítica sobre como o machismo está presente mesmo neste contexto, pois as mulheres enfrentam a opressão do patriarcado fora, mas também dentro de espaços anarquistas/libertários. Poderíamos dizer espaços supostamente anarquistas e libertários e não estaríamos sendo radicais, apenas sendo coerentes, pois não é possível que nestes espaços o machismo seja aceito, que seja uma opressão praticada como normalidade ou mesmo “apenas” ignorado. Não é possível ignorar o machismo. Isso só acontece porque existe interesse em manter as mulheres sob domínio dos homens. Lendo o texto percebemos que é uma situação análoga as cenas das quais nós também nos encontramos. Boa leitura.”

traduzido e editado por Ação Anti Sexista

baixar aqui

 

Como a polícia reforça a cultura de estupro

por stavvers

texto que fala papel que a polícia joga na legitimação da cultura de estupro

+Aviso de acionadores: esta postagem discute estupro, cultura de estupro e abuso de poder.+
A polícia, como sabemos, tem uma terrível e larga história com relação ao estupro. Alegações são muitas vezes não tomadas a sério e, em algumas situações, a polícia ativamente fabrica papéis para fazer os casos sumirem. É dificilmente uma surpresa o fato de que a vasta maioria dos casos de estupro não sejam reportados.

A mulher que foi desapontada pela polícia depois de ter encontrado a coragem para reportar seu estupro sabe isso muito bem, e três delas estão processando o funcionário pelo tratamento que receberam. Duas requerentes foram atacadas pelo estuprador serial John Worboys que poderia ter sido capturado anteriormente se a polícia tivesse escutado às mulheres.

A polícia não escuta. Porém, o oposto também é verdade

“Isso soa nos meus ouvidos ainda, o oficial dizendo ‘um taxista não poderia fazer isso'” ela (uma sobrevivente) diz.

“Isso parecia como se eles não quisessem saber. Em meus sonhos, eu gritava ‘por que você não acredita em mim?'”.
Meu coração dói por essa mulher. A esmagadora descrença em seu relato, depois de que uma violação horrificante ocorreu.

O comportamento do policial aqui é uma das manifestações mais declaradas da cultura de estupro: não acreditar na sobrevivente. Talvez o oficial tenha atuado de boa fé, não querendo maliciosamente jogar fora um caso de estupro (como muitos tiveram). Talvez o oficial apenas absorveu algumas frases de estoque e atitudes da cultura de estupro.

Isso não faz diferença. O policial possui uma posição única de poder: de última, eles decidem se eles vão se incomodar em ajudar uma sobrevivente. Cada momento da lógica da cultura de estupro está fracassando para a sobrevivente que pediu socorro. Cada investigação capenga e mal feita está falhando com a sobrevivente. Cada documento fraudulento jogado no caso está falhando com a sobrevivente. Estas sobreviventes escolheram perseguir um certo curso de ação, ativamente engajando-se com o estado para pedir o auxílio deste.

E eles estão falhando com esta.
Quem se beneficia destes arranjamentos? Estupradores. Cada vez que isso ocorre, as coisas se tornam um pouco mais fáceis pros estupradores. Elessabem que podem se sair bem dessa. Eles sabem que as chances estão a seu favor porque o estado os vai ajudar nessa.

A cultura de estupro apenas sempre beneficia estupradores, e a polícia está usando seu poder para reforçar isso.

Entre 2008 e 2012, houveram 56 casos documentados de estupro, agressão sexual e assédio. Em muitos destes casos, as reclamações foram encobertas e a sobrevivente desacreditada. Em um número assustadoramente largo dos casos, nenhuma acusação criminal foi sequer trazida. É duramente surpreendente, então, que a polícia possua um interesse implícito em manter a cultura de estupro em uma gritante boa saúde: eles estão se beneficiando disso.
Eu sou totalmente crítica da noção de que o poder que a polícia possui possa ser usado para o bem, para ajudar a superar a cultura de estupro desde cima. No melhor dos casos, a polícia pode apenas ser tão progressista quanto a sociedade que a gerou, então eles estarão ainda pisando na cultura de estupro. Isso sem calcular os efeitos psicológicos que tornam todos policiais em bastardos.

Há um vasto caminho para a melhora depois da revolução, no entanto. Eles podem, muito facilmente, parar de tão ativamente reforçar a cultura de estupro começando por uma posição de sempre acreditar na sobrevivente, mesmo que seja seu parceiro o acusado. Eles podem, muito facilmente, na verdade se importar em investigar os casos de estupro apropriadamente, respeitando a coragem da sobrevivente de ter seguido adiante com a denúncia. Melhoras são possíveis. Eu desejaria ser menos pessimista sobre o desejo das forças policiais em tentá-lo.

https://stavvers.wordpress.com/2012/07/21/how-the-police-enforce-rape-culture/

O Machismo Também Saiu às Ruas

texto/relato sobre a opressão do machismo manifestada nos protestos. para uma reflexão e questionamento da normalização das discriminações.

Nos protestos pelo Brasil pudemos observar que o machismo também “saiu às ruas”. É importante ressaltar isso, principalmente porque o machismo é sempre abrandado, quando não negado, e historicamente ignorado devido a “coisas mais importantes para se resolver ou para se focar”. Desta vez porém, referente aos protestos, observamos e denunciamos o sentimento ufanista, a necessidade desesperada de caracterizar o movimento como pacifista, a violência perpetuada contra pixadorxs, a perseguição de manifestantes alcunhadxs como vândalxs, a tentativa de cooptação da direita, a infiltração de neonazis e da própria polícia, entre outras questões. Nada menos do que imprescindível nos atermos sobre questões que sim, não tenham impedido os protestos de continuarem, mas que incomodaram uma grande parcela de manifestantes, principalmente mulheres e que podem sim terem impedido algumas de continuarem participando. Geralmente em eventos públicos, com aglomeração de pessoas, a gente vê manifestações de racismo, machismo e heterossexismo, e normalmente as pessoas ficam caladas. Tais preconceitos não acontecem apenas em eventos e aglomerações obviamente, diariamente nos deparamos com situações machistas, racistas e heterossexistas e nem sempre temos na ponta da língua uma resposta, ou não dispomos de energia, ou “presença de espírito” para respondermos, ou simplesmente percebemos outras problemáticas implícitas numa possível explicação. Além do que, estes preconceitos são reproduzidos de forma sistemática e normalizada, o que dificulta tentativas de diálogo que são tratadas com hostilidade, descartando que hostil é a manifestação do preconceito em primeiro lugar. De certa forma poderia ser mais fácil confrontar preconceitos em situações similares a protestos como este, onde é trazido à tona as desigualdades, já que existe um terreno propício ao questionamento. Mas parece não ser tão fácil assim. Os protestos estão dizendo que não aguentamos mais as desigualdades sociais e de classes, e que estamos dispostxs a lutar por demandas que nos são importantes e necessárias para nossas vidas e para a sobrevivência de vários grupos. Desta forma precisamos dar atenção para não oprimirmos outros grupos que sofrem outras opressões. Durante estes protestos surgiram cartazes e gritos machistas, como os referentes a Dilma não enquanto presidente, mas enquanto mulher, como no cartaz que dizia: “de quantas mulheres precisa pro Brasil afundar? Di(u)ma.” Piadas como esta, estão carregadas de misoginia mas são encaradas com naturalidade, e fazem “todo mundo” rir. Exceto a quem ela atinge, como são as piadas de negrxs e de “viado” ou “sapatão” em que as pessoas dizem “não sou racista/homofóbicx mas escuta essa!” Ouvi em diferentes momentos mulheres serem chamadas de vadia no meio dos protestos, por não corresponderem ao esperado delas. Argumentei com estas pessoas que não fazia sentido elas se referirem assim àquelas mulheres e recebi de volta comentários de desprezo também por eu ser mulher. É importante combatermos as opressões, incorporando como ação importante nas nossas lutas e no nosso cotidiano, até que o machismo, a misoginia e o preconceito encontrem resistência, e passem a não ser mais uma normalidade.

http://enilador.tumblr.com/post/54771514407/o-machismo-tambem-saiu-as-ruas

http://anarcopunk.org/acaoantisexista/texto/nao-seremos-massa-de-manobra/

Questionário: Você é um macharquista?

questionário que funciona como ‘check list’ de privilégios masculinos e acontabilidade de homens anarquistas e progressistas em geral. Tradução por chuy.

***

Questionário: Você é um macharquista?

Questões gerais:

1. Você se atribui ao:
A) Patriarcado passivo-agressivo: você costuma se fazer de vítima/indefeso/necessitado/dependente e arranja uma mulher para te cuidar física e emocionalmente? Para comprar coisas para você? Para tomar conta de suas responsabilidades? Da suas tarefas? Você usa culpa ou manipulação para se livrar das suas responsabilidades e da sua parte (igual) de trabalho? Você trata sua companheira mulher como sua mãe ou sua secretária?

B) Patriarcado agressivo: você costuma estar no comando? Assume que uma mulher não consegue fazer algo direito, então você faz pra ela? Acredita que somente você para tomar conta das coisas? Pensa que você sempre tem o direito de responder? Trata sua companheira mulher como se ela fosse indefesa, frágil, um bebê ou fraca? Você menospreza sua parceira ou diminui os sentimentos dela? Você faz pouco caso de suas opiniões?

2. Como você reage quando mulheres na sua vida nomeiam alguma coisa ou alguém como patriarcal ou sexista? Você as considera ou chama-as de “feminazi”, hipersensíveis, exageradas, sem senso de humor?

3. Você acha que falar de patriarcado é algo não-heroico, uma perda de tempo, que só serve para se incomodar ou para dividir movimentos ou pessoas?

4. Se uma mulher pede sua opinião, você assume que ela não sabe nada sobre o assunto?

5. Você acredita que mulheres têm “características naturais” que estão contidas no seu sexo como “passiva”, “amável”, “cuidadosa”, “provedoras”, “atenciosa”, “generosa”, “fraca” ou “emotiva”?

6. Você tira sarro de homens “normais” ou de “grupos masculinos” mas nunca se olha para ver se você se comporta do mesmo jeito?

7. Você considera o sexismo e o patriarcado como uma luta pessoal, trabalhando para ir contra si mesmo, nos seus relacionamentos, na sociedade, no trabalho, nas culturas e subculturas, e instituições?

8. Você diz alguma coisa quando outros homens fazem um comentário sexista ou patriarcalista? Você ajuda os seus amigos sexistas e patriarcalistas a mudar? Ou você continua sendo amigo de homens sexistas e patriarcalistas e age como se não houvesse problemas?

Questões para o ativismo:

9. Como homem, ser feminista é uma prioridade para você? Você acha que ser feminista é algo revolucionário ou radical?

10. Você acha que você define o que é radical? Você sofre ou contribui com a pose de machão revolucionário? (Ou seja, você define umx ativista verdadeirx, respeitável ou massa como alguém que já: foi presx, fez bloqueios, escalou muros, levantou bandeiras, brigou com a polícia, depredou alguma propriedade, bateu em nazistas, etc.)?

11. Você pega algo que uma mulher disse, reorganiza e afirma que é uma opinião ou ideia sua?

12. Você pega o serviço sujo ou chato na sua organização? (Ou seja, cozinhar, limpar, arrumar, administrar listas de email e telefonemas, fazer atas, cuidar de crianças?) Você está ligado no fato de que mulheres frequentemente pegam esses serviços, não importa o que façam ou tenham feito?

13. Você é ativo em fazer do seu grupo de ativismo um espaço seguro e confortável para mulheres?

14. Se você quer envolver mais mulheres nos seus projetos ativistas, você tenta engajá-las dizendo o que têm que fazer ou o por que elas deveriam se juntar ao seu grupo?

15. Você tem cuidado em se monitorar e limitar seu comportamento e fala nos encontros ativistas porque você não quer tomar muito espaço ou dominar o grupo? Você está atento ao fato de que as mulheres fazem isso o tempo todo?

16. Você presta atenção ao processo do grupo e em construir consenso ou você costuma dominar e se encarregar de tudo (talvez sem se dar conta)?

Assuntos e relacionamentos sexuais e românticos

17. Você faz piadas ou comentários negativos sobre a vida sexual das mulheres ou o trabalho sexual?

18. Você consegue mostrar afeto e ser carinhoso com sua parceira na frente de amigos ou da família ou apenas em espaço privado?

19. Você discute a responsabilidade de prevenir contracepção e se proteger contra DSTs antes de ter contato sexual?

20. Você repetidamente pede ou implora a mulheres para fazerem o que você quer em situações sexuais? Você está ligado que, a não ser que isso seja um cenário ou jogo de consenso mútuo, isso é considerado uma forma de coerção?

21. Durante o sexo, você fica atento ao rosto ou à linguagem corporal da sua parceira para ver se ela está excitada? Ativa ou apenas ali deitada? Você pergunta o que uma mulher quer durante o sexo? O que excita ela?

22. Você pergunta por consentimento?

23. Você sabe se a sua parceira tem algum histórico de abuso sexual, estupro, ou outro tipo de abuso físico?

24. Você fica num relacionamento com sua parceira por conforto e segurança? Sexo? Cuidados financeiros e emocionais? E se você não está mais feliz ou “apaixonado” pela sua parceira? E continua mesmo achando que no final não vai dar certo? É porque você tem medo ou não consegue ficar sozinho? Você termina repentinamente relacionamentos quando uma mulher “nova” ou “melhor” aparece?

25. Você pula de um relacionamento para outro? Sobrepõe eles? Ou você dá tempo e espaço para si mesmo entre uma relação e outra para pensar no relacionamento e no seu papel dentro dele? Você sabe estar sozinho? Como é ser solteiro?

26. Você trai suas parceiras?

27. Se a sua namorada considera que você tem um comportamento patriarcalista ou quer tentar trabalhar temas do patriarcado na relação de vocês, você briga com ela ou trai ela e procura outra mulher que aguente as suas merdas?

28. Você concorda com compromisso e responsabilidade românticos, mas depois volta atrás?

29. Você entende sobre menstruação?

30. Você faz piada ou desmerece mulheres por causa de “TPM”?

Questões sobre amizade

31. Você costuma criar normas para ou planejar os momentos de diversão ou você faz isso junto com seu grupo, incluindo mulheres para ver o que elas querem fazer?

32. Você fala com suas amigas mulheres sobre coisas que você não fala com seus amigos homens, especialmente sobre problemas emocionais?

33. Você se apaixona constantemente pelas suas amigas mulheres? Você é amigo de mulheres mesmo sabendo que elas não estão apaixonadas por você ou você costuma acabar com essas amizades? Você só tem amizade com mulheres em relacionamentos monogâmicos ou de compromisso com outras pessoas?

34. Você assedia suas amigas mulheres mesmo que de brincadeira?

35. Você fala com suas amigas mulheres (e não com seus amigos homens) sobre relacionamentos românticos ou problemas nesses relacionamentos?

36. Você só se sente atraído por “anarco-crusty punk barbie”, “alterna-grrrl barbie”, ou “hardcore-grrrl barbie”? (A ideia aqui é que as únicas mulheres que você se sente atraído são aquelas dos padrões de beleza mainstream mas que se vestem ou penteiam o cabelo alternativamente, ou talvez que possuam piercings e tatuagens.) Você questiona e desafia seus ideais internalizados de beleza mainstream?

37. Você já ouviu falar ou discutiu sobre “estaturismo” (descriminação por altura) e você acha que isso é quase nada na escala de opressão?

38. Você está ligado que TODAS AS MULHERES, mesmo aquelas em comunidades radicais, vivem emCONSTANTE PRESSÃO e OPRESSÃO devido aos padrões patriarcais mainstream de beleza?

39. Você está ligado que muitas mulheres em comunidades radicais tiveram ou estão tendo problemas com comida?

40. Você faz piada com mulheres em visuais de “modelos” ou mainstream?

Questões domésticas ou sobre cuidados da casa

41. Quando foi a última vez que você entrou em casa e notou que alguma coisa estava fora do lugar ou suja E fez alguma coisa (não apenas passando ao lado, por cima, longe ou deixando um bilhete idiota sobre isso), mesmo que não fosse sua responsabilidade?

42. Você constantemente está deslumbrado com a “fadinha da comida”, que misteriosamente consegue comida, traz para casa, prepara um prato e depois limpa tudo?

43. Você contribui igualmente na vida e no trabalho doméstico?

44. Quantas das atividades abaixo você contribui na sua casa (essa é uma lista parcial do que compõe o cuidado com uma casa):
A: Varre o chão e limpa o carpê? B: Lava e guarda a louça? C: Limpa o forno e o fogão depois que você preparou uma comida? D. Pega dinheiro, compra comida, joga fora o lixo, e faz comida pras pessoas com quem você vive? E: Você lava roupa (toalhas da cozinha e do banheiro, etc.) F: Limpa os quartos comuns, mesmo que não seja a sua tarefa? G: Junta a bagunça dos outros? H: Cuida do lixo, do composto, da reciclagem? I: Cuida das contas, do aluguel? J: Cuida do jardim? K: Limpa os banheiros e se assegura que estejam limpos depois do uso? L: Alimenta, limpa e cuida dos animais de estimação?

Crianças e seus cuidados

45. Você usa seu tempo com as crianças? Se sim, você usa seu tempo com filhos (seus e dos outros) de um jeito generizado? (faz algumas coisas com meninos e outras com meninas)

46. Se você é pai, você divide o cuidado das suas crianças? (usa a mesma quantidade de tempo E energia E esforço E dinheiro?)

47. Você faz do cuidado às crianças uma prioridade? (tanto em eventos ativistas quanto na vida corrente)

48. Você ajuda mães solteiras em suas vidas e em comunidade perguntando se e como você pode ajudar?

49. Você já politizou suas ideias sobre educação de crianças e maternidade/paternidade em comunidades? Você acredita que indivíduos que estão no movimento têm crianças ou que o movimento tem crianças?

Questões multi-categoria

50. Quando foi a última vez que você mostrou a uma mulher como fazer uma tarefa ao invés de fazê-la presumindo que ela não conseguiria?

51. Quando foi a última vez que você pediu a uma mulher para lhe mostrar como fazer alguma coisa?

52. Você encontra conforto em mulheres para contar seus problemas emocionais, estando ou não numa relação amorosa com elas? Ou você cultiva carinho e relacionamentos de cuidado com outros homens, com os quais você pode discutir seus sentimentos e encontrar conforto com eles?

53. Se uma mulher discute com você ou chama a sua atenção para o seu patriarcado, você faz um esforço para estar emocionalmente presente? Escuta? Não fica emocionalmente pra baixo? Não fica na defensiva? Pensa no que ela disse? Admite que você fez merda? Assume a responsabilidade ou tenta reparar os seus erros? Discute seus sentimentos e ideias com ela? Pede desculpas? Trabalha pesado nas suas merdas para garantir que você não vai fazer de novo com ela ou com outra mulher?

54. Você olha para si e tenta encontrar o porquê você fez cagada num relacionamento e trabalha tanto para mudar o seu comportamento quanto para ser um melhor anti-patriarcalista no futuro?

55. Você organiza regularmente reuniões na casa ou encontros ativistas para resolver conflitos na casa/grupo?

56. Você usa intimidação, gritos, avança sobre alguém, ameaça ou usa violência para fazer a sua ideia “passar”? Você cria uma atmosfera de violência ao redor de mulheres e outras pessoas para ameaçá-las? (ou seja, joga ou quebra coisas, grita, urra, ameaça, ataca, provoca ou aterroriza os animais de estimação de mulheres que fazem parte da sua vida?)

57. Você abusa fisicamente, psicologicamente ou emocionalmente de mulheres?

58. As mulheres que fazem parte da sua vida (mães, irmãs, parceiras, amigas, etc.) têm que “lembrar”, “reclamar”, “gritar” pra você para que se mexa e vá cuidar das suas responsabilidades?

59. Você fala com outros homens sobre patriarcado e seus papéis nele?

60. Quando foi a última vez que você pensou sobre ou falou sobre qualquer desses temas fora ler esse questionário?

TODOS OS HOMENS precisam trabalhar temas do patriarcado, sexismo e misoginia. Entretanto, esse questionário pode mostrar para você áreas específicas para o seu próprio processo e desenvolvimento anti-patriarcal/sexista/misoginista.

aversão poética zine por Formiga

Descrição: Salve! O poezine Aversão Poética está sendo
desenvolvido pela necessidade criar um espaço em que minha poesia negra,lésbica e suburbana tenha visibilidade. São experiências anarquistas e feministas vivenciadas no meu cotidiano e perspectivas de próximas ação políticas pessoais, usando a arte de forma contra-culturaValeu! FORMIGA

poezine aversão poética #1
poezine aversão poética #2

pequena nota sobre a glorificação e hierarquização machista da violência no anarquismo

tradução de comentário retirado da revista Homnicidium Ediciones Nihilistas y Antipatriarcales, mais comentários próprios.

Uma explosão material pode não implicar nenhuma explosão de Si mesme

Este número foi aberto com a seguinte frase da CCF1“A aposta é não deixar que esta versão alienada e patriarcal da violência anarquista se estabeleça em nosso interior e, a cada dia dar nossas próprias batalhas pessoais para não nos tornar-nos catives das imitações pálidas do Poder”.

“O materialismo manifesto que se aprecia no texto primeiro, é muito similar em tal aspecto a muitas das reivindicações da FAI/FRI2 e a outros textos como o recente “As malignas gargalhadas de uns espíritos muito livres ou Não nos defendas compadre que a Anarquia sabe defender-se sozinha!”, que não contém mais que “críticas” repetidas até sua vacuidade voltados à impossibilidade de avançar aprofundando que concluem sempre na (exclusiva) exortação à ação netamente material de incendiar, explodir, matar, etc.

Com isso, e me remetendo à frase que escolhi para abrir este número, quero – embora de maneira nada exaustiva desta vez – evidenciar em tal materialismo uma sobrevaloração da violência, que identifico como valor patriarcal.

Dita sobrevaloração ocorre dentro do paradigma masculino bélico no qual a violência (e a guerra) é uma gesta heróica, glorificada e sacralizada que desvalorizando, anula os campos de experimentação criativos, emocionais, intelectuais, energéticos, e outros.

É tão universal a aceitação desta violência, que inclusive es mais “revolucionaries” e “nihilistas” assumem o uso da violência em uma lógica que não se posiciona FORA das realidades a se atacar, senão dentro destas mesmas e seus sistemas dicotômicos de referência e identificação:

Unes têm razões altruístas ou a propriedade da “verdade” para fazer uso da violência e, a violência do “inimigo” satanizado e vilanizado porta a pior ameaça para a “liberdade”. 3

Unes são os boms e outres os maus.

“Quem não está comigo está contra mim”. (…)

Esboçando brevemente algumas características desta sobrevaloração materialista, observo também a consequente supressão de expressões que não sejam as de vingança, ódio, desprezo ou outras emoções “duras” ou “masculinas” que ademais, funcionam como uma corda que ata ae Individue a um mundo que, se supôe, lhe resulta alheio.

Adverto aqui também a jaula de expressividade que em outro momento falei.

O modelo bélico enraizou tão profundamente na mente das pessoas que inclusive as relações de Afinidade sucumbiram a estas lógicas. Basta com pensar no uso do termo “guerrilha urbana” para identificar-se como grupo ou individualmente, em prol do puro interesse pessoal ou da experimentação da Afinidade como caudal de paixões, potenciamento, calor, intro-destruição, e mais.. – devenindo ocasionalmente explosiva. 4

Não há possível Afirmação como Individue quando se permanece dentro dos sistemas de referência valorizados neste mundo.” 5


1 Conspiração Células de Fogo, grupe de guerrilha urbana informal que atua no território grego.

2 Federação Anarquista Informal, criada na Itália, um grupo informal insurrecional.

3 Me incomoda MUITO essa linguagem maniqueísta no anarquismo, me parece inclusive infantil. É tanta construção com base numa antítese em relação a um outro demonizado, tanta excisão de aspectos do próprio eu que se desprezam, que os anarquistas acabam se tornando a mais pura expressão do autoritarismo e todas coisas detestáveis do sistema que tanto afirmam opôr-se e definir-se em negatividade. (Nota da Tradutora)

4 Esse masculinismo que parece com a medição e exibição de falos entre a camaradagem masculina, inclusive é um dos grandes entraves no estabelecimento de uma cultura de segurança, não sendo muitos os que colocam em risco pessoas por gabar-se de atos criminais e ilegais. Acabam também lamentávelmente não pondo em risco somente a eles mesmos, mas também às idéias (N.T.).

5 Numa sociedade patriarcal, onde o valor é o homem, não é a toa que aquilo que se identifica com a masculinidade seja mais valorado, como é o caso da ação violenta em contraposição a outras ações anti-sistêmicas, com tanto ou mais potencial de destruição que uma ação direta física. Afinal pra acabar com esse mundo se levará mais que bombas, e o ato de construir (novas relações, novos valores, etc), que é talvez mais trabalhoso, lento e exigente, é também um ato de destruição mais radical.

Também acho que a identificação com masculino, na velha análise feminista, é identificar-se com o Poder, no caso o poder masculino, é recuperar um ‘falo’ que a mulher não possuiria segundo o discurso patriarcal. Quando temos internalizado o colonizador e seus valores, querer se parecer com ele também passa por querer se tornar mais ‘masculina’, e portanto, virulenta, diferenciar-se das demais mulheres e não querer ser uma, querer identificar-se com a potência, com a agressão, com a masculinidade como mecanismo de falsa solução a baixa-auto-estima de gênero. No sistema simbólico patriarcal, as mulheres estão relacionadas com o pacifismo. Mulheres pedem a paz, homens querem fazer mais guerras. Mulheres participam em revoluções de garotos onde eles trocam de lugar entre si. Ainda creio na necessidade de redefinir violência em contextos de auto-defesa e ataque ao Capital e ao Patriarcado, em contextos insurrecionais e de protestos e repressão estatal, mas também de uma recuperação não-reacionária de valores não-violentos para opor-se a esse sistema de valores masculinos que só dá giros por si mesmo sem mudar substancialmente (N.T.).

***

O tema da fúria é super importante no feminismo radical.
Audre fala sobre os ‘usos da raiva’.
E não descartamos a ação violenta e tampouco a Auto-defesa. Somos feministas radicais, não queremos e muitas vezes nem podemos terceirizar nossas necessidades de defender-mos e de ‘justiça’.
Mas é distinto do que se quer criticar aqui, pois dentro do anarquismo masculinista somente é válida a ação violenta e inclusive se criam ícones em cima de ações (veneração de presos políticos, pessoas que fizeram ações ilegais) e mártires da causa (Mauricio Morales por exemplo, anarquista chileno que morreu ao transportar artefato explosivo). Frente a isso outros trabalhos ativistas são depreciados, até mesmo reprimidos, chamados de ‘reformismo’ pelo simples fato de que não é tão visível e heróico, glorioso quanto explodir um banco.
Dizem que aquel*s que resgatan animais ou os castram, os ‘proteccionistas’, são assistencialistas, até mesmo de cristianos nos acusam, mas não oferecem nada mais que mais negligência aos mesmos, e ainda te criticarão por não ser radical o suficiente, dirão que apenas está perpetuando a escravização de animais ao abrigar um e retirá-lo da situação de rua e risco em que se encontra. Por meio de retórica primitivista (uma teoria inclusive, extremamente anti-feminista, advogando idéias essencialistas e uma construção evolucionista, racista, romanticista sobre a natureza ou sobre uma tal ‘primitividade’) advogam atitudes abandônicas em relação a animais, dizendo que voltarão a ser selvagens caso você não intervenha proporcionando abrigo, afeto e condições de vida. Como se isso pudesse ocorrer num contexto de cidades!
Como também se não soubessemos que é uma merda o mero fato de que hajam animais domesticados, e que essa é a mesma raíz do problema,  somos os que melhor sabem isso senão não os castraríamos.

Isso pra não comentar muitas outras coisas. O Feminismo para esses anarquistas é também, arrogantemente dizem, uma causa reformista. (O anarquismo não é né? Acaso não passa de uma mera perpetuação e regurjitação de ideologia Masculina e instituições masculinas. O separatismo é mais radical que essa merda).

Sobre a romantização da morte. Ainda digo que é muito diferente o morrer para mulheres, lésbicas, travestis, pessoas de cor, indígenas.
A morte numa ação, o ‘morrer lutando’ deles, tem haver com a economia de subjetivação masculina. Os homens são construídos para serem guerreiros, ou melhor, agentes do Estado, policiais encarnados na corporalidade masculina, é a polícia mais primitiva. Ser homem é ser policial de uma forma muito radical, é a subjetivação e preparação para serem sujeites que garantem o Estado, a Nação, por meio da violência, são criados e são um projeto de subjetividade tão caro ao sistema porque é o mesmo que o mantém, são o Estado entre nós, e com ele se identificam em seu âmago, mesmo os Anarquistas. Porque matarão as suas companheiras se puderem, porque se matam entre eles provando quem tem a maior pica, porque são um braço do sistema, treinam seu corpo e se vigorexixam por uma demanda internalizada do Estado e do Sistema de que vajam para o fronte da batalha defender a nação, consomem pornografia para aprender a estuprar porque é outra arma de guerra e de conquista, dominação.

Para eles pode ser uma ‘escolha’ morrer, e a dignidade pode estar definida somente como sendo o não morrer humilhado, mas morrer no ‘combate’, ‘honrosamente’.

Para nós mulheres, lésbicas, travestis, pessoas de cor, originárias… que somos dizimadas diariamente, nossa batalha é constante. É sobreviver, e estarmos vivas é um signo de vitória. Somos alvo de genocídio, estamos sendo assassinades, jovens negres são assassinados nas periferias por policiais e são assassinados pelas drogas e trafico feitos para dizimar população negra, travestis são mortas por policias e subjetividades masculinas por sua disconformidade de gênero, lésbicas são assassinadas e alvo de estupro corretivo, sendo desaparecidas também simbolicamente dos registros para que impere a heterossexualidade compulsória, que apareça como única verdade e possibilidade e coagindo mulheres dentro do contrato heterossexual que mantém a sociedade. Para que sejam violadas nesse contrato que naturaliza o fato de que são violadas, que naturaliza o intercurso sexual que não passa de uma invasão corpórea como guerra biológica contra mulheres. Se cria a ginecologia para conter os efeitos da heterossexualidade na morte de mulheres que podem ser reprodutoras úteis ao Patriarcado. Mulheres são mortas por feminicídio, por aborto inseguro, desaparecidas nas redes de prostituição, o sistema da camaradagem e construção da identidade masculina mais antigo (e não a profissão mais antiga, senão que a opressão mais antiga).

Mulheres e lésbicas e travestis e pessoas negras, originárias, querem viver. ISSO É RADICAL, É UM ATO FUNDAMENTALMENTE RADICAL, DECIDIR E ESCOLHER PELA VIDA.
Construir comunicação, valores, ferramentas, espaço, educação não patriarcal leva tempo e trabalho por outro lado. O que é portanto, feminista, até mesmo num senso epistemológico que é oposto a este masculinista e mais visível e legitimado, é relegado à esfera do ‘doméstico’, micropolitico. Afinal, o trabalho doméstico e feminino é invisível, portanto o trabalho ativista é invisível, e é mais minucioso, mais micro e mais difícil, é também o trabalho mais pesado e não reconhecido. Ele não é tão visível como explodir um banco. Ele é menos personificado e mais anônimo, ele envolve mais gente, ele é menos individual e mais comunitário.

Assim que não vejo tanta diferença entre socialistas, que falam que somente o que é válido é a mudança ‘estrutural’ ou uma ‘revolução social’, e os anarquistas insurreccionais que falam que o mais prioritário e verdadeiro é socar um policial…

Algumas anarcafeministas fizeram piadas com os anarquistas estes e como o fetichismo da violência chega a ser patético.

Levo o que ouvi de uma lesbofeminista, comentando sobre as brigas e disputas entre feministas sobre “quem é mais radical que quem” (coisa muito patriarcal e nada solidária entre mulheres e lésbicas):

“Construir lleva mucho tiempo y esfuerzo. Destruír vos lo hacés en un instante”.
(Construir leva muito tempo e esforço. Destruir leva um instante)

(embora pense que esse insurreccionalismo de fetiche não representa uma verdadeira ação destruidora, se é destruidora de verdade não reproduz o patriarcado. A construção eu também considero um ato de destruição. Há muitas formas de destruir-se esse mundo que estamos por descobrir, e se o ataque não é permanente e cotidiano, o mesmo se reconfigura, se regenera e se reconstrói a todo momento, assimilando até mesmo as nossas próprias linguagens).

Não existe anarquia possível se não se destrói e aniquila e se exclui ao Macho. Minha Anarquia será separatista ou não será.
Vulva la Anarquia!
Saparquia!

Anarquia ou Patriarquia?

Entre 8 a 10 de maio de 198, La Gryffe, uma livraria anarquista em Lyon (França), organizou uma jornada anarquista. Estes três dias significaram a oportunidade de um “acerto de contas com o movimento social, as formas de luta, o movimento anarquista desde o maio de ’68 e pensar sobre os recursos futuros para agir sobre o mundo”.

baixe o pdf “Anarquia ou Patriarquia?”

Esses três dias iluminaram um paradoxo no movimento anarquista. O questionamento da sociedade em seu todo continua em realidade limitado a questionar a esfera ‘pública’, a única considerada como política. Lamentavelmente é evitado fazê-lo via questionando o que acontece no ‘privado’, a esfera ‘pessoal’ (seja dentro de grupos militantes assim como no individual doméstico) continua sendo considerada não-política, e mesmo não-social… Como se, de um lado, houvesse indivíduos cuja psicologia, comportamento e relações fossem determinadas separadamente da sociedade e relações sociais e pessoais, por meio da ‘livre vontade’ e, por outro, relações sociais, aparentemente assimiladas a abstrações, esvaziem-se de qualquer significado uma vez que elas estão esvaziadas de indivíduos.
A despeito de um desejo declarado de abertura com relação à luta contra o patriarcado dos organizadores destes três dias de discussão, nós experimentamos, no entanto, uma negação da opressão das mulheres e uma estigmatização do movimento feminista não-misto que denuncia essa opressão. Esta foi a motivação para o desafio feminista expresso durante a reunião da plenária na tarde de sábado.

Como isso ocorreu?
Você disse… violência institucional?

Durante o debate sobre “violência institucional na comunidade ativista”, na Sexta, a questão do poder masculino foi abordada bem superficialmente. Em resposta, diversas intervenções por mulheres tenderam a demonstrar que a ‘liderança militante’ é quase sistematicamente exercida por homens. O problema de poder masculino foi igualmente e abertamente negado (certas pessoas disseram que as mulheres que se manifestavam estavam ‘mudando de assunto’), sustentando-se através de tentativas de justificação, com argumentos como esses a seguir:
– A necessidade de transmitir e/ou compartilhar conhecimento militante e político, implicitamente entendido como possuído, claro, por ativistas ‘treinados’ ou ‘experienciados’, portanto, pelos líderes presentes. Como esses líderes são 99,9% homens, este argumento implica que o conhecimento seria exclusivamente detido pelos homens, enquanto mulheres seriam ‘mais práticas’ (sic). Mas como é que nunca existem ativistas mulheres ‘treinadas’ e ‘experienciadas’?
O conceito de servidão voluntária, que absolve os dominantes (homens, brancos, heteros…) de sua responsabilidade, transferindo-a para @s dominad@s. Assim, a opressão se torna pessoal, psicológica, e, dessa forma, um problema não-social.
Nós podemos observar como, nesta questão da opressão das mulheres, muitos anarquistas defendem que cada indivíduo deva ESTRUTURAR A ELA OU ELE MESM@ fora das relações sociais de gênero. Por outro lado, eles não negam que outras relações sociais definem indivíduos em suas relações um@s com outr@s.
“Eu sou anarquista, logo sou anti-sexista”. Mas que forma toma esta luta anti-sexista? Que demandas são vociferadas mundo afora? Que vigilância demonstramos para com os padrões opressivos dentro dos grupos? E que questionamentos pessoais ela permite? O número mínimo de ações que podem ser organizadas são principalmente reflexivas da esfera pública e nunca são inter-relatadas; elas não integram as formas de opressão prevalente na esfera privada e isso também beneficia homens anarquistas… Isso leva à exclusão do todo-importante conceito feminista ‘o privado é político’.
As noções de sexismo e luta anti-sexista como elas são usadas no movimento anarquista, absolutamente não tomam conta da existência do patriarcado, isto é, uma relação social de dominação (e portanto, de opressão) exercida pelo gênero masculino contra o gênero feminino. Esta visão do sexismo parece limitada à discriminação baseada no gênero, nada mais: no entanto, na sociedade, não há apenas discriminação baseada no gênero, mas também posições sociais assimétricas baseadas no gênero. Nós muhleres e homens não somos assignad@s aos mesmos lugares hierárquicos na sociedade. A forma corrente de anti-sexismo anarquista não é suficiente porque apenas toma em consideração uma parte do problema, e muitas vezes serve para mascarar sua vera fundação. Esta forma de anti-sexismo de fato recusa-se a reconhecer – contrariamente ao feminismo – uma opressão específica de mulheres por homens, uma opressão que difere se as mulheres são lésbicas, bi ou heterossexuais. Este anti-sexismo reduz opressão à alienação, uma que poderia ‘igualitariamente’ ser aplicada a homens e mulheres.

Organização não-mista de mulheres à prova !

Sexta à tarde, tivemos que aguentar respostas hostis ao separatismo durante a projeção do vídeo ‘Crônicas Feministas’ em um cenário não misto. Essas discussões continuaram no dia seguinte durante o debate não-misto de mulheres em anarcofeminismo.
Durante o debate, QUEM ESTAVA ESCREVENDO A HISTÓRIA?
“1968 e depois, trinta anos de movimentos sociais” – Esta discussão ofereceu-nos três ou quatro ‘líderes históricos’, mas nenhuma pessoa para expressar a experiência de um dos movimentos sociais mais importantes daquele período: o movimento de libertação das mulheres. Nós podemos pensar que, mesmo se isso não era intencional, aí ocorreu a reprodução da marginalização das lutas de mulheres nesta programação.
Mas, durante o debate sobre a ordem patriarcal, sábado pela tarde, que as reações anti-feministas foram as mais violentas e provocaram a nossa resposta: do nosso ponto de vista feminista, era impossível ignorar tal backlash 1. O que presenciamos foi em realidade um JULGAMENTO em vez de um debate. Sua vera forma fez deste debate um ato de agressão e de condenação da nossas práticas de luta, viz.:
– o uso de exemplos anedotais para generalizar a questão feminista e as lutas lésbico-feministas;
– homens usando palavras de mulheres opostas às reuniões mistas de modo a dividir-nos mais uma vez, e de maneira a condenar seu anti-feminismo enquanto estabeleciam a eles mesmos em uma posição de árbitro.
Este debate serviu para negar nosso comprometimento e a legitimidade das nossas análises; um desejo de calar-nos estava claramente expresso.
Denunciar e atacar a não-mixticidade de mulheres, como foi feito aqui, era também uma maneira de sugerir que uma mixticidade real existe. Ainda assim, nós acreditamos que a mixticidade é uma ilusão: ou ela é quase não-existente (nos locais de trabalho, na escola desde as primeiras orientações de escolhas, nas organizações políticas, nas uniões…), ou, naquelas raras ocasiões onde ela ocorre, é inequalitária, isto é, uma minoria de homens está ocupando o centro, enquanto mulheres são mantidas na periferia, reduzidas a um papel de espectadoras, um papel de segunda-classe, atada às normas definidas por estes homens e para o poder masculino do qual eles são depositários. Esta primazia a-crítica concedida à mixticidade também nega a necessidade d@ oprimid@ de organizarem-se eles mesmos contra sua opressão e seus opressores… Que @ oprimid@ deveria se tornar s SUJEITS das suas lutas é contudo um princípio anarquista; muitas de nós achamos impossível e inútil manifestar-nos e tentar justificar algo que não deveria exigir justificação: a maneira como este debate tomou lugar ilustra as relações de poder criadas em um cenário misto, fazendo disto então algo muito melhor que qualquer argumentação.
Homens reclamam de se sentirem excluídos pela não-mixticidade das mulheres, quando dada a oportunidade de lidarem com a questão da mixticidade sob o tema ‘a ordem patriarcal’, eles desviaram o debate dirigindo-o e limitando-o à acusações niveladas à mixidade. Isso bem representa a necessidade de encontros de mulheres não-mistas para REALMENTE trabalhar CONTRA a ordem patriarcal!
Conseqüentemente, nós decidimos em um processo coletivo preparar uma intervenção durante o último debate no sábado sobre ‘o futuro do movimento anarquista’. Para nós esta era a oportunidade de desafiar os poderes aí postos: aqueles dos homens, aqueles dos líderes…

Que futuro anarquista para o movimento anarquista?

Homens convidados a falar foram seguidos um após o outro no podium, formulando versões oficiais da história, políticas e a estratégia de suas organizações… nenhuma única mulher, nenhuma lésbica sequer no horizonte da HIStoria 2…
Nossa primeira ação foram placas dizendo ‘VIOLÊNCIA SEXISTA’ e um pôster questionando ‘É ESTA UMA REUNIÃO NÃO-MISTA?’ junto a outros placares de um humor cáustico porém, realista. Nós queríamos ilustrar, de uma maneira simplificada por razões materiais, uma decodificação simultânea dos pertinentes discursos dominantes e como eles estavam funcionando ali. Um outro cartaz dizendo ‘COM VOCÊ, COM A GENTE’ foi dirigido à crítica das mulheres à não-mixticidade.
A despeito de algumas observações provocadas pela nossa presença (bem eloqüente, enquanto nós permanecíamos em silêncio), o debate foi adiante como se a gente não existisse. NÓS EXPERIENCIAMOS SER TORNADAS INVISÍVEIS ASSIM COMO É A SITUAÇÃO DAS MULHERES, LÉSBICAS E A LUTA.
Nossa segunda ação: mover-nos da periferia para o centro da sala. NÓS QUERÍAMOS TOMAR NOSSO LUGAR NO CENTRO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO UMA MANEIRA DE OFENDER. Aderem à nossa iniciativa outras mulheres presentes no salão. Se a gente falava umas entre as outras, isso era para tornar visível o fato de que em ‘geral’, homens falam entre eles mesmos. A tensão cresceu e um homem gritou para a gente: ‘sectárias’, facistas’, ‘gurias de merda’, ‘lésbicas’… Pior, encontramos a nós mesmas sendo acusadas de manipulação por mulheres dentro do nosso grupo, pela então chamada recusa de comunicar-nos e sectarismo. Estes são instrumentos tradicionais de poder, usadas pelos dominantes para manter e reafirmar sua dominação: eles simpesmente usam contra nós a crítica que dirigimos a eles. 3 Maior parte dos homens anarquistas se recusaram a incluírem a eles mesmos no grupo dos opressores, muito embora alguns logo admitiram que esta realidade é o único ponto de partida que podia permitir um questionamento deste papel e o da sua participação na manutenção do patriarcado.
Finalmente, certas pessoas estigmatizaram o nosso então chamado ‘desejo de sabotar o debate’, clamando que sentiam que o debate do futuro do movimento anarquista não podia tomar lugar ‘normalmente’… . É auto-evidente que nós lamentamos que certos outros debates (notadamente aquele sobre o Patriarcado) não podia tampouco tomar lugar ‘normalmente’… E nossa intenção era, notavelmente, despertar a consciência, neste debate, sobre o lugar das lutas feministas no futuro do movimento anarquista. Assim, a nossa intervenção era totalmente relevante para as questões em debate.

Uma profunda ação anarquista

Esta ação era baseada em uma motivação comum, mas seu desenvolvimento foi completamente espontâneo, assim como a escolha das mulheres que se juntaram à nós, e foi inteiramente dependente das reações do público. Isso poderia havê-la feito sair totalmente diferente…
Nossa ação feminista permitiu-nos gerar uma série de questões com relação ao compromisso e práticas anarquistas:
– Não seria a análise da dominação masculina, da opressão das mulheres e da lesbofobia um trabalho individual e coletivo de todos homens e todas mulheres? E qual é a significância das explicações ou justificações serem sistematicamente demandadas das feministas?
– Como podemos refletir sobre a articulação das diferentes lutas quando nenhuma delas é percebida como uma questão ‘específica’? Não apenas recusamos a noção de uma hierarquia de lutas, mas também consideradas essenciais como uma visão transversal da realidade social e política.
– Como percebemos o relacionamento entre as relações sociais e individuais? Que ligações reconhecemos entre o pessoal e o político? Como são as relações coletivas produzidas e reproduzidas no espaço privado ou pessoal? Como pode um indivíduo, um sujeito individual, fazer escolhas em uma sociedade que é construída em categorias e classes desiguais?
E sempre, Feministas, enquanto for necessário sê-lo!
Coletivo de mulheres, feministas e lésbicas envolvidas na ação feministas organizada durante os dias anarquistas de 8 a 10 de Maio em Lyon (França).
De, “Léo Vidal”
Data: Sábado, 22 de Agosto de 1998.

NOTAS:
1 Backlash: reação, refluxo, palavra usada para designar as reações aos progressos nas lutas feministas num plano coletivo ou estrutural, por parte das mídias, cultura de massas ou dentro de movimentos e até mesmo novas tendencias no feminismo, como seria o caso do pós-modernismo.
2 HIStória no contexto do texto está sendo usada para referir-se a ‘História dos homens’ ou seja, sua versão, já que “His” em inglês traduz-se por DELE. ‘História dele’. Feministas inventaram o termo ‘Herstory’ em inglês para desconstruir o sexismo da língua ressignificando história como ‘Nossa história’, ‘história dela’ (Her-Story).
3 A tão chamada ‘opressão reversa’
tradução e revisão coletiva online

https://apoiamutua.milharal.org – apoiamutua@riseup.net