Anarquismo na Atualidade – fala feita na 4ªFlapoa por uma companheira

Segue uma fala feita na 4ª Feira do Livro Anarquista de Porto Alegre, no dia de abertura, 15 de novembro passado. Foram feitas várias falas sobre anarquismo na atualidade. Depois seguiu-se um debate.

“Anarquismo na atualidade.

Aqui no Brasil o anarquismo teve uma visibilidade gigante devido as manifestações. A revolta tomou conta das ruas. Esta revolta foi absolutamente importante e uma manifestação das nossas insatisfações, uma necessidade de denunciarmos as injustiças pela ação direta. A ação direta não é apenas uma ação isolada e de ataque, pois ela é construída todos os dias. E embora esta visibilidade tenha tomado as proporções que tomou, as práticas anarquistas, as organizações ou formas de nos organizarmos libertárias são antigas. Anarquistas sempre se organizaram e procuraram alternativas para viver/sobreviver.

O anarquismo teve um período de hibernação no sentido de que parece ter ficado por algum tempo sem uma continuidade devido aos anos de ditadura. Nos anos 80 o anarquismo teve uma retomada muito forte e também sob influencia do punk. As bandas, as pessoas envolvidas encontraram no anarquismo e nas práticas anarquistas, nas práticas autogestionárias (por exemplo ocupações, espaços autogeridos, em fim) a busca pela libertação. A busca por viver e sobreviver perante as injustiças, a busca por alternativas que não as dos moldes tradicionais. A busca por pensar e construir lutando contra o controle das opressões institucionalizadas que estamos submetidas, submetidos.

Mas eu tenho pouco tempo para falar aqui, sendo esta apenas uma introdução, um apanhado muito generalizado sobre o anarquismo na atualidade. O que quero colocar para as que estão aqui presentes, e para os que estão aqui presentes, é de que o anarquismo nunca existirá sem feminismo.

E que isto para mim é atualidade.

Nós mulheres anarquistas que nos envolvemos em espaços anarquistas em busca por libertação, encontramos muita resistência de que nestes espaços nos escutem. De que nestes espaços exista de fato uma libertação. De que nestes espaços estejamos seguras. Não queremos nenhum tipo de segurança vindo de outrem, não queremos sermos protegidas, não é disto que estou falando. Falo de que precisamos que nestes espaços estejamos seguras para alcançarmos objetivos libertários em todas as esferas das nossas vidas. Não uma libertação pela metade, uma libertação que é sugerida muitas vezes como prioritária enquanto nós mulheres anarquistas sabemos muito bem de nossas prioridades, de nossas urgências, e de toda a opressão machista da qual sofremos, da qual lutamos contra todos os dias.

Sim, não existe anarquismo sem feminismo. A revolução diária, utópica, ou de fato, não será revolução se ela não for feminista. Não é aceitável que o feminismo seja luta de segunda ordem.
Temos visto na atualidade cada vez mais denúncias de agressões por parte de “companheiros”. É possível que dentro de espaços anarquistas tenhamos que lidar com a opressão do patriarcado como se estivéssemos nos espaços não anarquistas? É obvio que o patriarcado se reflete nas pessoas e não poderia ser diferente com nós anarquistas. Por isso justamente que temos que destruir com o machismo que está dentro de nós.

Eu repudio totalmente a ‘acusação’ de que estou me focando e sendo separatista. Porque sim, eu estou me focando e serei separatista se tiver que ser. Porque sectário já é o patriarcado, e também aprendi do anarquismo a me organizar. Esta suposta “união” de lutas muitas vezes abafa, invisibiliza opressões específicas. Também totalmente repudio tentativas de boicote a autonomia das mulheres e sei porquê elas existem. Porque existe medo de confrontar privilégios, porque existe medo de perder o controle sobre o comportamento e sobre os corpos de mulheres e lésbicas. Porque ou não se nota ou é bom estar com o poder a seu alcance para quando se precise ou se queira usar.

E sim quando digo nós mulheres o faço porque estou me colocando numa classe. Porque precisamos nos colocar como classe, como grupo, porque a opressão se apresenta para todas nós mulheres, anarquistas ou não.

Nos protestos mulheres foram estupradas por policias e supostos companheiros. Vimos homens se aproveitando da confiança e da proximidade na luta para subjugar mulheres que acabaram sendo violentadas e abusadas. E sempre se questiona a mulher. O que ela fez, o que ela vestia, que horas eram.

E enquanto nas ruas corremos da polícia, nós mulheres temos ainda uma outra ameaça. E quando nos separamos de nosso grupo de afinidade, de nosso bloco, temos isso em mente e nos nossos corações, porque desde que nascemos a ameaça e o abuso são institucionalizados, fazem parte do ar que respiramos.

Não meus amigos, sim, não amigas, amigos, especificamente para vocês, que nesta linguagem patriarcal me ignora, me exclui e me invisibiliza. Então: não meus amigos, não existe anarquismo sem feminismo. O patriarcado antecede ao capitalismo. E a atualidade continua patriarcal.Não existem práticas libertárias enquanto nós mulheres não formos livres.

Só seremos livres quando todas formos livres.
Não se ponham no caminho da nossa libertação.”

Fazer Limpeza

texto sobre gestão de violência em movimento social, extraído del períodico de Barcelona “Antisistema” número 15, junho de 2008.

No marco do movimiento libertário existe uma tendência unificadora que fortalece a coesão interna de um grupo já suficientemente isolado e rejeitado pelo exterior para que possa por em dúvida sua própria coerência desde dentro. Desta maneira, apesar das múltiplas diferenças ideológicas, as richas entre organizações e as disputas pessoais, sempre será arriscado pôr em dúvida a Correção política de um companheiro sobretudo no que se refere a tratamento desigual ou vexatório às mulheres. No caso das mulheres é diferente já que ao não vir acompanhada sua militância com uma auréola de entrega e heroísmo comparável a dos caras, tampouco sua falta de coerência é um feito grave ao considerarse que é de esperar sua falta de madurez política e sua debilidade ante as adversidades.

Acusar um “militante destacado” de agressão física, sexual ou psicológica a uma mulher (seja ou não sua companheira) supôe, em geral submeter-se a um interrogatório por parte de um entorno que atuará judicialmente, contrapesando a validez e a gravidade dos feitos, assim como os possíveis atenuantes do agressor para sua conduta (atitude e modo de vestir da menina, uso de alcool ou drogas…). A dúvida e a desconfiança será o primeiro com que se encontrará uma companheira ao denunciar públicamente uma situação de abuso, em parte por causa da busca de coesão interna para prevení-la des-membração de um grupo suficientemente ameaçado pelos perigos externos (isolamento social, repressão policial ,… ) mas sobretudo pela desvalorização da palavra da mulher em um movimento altamente masculino e masculinizante e pela percepção de “assuntos privados” que ainda pervive respeito às problemáticas de violência contra as mulheres.

Mas a dúvida sobre se os acontecimentos ocorreram realmente não será a única coisa com que terá que se enfrentar uma mulher que denuncia públicamente, no marco do políticamente correto, uma agressão por parte de um militante ou de um homem do entorno político. As mulheres que militam em organizações, grupos ou centros sociais de cariz libertário ou alternativo se auto-impôem, em muitas ocasiões, uma férrea dureza emocional para poder igualar-se com os homens que dificultará a própria percepção como mulher abusada ou agredida. Uma mulher feminista ou não sexista deve ser uma mulher autônoma e forte, imagem que se contrapôe no imaginário coletivo com a vítima de abusos ou de violência que se percebe como uma mercadoria defeituosa; uma mulher com baixa auto-estima, vulnerável e inclusive com desequilíbrios emocionais ou psicológicos derivados da agressão. Quê mulher feminista gostaria de identificar-se com esses parâmetros? E mais: da onde nasce essa percepção moralizante e vitimista das agressões físicas, psicológicas ou sexuais às mulheres?

Se partimos da base de que as mulheres que devem resolver e combater as agressões de nosso entorno, mediante a solidariedade e o apoio por uma parte e mediante a dureza e a violência por outra, então também devemos nós mesmas refletir sobre a violência e de nossa cumplicidade quanto a algumas condutas ou crenças que podem conduzir a ela.

A confissão por parte de uma mulher feminista OU “não sexista” de ser vítima de abusos, ou ter sido vítima de agressão sexual ou qualquer outra forma de violência genérica, corre o risco de converter-se em um talk-show mórbido e lacrimógeno e, no melhor dos casos, quer dizer, naqueles casos em que a mulher disponha de um grupo de mulheres de apoio, é muito provável que apesar de partir das melhores intenções, se acabe vitimizando à mulher fazendo ela se sentir ainda mais vulnerável. A reflexão, o apoio e a afetuosidade devem ser primordiais ao abordar uma problemática de violência contra uma companheira mas isso não nos livra de ter em conta que nenhuma característica define especialmente as mulheres agredidas, todas e cada uma de nós estamos em perigo, uma de nós está em perigo, partir de essa premissa nos afasta do vitimismo.

Vamos lá amigal! Quê você esperava? Isso podia acontecer com você, vamos combater juntAs!

O mito do “isso aqui não acontece” que se faz evidente na dúvida ante a denúncia pública de uma mulher vítima de abusos ou agressão por parte de um homem do entorno
político, nega a realidade e prejudica as mulheres. A ninguém lhes ocorreria duvidar de um companheiro que afirma ter sido vítima de violência policial ou de ter sofrido uma agressão por parte de um grupo fascista e muito menos se exigiria a este explicar detalhadamente como ocorreram os acontecimentos de tortura para verificar sua autenticidade. Porém ante uma agressão sexista a uma mulher muitos homens e mulheres se dotam da legitimidade para duvidar o interrogar a agredida e inclusive minimizar os fatos ou relegá-los à categoría de “assunto privado”. Posto que o pertencer a um movimento político não é garantia nem de pureza nem de retitude moral ou política ao não existir mais condição de pertinência que a própria iniciativa e posto que os assuntos relacionados com a luta das mulheres são minimizados, ridicuralizados ou diretamente rejeitados, podemos supôr que em nosso entorno hajam muitos homens com escasso compromisso com os valores anti-patriarcais e que alguns deles podem exercer como agressores ante um entorno que justificaria ou minimizaria sua ação. A crença de que as agressões às mulheres sucedem mais além de nosso entorno político, entorno que se mostra desde esta perspectiva, limpo e distante dos valores morais patriarcais, nos deixa indefesas ao negar uma realidade que se impôe de maneira brutal uma vez atrás da outra.

Por outro lado, alguns feminismos estiveram alimentando a idéia de que as mulheres devem permanecer distantes e protegidas do risco que supôe viver em um corpo sexuado de mulher e que deve ser a proteção estatal, a compreensão institucional e as medidas positivas as responsáveis de salvaguardar nossa integridade. Esta crença que se corresponde com um feminismo institucional e anti-revolucionário impregnando as crenças de muitos outros movimentos de mulheres anti-sexistas que se escandalizam ante os sucessos de violência de gênero ao comprovar que a via dialogada, mixta e apaziguadora não provocou mudança alguma nos homens de nosso entorno político ou no melhor dos casos há gerado um espaço de tolerância restrita aos preceitos feministas. O feminismo deve esvaziar-se da correção casposa que vem arrastando há décadas, as mulheres feministas devemos afastar-nos de uma vez por todas da comodidade da correção política e as pretensões de “intocabilidade” e aceitar que enquanto isto não mude (e não parece que isso vá ocorrer tão breve) em qualquer espaço público ou privado, político ou corrente corremos um risco. Agora, esse risco não deve perceber-se desde o medo e a aceitação passiva senão que desde o combate; assumir que o risco forma parte intrínseca de nossa existência como mulheres é aprender a combatê-lo e sobretudo é não derrubar-se quando o risco se converte em agressão: assim é a guerra!

A percepção da luta anti-patriarcal desde uma perspectiva mixta elude o componente do risco. Os ambientes mixtos geram um falso ambiente conciliador o qual faz parecer que os homens compartem nossas mesmas estratégias e finalidades, des-legitimando o uso da violência por parte das mulheres ao considerar que esta é uma medida extremista quando a mediação parece dar bons resultados. Bons resultados que desvanecem quando as exigências por parte das mulheres aumentam e quando estas já não estão dispostas a viver ou militar sob o jugo masculino.

Desta maneira, quando surgem iniciativas separatistas e excludentes que defendem o uso da violência contra os homens que se proclamem em guerra aberta contra as mulheres, o resto não será capaz de unir-se por cumplicidade ideológica senão que o farão por solidariedade de gênero. Ou seja, a tendência marjoritariamente masculina
será a de outros homens fazendo filas em torno a outros homens (incluindo em torno aos agressores) antes de mostrarem-se solidários com as mulheres, como exigiria uma lógica coerência, já que isso colocaria em entredito sua masculinidade e seria uma falta grave de incumprimento da normativa hegemônica de gênero segundo a qual, a irmandade masculina deve permanecer unida.

Assumindo os riscos intrínsecos de nossa própria condição o logro de nossa autonomia virá condicionado a nossa capacidade de combatê-los. O uso da violência e a prática agressiva será primordial para nos defender ante uma agressão mas a des-vitimização e des-categorização das mulheres agredidas também vai supôr uma prática libertadora, ao minimizar o poder e o domínio masculino e nos situar em igualdade de forças combativas. Supôr por exemplo que uma mulher que tenha sido agredida não poderá superar este fato traumático, ou ainda que este ocorrido condicionará suas atividades, será mais frágil ou vulnerável, dota ao homem agressor de um poder extra-limitado e ao mesmo tempo, infantiliza a mulher agredida. Razão pela qual muitas mulheres omitem o fato de terem sido vítimas de agressões ao não querer apresentar-se perante as demais deste modo – ocorrência que invisibiliza muitos casos de violência.

Quantas de nós conhecemos a homens com altas doses de sexismo, homens de tratamento pejorativo com relação às mulheres, homens que consideram as mulheres como objetos e que em troca gozam de uma consideração e de uma valorização excelente por parte do restante? Um homem prototípicamente revolucionário, um cretino e caricaturesco macho enérgico e ousado com capuz negro e pedra na mão que adora os ambientes mixtos que lhe permitem pavonear-se e mostrar seus dotes mas que detesta os grupos de mulheres que o excluem ao mesmo tempo que prescindem de seus encantos de sedutor. Este ou qualquer outro prototipo que nos venha à mente, capaz de criticar a uma mulher ou considerá-la menos inteligente por vestir-se demasiadamente feminina, e inclusive mulheres que reproduzem estes mesmos padrões, são comuns em nossos entornos políticos.

A surpresa e desconcerto que geram os episódios de violência contra as mulheres em nossos entornos politizados se nutrem do desconhecimento e da hipocrisia. A negação, a aceitação e inclusive a falta de contundência nas respostas ante os mais mínimos indícios são covardes cúmplices da violência contra as mulheres, e neste caso, em todas nós há algo que em maior ou menor medida cheira a podridão.

Façamos limpeza!

Laura

 

FILME BLOODMONEY: UMA DISTORÇÃO DA REALIDADE RACISTA DA CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

texto de panfleto produzido para protestar contra a exibição do filme “Blood Money, aborto Legalizado” que afirma que a legalização do aborto faz parte de uma conspiração para dizimar a população negra. O filme foi produzido por setores conservadores nos Estados Unidos e exibido no Brasil recentemente. O panfleto desmistifica a idéia do filme de que a legalização do aborto é racista. Pelo contrário, maiores vítimas de abortos clandestinos terminados em complicações reprodutivas e sexuais ou morte é a população negra e pobre.

noticia_394345_img1_cartaz-blood-30.09“As características mais comuns das mulheres que fazem o primeiro aborto é a idade até 19 anos, a cor negra e com filhos”

 

“Dez mulheres informaram ter abortado sozinhas e sem auxílio, quase todas eram negras, com baixa escolaridade e quatro delas mais jovens que 21 anos”.

“O aborto é comum entre mulheres de todas as classes sociais, cuja prevalência aumenta com a idade, com o fato de ser da zona urbana, ter mais de um filho e não ser da raça branca”.

 

“A esmagadora maioria de mortes por aborto registradas no SUS são de mulheres negras, pobres, muitas vezes já mães de família, e chefes de família.

A OMS afirma: uma mulher morre a cada dois dias no Brasil. Entre as causas está o aborto clandestino

 

“Um milhão de abortos são realizados no Brasil a cada ano, com 250 mil internações por complicações do procedimento.”


“22% das mulheres brasileiras de 35 a 39 anos, residentes em áreas urbanas, já fizeram aborto.”

Aborto legal, seguro e gratuíto é uma questão de saúde pública!

Proibir e criminalizar não impede que siga acontecendo. Apenas expõe mulheres a vulnerabilidade, e a prática clandestina e insegura, decorrendo daí muitas mortes por procedimentos mal sucedidos. A desigualdade social afeta o acesso à prevenção da gravidez e também a qualidade do aborto. No Brasil 70% da população pobre é afrodescendente, por conta da história de escravização. Logo quem mais paga o preço da criminalização do aborto é a juventude negra feminina, contribuindo para o que se chama “genocídio da juventude negra”.

São as mulheres negras que sofrem maior desassistência à saúde e menor acesso a direitos reprodutivos. Soma-se a isso, o racismo institucional de boa parte dos hospitais públicos, as mulheres negras que chegarem a um hospital em decorrência de um aborto mal sucedido, que é mais provável que ocorra para essa população que possui menor acesso a recursos financeiros e médicos ou a informação sobre saúde e educação sexual, mulheres negras sofrem muito maltrato por médicos e violências reprodutivas, sendo a população que também apresenta maior risco de mortalidade materna.

O conservadorismo sob o qual é constituído o Sistema de Saúde no Brasil impede que as unidades ofereçam um tratamento humanizado para mulheres que praticam aborto clandestino. Não é incomum ouvir casos de equipamentos deixados propositalmente nos úteros de mulheres que abortaram, para castigá-las pelo ato, além de outros constrangimentos físicos e morais aos quais estas mulheres estão suscetíveis.

Quem tem poder econômico paga, e muito bem, pelo aborto em clínicas clandestinas. São as mulheres pobres que morrem devido ao aborto mal feito.

Não podemos culpabilizar as mulheres que realizam abortos porque não existe verdadeiro acesso a informação e educação sexual e tampouco a assistẽncia em saúde. Nas relações entre homens e mulheres numa sociedade machista as mulheres possuem menor poder de negociação e decisão, nem sempre podendo se cuidar adequadamente em suas práticas sexuais.

Portanto a ilegalidade do aborto é que leva ao extermínio e criminalização da juventude negra, e não sua realização, constituindo mais uma das manifestações de racismo da sociedade brasileira.

EDUCAÇÃO SEXUAL PARA DECIDIR
MEIOS CONTRACEPTIVOS PARA NÃO ABORTAR
ABORTO LEGAL PARA NÃO MORRER

fontes:

  • Mulheres pobres e negras são as mais prejudicadas pela ilegalidade do aborto, 22/08/2011
  • Mulheres negras e pobres são mais vulneráveis ao aborto com risco, mostra dossiê. 24/06/20
  • Legalizar o aborto no Brasil pelo combate ao genocídio da população negra, por Marcha Mundial das Mulheres, 25 de Setembro de 2013.

mais infos:

o aborto é um negócio nos estados unidos
porque todo o sistema de saúde lá é privado. o modelo que defendemos é de
aborto legal realizado pelo SUS. esse modelo é muito mais próximo do de
portugal, onde comprovadamente o número de abortos diminuiu depois da
legalização. isso porque as mulheres tiveram mais acesso à informação, e em
vez de uma atitude desesperada, a interrupção da gravidez se tornou uma
opção consciente.

Como a polícia reforça a cultura de estupro

por stavvers

texto que fala papel que a polícia joga na legitimação da cultura de estupro

+Aviso de acionadores: esta postagem discute estupro, cultura de estupro e abuso de poder.+
A polícia, como sabemos, tem uma terrível e larga história com relação ao estupro. Alegações são muitas vezes não tomadas a sério e, em algumas situações, a polícia ativamente fabrica papéis para fazer os casos sumirem. É dificilmente uma surpresa o fato de que a vasta maioria dos casos de estupro não sejam reportados.

A mulher que foi desapontada pela polícia depois de ter encontrado a coragem para reportar seu estupro sabe isso muito bem, e três delas estão processando o funcionário pelo tratamento que receberam. Duas requerentes foram atacadas pelo estuprador serial John Worboys que poderia ter sido capturado anteriormente se a polícia tivesse escutado às mulheres.

A polícia não escuta. Porém, o oposto também é verdade

“Isso soa nos meus ouvidos ainda, o oficial dizendo ‘um taxista não poderia fazer isso'” ela (uma sobrevivente) diz.

“Isso parecia como se eles não quisessem saber. Em meus sonhos, eu gritava ‘por que você não acredita em mim?'”.
Meu coração dói por essa mulher. A esmagadora descrença em seu relato, depois de que uma violação horrificante ocorreu.

O comportamento do policial aqui é uma das manifestações mais declaradas da cultura de estupro: não acreditar na sobrevivente. Talvez o oficial tenha atuado de boa fé, não querendo maliciosamente jogar fora um caso de estupro (como muitos tiveram). Talvez o oficial apenas absorveu algumas frases de estoque e atitudes da cultura de estupro.

Isso não faz diferença. O policial possui uma posição única de poder: de última, eles decidem se eles vão se incomodar em ajudar uma sobrevivente. Cada momento da lógica da cultura de estupro está fracassando para a sobrevivente que pediu socorro. Cada investigação capenga e mal feita está falhando com a sobrevivente. Cada documento fraudulento jogado no caso está falhando com a sobrevivente. Estas sobreviventes escolheram perseguir um certo curso de ação, ativamente engajando-se com o estado para pedir o auxílio deste.

E eles estão falhando com esta.
Quem se beneficia destes arranjamentos? Estupradores. Cada vez que isso ocorre, as coisas se tornam um pouco mais fáceis pros estupradores. Elessabem que podem se sair bem dessa. Eles sabem que as chances estão a seu favor porque o estado os vai ajudar nessa.

A cultura de estupro apenas sempre beneficia estupradores, e a polícia está usando seu poder para reforçar isso.

Entre 2008 e 2012, houveram 56 casos documentados de estupro, agressão sexual e assédio. Em muitos destes casos, as reclamações foram encobertas e a sobrevivente desacreditada. Em um número assustadoramente largo dos casos, nenhuma acusação criminal foi sequer trazida. É duramente surpreendente, então, que a polícia possua um interesse implícito em manter a cultura de estupro em uma gritante boa saúde: eles estão se beneficiando disso.
Eu sou totalmente crítica da noção de que o poder que a polícia possui possa ser usado para o bem, para ajudar a superar a cultura de estupro desde cima. No melhor dos casos, a polícia pode apenas ser tão progressista quanto a sociedade que a gerou, então eles estarão ainda pisando na cultura de estupro. Isso sem calcular os efeitos psicológicos que tornam todos policiais em bastardos.

Há um vasto caminho para a melhora depois da revolução, no entanto. Eles podem, muito facilmente, parar de tão ativamente reforçar a cultura de estupro começando por uma posição de sempre acreditar na sobrevivente, mesmo que seja seu parceiro o acusado. Eles podem, muito facilmente, na verdade se importar em investigar os casos de estupro apropriadamente, respeitando a coragem da sobrevivente de ter seguido adiante com a denúncia. Melhoras são possíveis. Eu desejaria ser menos pessimista sobre o desejo das forças policiais em tentá-lo.

https://stavvers.wordpress.com/2012/07/21/how-the-police-enforce-rape-culture/

Sexo e Consentimento

SEXO E CONSENTIMENTO SEGUNDO SHEILA JEFFREYS

texto apresentado em jornada da campanha abolicionista “Ni una mujer mas victima de las redes de prostitucion” em La Plata, Argentina, 2012, problematiza o conceito de consentimento.

Refletimos sobre a noção de sexo e consentimento expressada por Sheila Jeffreys em “La herejía Lesbiana” (The Lesbian Heresy).
No sistema de supremacia masculina a construção do sexo implica a conotação erótica da subordinação das mulheres e do domínio dos homens, o que Sheila Jeffreys denomina “desejo heterossexual”. As consequências desta construção da sexualidade incluem a violação e o assassinato de mulheres e criaturas, assim como restrições a sua mobilidade, vestimenta, profissões.
A conotação erótica da desigualdade é fundamental para o sistema de supremacia masculina, como diz em Anticlímax é “o azeite que lubrifica a máquina da Supremacia Masculina”.

A ideologia patriarcal tenta convencer as mulheres de que o fato de que os homens as desejem as fazem poderosas, apesar das suas desvantagens sociais. Cicely Hamilton, feminista britanica, acusou aos homens de ter feito hincapie na capacidade sexual da mulher com o fim de satisfazer seu próprio desejo. O sexo proporcionou às mulheres “os meios de sustento”. A teórica lesbiana Monique Wittig demonstrou como a redução das mulheres à categoria de sexo contribuiu na sua opressão:

“A categoria de sexo é o produto da sociedade heterossexual que converte a metade da população em seres sexuais, as mulheres, embora extremadamente visíveis como seres sexuais, permanecem invisíveis como seres sociais”.

Consentimento, coartada e invisibilização da violência sexual. Quem são os beneficiários?

Um modelo de sexualidade baseado na idéia de consentimento parte da supremacia masculina. Segundo este modelo, uma pessoa, habitualmente um homem, utiliza sexualmente o corpo de outra pessoa, é um modelo baseado na dominação e na submissão, na atividade e na passividade. Não é mútuo. Não descansa na participação social de ambas as partes, não implica igualdade, nem reciprocidade.

O conceito de consentimento é um instrumento que serve para ocultar a desigualdade existente nas relações heterossexuais. A idéia de consentimento logra que a utilização e o abuso sexual das mulheres não se considerem dano nem infração dos direitos humanos. O consentimento das mulheres que pode obrigá-las a sofrer um coito indesejado ou a aceitar sua função como ajuda masturbatória, está construído atravé das pressões às quais se encontram submetidas: a dependência econômica, o abuso sexual, os maus-tratos, a propaganda acerca da função das mulheres.

Pode haver livre escolha neste contexto?

O problema que supôe considerar irrevogável o consentimento dado ao princípio em uma cena de S/M é comparável com a situação das mulheres que sofrem violações dentro do matrimônio ou em sua relação de pareja.

Caso Operação Spánner, Consentimento das Vítimas

Este caso de sadomasoquismo consensuado, em Gran Bretaña, 1992, foi célebre. A sentença considerou que o consentimento não é motivo de absolvição em um caso de danos corporais sem motivo suficiente quando se infligiam danos ou feridas que atentan contra a saúde e o bem-estar da parte contrária. Princípio irrevogável do consentimento que se chama “não-consentimento consensuado” e sua definição é a seguinte:

O princípio irrevogável de consentimento se chama “não-consentimento consensuado” e sua definição é a seguinte:

“Conscientes en estar aí, conscientes em deixar-lhes fazer o que queiram, segue seeno tua decisão inicial”.

O consentimento se converte em algo que só ao despertar d dia seguinte se pode calibrar, segundo a sensação de incômodo que se tem. Muitas vezes ocorre no SM que não se há dado consentimento ao que mais excita, nem se daria nunca se o pedissem, e apesar de tudo, o fazem. Se fazes coisas que a ambas partes lhes parece bem ao dia seguinte, é bom, se te sentís fodida, não o é.

As que professam o não-consentimento consensuado demonstram uma nada surpreendente falta de solidariedade, de signo anti-feminista, com as mulheres que resultam gravemente feridas na prática SM. Segundo Alix, “qualquer pessoa que seja tão estúpida que não sabe com quem se vai, se merece tudo o que lhe ocurra”. Essa é a teoria da evolução posta na prática.

A perspectiva feminista mantém que as mulheres não são merecedoras de abusos, independente de seu comportamento e de que # responsável de abuso é sempre # abusador#.

Quando a construção do sexo significa a conotação erótica da desigualdade, a idéia de consentimento pode incitar a violência masculina e ao sadomasoquismo. A idéia de consentimento se erige então em um tabu que deve ser transgredido.

A nova indústria do sexo lésbico institucionaliza e mercantiliza a conotação erótica da subordinação das mulheres, revendendo-a como prazerosa e revolucionária.

A pornografia e sexologia masculina entenderam ao lesbianismo como uma mera prática sexual.
Agora que a revolução sexual chegou às lesbianas, contamos com os problemas relacionados com a prática da desigualdade eroticamente conotada ou o desejo heterossexual, as consequencias da opressão das mulheres, o dano provocado pelo abuso sexual, a utilização das mulheres na indústria do sexo e a lesbofobia, facilitaram a matéria prima: as lesbianas autoras e modelos da indústria do sexo, que sofrem maltrato nas festas SM e que atuam diretamente em espetáculo público.

Pornografia e prostituição

A prostituição não é um trabalho como qualquer outro, obedece especificamente à opressão das mulheres. Só pode existir porque uma classe dirigente é capaz de converter em objetos a um grupo de pessoas obrigadas a satisfazer suas necessidades – sem esta necessidade, sem seus privilégios sexuais, sem pobreza, nem exploração, não existiria a prostituição. O estigma que portam as mulheres em situação de prostituição está vinculado ao abuso real que resulta da utilização das mulheres por meio da prostituição. Para poder infrigir um trato infra-humano a um determinado grupo de pessoas faz falta classificá-las de inferiores e justificar deste modo o abuso das mesmas. As lesbianas que desejam usar a outras mulheres mediante a prostituição dispôem de uma reserva de outras mulheres curtidas por homens.

As lesbianas consumidoras de material pornográfico estão utilizando a outras mulheres da indústria sexual, aspiram em última instância ao que elas entendem como privilégio dos homens. Isso inclui a utilização das mulheres mediante a prostituição. A erótica e a pornografia requerem a utilização das mulheres na indústria sexual, é pouco provável que estejam fazendo amor, senão que ganhando seu sustento.

MacKinnon explica que na dinâmica da pornografia tudo aquilo que excita aos homens se considera sexo. Na pornografia, a violência mesma é sexo, a desigualdade é sexo. Sem hierarquia a pornografia não funciona. Sem domínio, sem violência não pode haver excitação sexual. Longe de construir uma nova sexualidade, estão reutilizando a velha, se encontram confinadas aos clises patriarcais.

Gênero desde as teóricas radicais e Gênero desde as teorias lésbicas e gays

Algumas teóricas feministas radicais assinalam que a idéia de gênero tende a ocultar as relações de poder do sistema de supremacia masculina como algo que pode ser superado. A idéia do caráter inevitável do gênero e do falogocentrismo parece a Sheila Jeffreys uma visão pessimista e determinista, concordante com a tendência do pós-modernismo de considerar a militância política e a fé na viabilidade de uma mudança política como uma atitude suspeita.

Em um dos primeiros manifestos feministas lésbicos, “uma lesbiana é a fúria de todas as mulheres condensada até o ponto da explosão”. Se lutava contra o patriarcado, se buscava destruí-lo, sair dos estereotipos de gênero, criar outro tipo de sociedade.

A versão de gênero introduzida pela teoria lesbiana e gay é distinta das teóricas feministas. Se trata de um gênero despolitizado, não associado à violência sexual, à desigualdade econômica, não nomeia aos homens como historicamente perpretadores e beneficiados pela opressão. Reproduzem a categoria binária feminino-masculino, passivo-ativo. Excluem aos homens de análise, o poder se converte em um sentido foucaultiano, em algo que navega por aí em perpétua reconstituição, sem conexão com as pessoas reais.

Cabe perguntar em interesse de quem ou quens se constitui esses regimes de poder do heterossexismo e do falocentrismo.

Nos interpelam que se há consentimento, se é uma escolha a prostituição, não há violência, nos acusam de vitimizar. E Sheila Jeffreys nos permite responder: na conotação erótica da desigualdade. Na supremacia masculina, no prostituinte, aí está a violência.

Redescubrindo o gênero como jogo, apresentando como diversão, subjetivo, essa teoria serve de sustento, é funcional ao sistema patriarcal capitalista, propagandizando a prostituição como escolha e o S/M como jogo. Apresentando como revolucionárias as historicas opressões. A transformação politica se sustitui pela satisfação sexual pessoal mediante a prática S/M. Os artigos periodísticos anunciam e promocionam brinquedos sexuais, vídeos pornográficos, serviço de prostituição… Tudo o que possa dar dinheiro por meio de comercialização e a mercantilização do sexo. Com a cumplicidade da indústria farmacológica, incentivando o uso de estimulantes e hormonios, estimulando os estereotipos, o consumismo, copiando o que se vê na pornografia, provocando excitação, auto-lesões, doenças e condutas criminais.

A sexualidade da crueldade S/M, segundo Sheila Jeffreys, não é inata, nem inevitável: “A experiência da opressão prejudicou nossa capacidade de amar-nos umas a outres com dignidade e amor próprio, e não somente com um intenso sentimento de prazer. Podemos enfrentar a todas as pressões que nos querem fazer amar a bota que nos golpeia enviando-nos de volta à submissão. Podemos optar por não manter uma relação amorosa com nossos opressores. Podemos escolher uma sexualidade que não participa da nossa opressão, senão da nossa politica de resistência”.

O S/M, o sistema prostituinte, os violadores, para justificar-se manipulam politicamente a noção de consentimento. A idéia de que alguém possa buscar deliberadamente o abuso e a degradação é muito facilmente extrapolável à justificação dos sistemas políticos opressivos. Por consiguinte, o princípio político básico do S/M e da prostituição como escolha contradiz nossas lutas abolicionista do sistema prostituinte e de erradicação do abuso sexual infantil.
Lutamos por uma sociedade baseada no direito de todas as pessoas à dignidade, a igualdade, o amor próprio e à autonomia.

Raquel Disenfeld

“LESBICAS EM REVOLTA”, Tremores e Arrepios na Supremacia Masculina, por Charlotte Bunch

Este artigo foi escrito para a revista The Furies, publicação lésbica feminista, no vol.1 em Janeiro 1972. A revista era editada por uma coletiva lésbica separatista com o mesmo nome, e se prestava a fazer emergir uma teoria e uma análise lésbico-feminista própria. Segue o texto:

O desenvolvimento de políticas Lésbicas-Feministas como a base para a libertação das mulheres é nossa prioridade maior, esse artigo contorna nossas idéias presentes. Em nossa sociedade que define todas pessoas e instituições para o benefício dos ricos, homens e brancos, a Lésbica está em revolta. Em revolta porque ela define a si mesma nos termos das mulheres e rejeita as definições dos homens de como ela deve se sentir, agir, aparentar e viver. Ser uma lésbica é amar-se a si mesma, mulher, numa cultura que deprecia e despreza mulheres. A Lésbica rejeita a dominação sexual/política masculina, ela desafia seu mundo, sua organização social, sua ideologia, e sua definição dela como inferior. Lesbianismo coloca a mulher em primeiro lugar enquanto a sociedade declara o macho supremo. Lesbianismo ameaça supremacia masculina ao seu núcleo. Quando politicamente consciente e organizado, é central em destruir nosso sistema sexista, racista, capitalista e
imperialista.

Lesbianismo é uma
escolha política

A sociedade masculina define Lesbianismo como um ato sexual, o que reflete a visão limitada das mulheres: eles apenas nos pensam em termos de sexo. Eles também dizem que Lésbicas não são mulheres reais, logo, uma mulher real é aquela que é fodida por homens. Nós dizemos que uma Lésbica é uma mulher a qual o senso de si e de energias, incluindo energias sexuais, centram em torno de mulheres – ela é identificada com/como/na mulher (Mulher-Identificada).

A mulher-identificada com a mulher compromete a si mesma às outras mulheres para suporte político, emocional, físico e econômico. Mulheres são importantes pra ela. Ela é importante pra si mesma. Nossa sociedade demanda que o comprometimento das mulheres seja reservado aos homens.

A Lésbica, a mulher-identificada com a mulher, compromete a si mesma às mulheres mão apenas como uma alternativa aos relacionamentos opressivos homem-mulher, mas primariamente porque ela ama mulheres. Seja conscientemente ou não, pelas suas ações a Lésbica reconheceu que dando suporte e amor a homens sobre mulheres, perpetua o sistema que a oprime. Se mulheres não fizerem um comprometimento dumas com as outras, que inclua amor sexual, nós negamos a nos mesmas o valor e amor tradicionalmente dados aos homens. Nós aceitamos nosso status de classe secundária. Quando mulheres dão energias primárias a outras mulheres, então é possível concentrar-se plenamente em construir um movimento para nossa libertação.

Lesbianismo identificado-em mulher é, então, mais do que uma preferência sexual, é uma escolha política. É político porque relações entre homens e mulheres são essencialmente políticas, elas envolvem poder e dominância.

Uma vez que Lésbicas rejeitam ativamente esses relacionamentos e escolhem mulheres, ela desafia o sistema político estabelecido.

 

Lesbianismo, por si mesmo, não é o suficiente


É claro, nem todas Lésbicas são conscientemente mulheres-identificadas, nem são todas comprometidas em achar soluções comuns para a opressão que elas sofrem como mulheres e Lésbicas. Ser uma lésbica é parte do desafio à supremacia masculina, mas isso não é o fim. Para a Lésbica ou mulher heterosexual, não há solução
individual para a opressão.

A Lésbica pode pensar que ela é livre uma vez que ela escapa da
opressão pessoal dos relacionamentos homem/mulher. Mas para a
sociedade ela ainda é uma mulher, ou pior, uma Lésbica visível. Nas
ruas, no trabalho, nas escolas, é tratada como inferior e está sob a
custódia dos caprichos e poder masculino (eu nunca ouvi falar de um
estuprador que parou porque sua vítima era Lésbica). Esta sociedade
odeia mulheres que amam mulheres, e então, a Lésbica, que escapa à
dominância masculina em seu lar privado, recebe-a em dobro das mãos da sociedade masculina, ela é assediada, isolada e calada ao máximo.

As Lésbicas precisam se tornar feministas e lutar contra a opressão das mulheres, assim como feministas precisam se tornar Lésbicas se elas
esperam pôr fim à Supremacia Masculina.

A sociedade estadunidense encoraja soluções individuais, atitudes
apolíticas e reformismo para nos manter aquém de revolta política e
afastadas do poder. Homens que comandam e machos esquerdistas que
desejam governar tentam despolitizar sexo e as relações entre homens e
mulheres de forma a nos prevenir de atuar para pôr fim à nossa
opressão e desafiar seu poder. Assim que a questão da homossexualidade
se torna pública, reformistas definem-na como uma questão privada de
‘com quem você dorme’ no intento de retroceder nosso entendimento das
políticas de sexo. Para a Feminista-Lésbica essa não é uma questão
privada, isso é uma matéria política de opressão, dominação e poder. Reformistas oferecem soluções que mantém o poder nas mãos do opressor.

A única maneira que pessoas oprimidas coloquem fim a sua opressão é por arrebatar poder: pessoas cujo poder depende da subordinação de outras não irão voluntariamente parar de oprimir. Nossa subordinação é a base do poder masculino.

 

Sexismo é a raíz de toda opressão

A primeira divisão de trabalho, na pré-história, foi baseada em sexo: homens caçavam, mulheres construíam as vilas, cuidavam das crianças e
roçavam. Mulheres coletivamente controlavam a ilha, a linguagem, a
cultura e as comunidades. Homens eram aptos a conquistar mulheres com
armas que desenvolveram para caçar quando se tornou claro que mulheres
estavam liderando uma existência mais estável, pacífica e desejável.

Nós não sabemos exatamente como essa conquista tomou lugar, mas está
claro que o imperialismo original foi dos homens sobre as mulheres: o
homem clamando o corpo feminino e seus serviços como seu território
(ou propriedade).

Tendo garantido a dominação sobre mulheres, homens continuaram seu
modelo de supressão de pessoas, agora nas bases da tribo, raça e
classe. Apesar de que tenha havido numerosas batalhas sobre classe e,
raça e nação passados três mil anos, nenhuma trouxe a libertação das
mulheres. Enquanto essas outras formas de opressão devem ser
terminadas, não há razão para acreditar que nossa libertação virá com
a destruição do capitalismo, racismo ou imperialismo de hoje. Mulheres
serão livres apenas quando se concentrarem em derrotar Supremacia
Masculina.

Nossa guerra contra supremacia masculina envolve, entretanto, atacar
as dominações atuais baseadas em classe, raça e nação.

Como Lésbicas que estão subtraídas de qualquer grupo, seria suicídio perpetuar essas divisões feitas por homens entre nós mesmas. Nós não temos privilégios heterosexuais, e quando nós publicamente assertarmos nossa Lesbianidade, aquelas de nós que o fizeram perderam muitos de nossos privilégios de classe e raça: muitos de nossos privilégios como
mulheres são concedidos a nós por nossos relacionamentos com homens
(pais, maridos, namorados) a quem agora rejeitamos. Isso não significa
que não há chauvinismo racista ou classista em nósmas nós precisamos
destruir essas divisões remanescidas de comportamento privilegiado
entre nós como primeiro passo acerca de sua destruição em nossa
sociedade. Raça, classe e opressões nacionais advêm de homens, servem
aos interesses da elite da classe de homens reinantes, e não têm lugar
em uma revolução que seja mulher-identificada.

 

Lesbianismo é a ameaça básica à supremacia masculina

Lesbianismo é a ameaça à base ideológica, política, pessoal e
econômica da supremacia masculina.  As lésbicas ameaçam ideologia da
supremacia masculina por destruir a mentira da inferioridade, fraqueza, passividade da mulher, e por negar a necessidade ‘inata’ de mulheres por homens (até mesmo para procriação se a ciência da clonagem for desenvolvida).

A independência Lésbica e recusa a suportar a um homem mina o poder
pessoal que homens exercem sobre mulheres. Nossa rejeição do sexo
heterosexual desafia dominância masculina em sua forma mais
individual e comum. Nós oferecemos a todas mulheres algo melhor que
submissão à opressão pessoal. Nós oferecemos o início do fim da
supremacia masculina coletiva e individual. Desde que homens de todas
raças e classes dependem de suporte e submissão femininos para
trabalhos práticos e sentimento de onipotência, nossa recusa a
submeter-nos irá forçar alguns a examinar seus comportamentos
sexistas, a quebrar com seus próprios privilégios destrutivos sobre
outros humanos e a lutar contra esses privilégios nos outros homens.

Eles terão que construir novos sentidos de ser que não dependam de
oprimir mulheres e aprendam a viver em estruturas sociais que não os
dê poder sobre ninguém.

A Heterossexualidade separa mulheres umas das outras, ela faz mulheres
definirem a si mesmas através de homens, ela força mulheres a competir
umas contra as outras por homens e os privilégios que advém por
intermédio deles e sua posição social. A sociedade heterossexual oferece
a mulheres poucos privilégios como compensações se elas abrirem mão
de sua liberdade: por exemplo, mães são respeitadas e ‘honradas’,
esposas ou amantes são socialmente aceitadas e dadas alguma segurança
econômica e emocional, uma mulher toma proteção física nas ruas quando
ela está com seu homem, etc. Os privilégios dão a mulheres
heterosexuais um motivo. pessoal e político em manter o status quo.

A Lésbica não recebe qualquer desses privilégios heterossexuais uma vez
que ela não aceita a demanda dos homens dela. Ela tem poucos
interesses velados em manter o sistema político presente uma vez que
todas instituições – igreja, estado, mídia, saúde, escolas – trabalham
para mantê-la abaixo. Se ela compreender sua opressão, ela não tem nada a ganhar suportando a América macha branca rica e muito a ganhar de lutar para mudar isso. Ela está menos inclinada a aceitar soluções
reformistas para a opressão de mulheres.
Economias são uma parte crucial da opressão de mulheres, mas nossa
análise de relações entre capitalismo e sexismo não estão completas. Nós sabemos que teoria econômica marxista não considera suficientemente o papel de mulheres ou Lésbicas, e nós estamos presentemente trabalhando nessa área.

De qualquer forma, como um início, alguma das formas como Lésbicas
ameaçam o sistema econômico são claras: nesse país, mulheres trabalham
para homens para sobreviver, no trabalho e em suas casas. A Lésbica
rejeita essa divisão de trabalho nas suas raízes; Ela recusa ser uma
propriedade de um homem, a submeter-se ao sistema de trabalho mal pago de dona de casa e criação de crianças. Ela rejeita a família nuclear
como a unidade básica de produção e consumo em uma sociedade capitalista.

A Lésbica é também uma ameaça ao trabalho porque ela não é a trabalhadora mulher passiva/turno-parcial com que capitalismo conta para
fazer trabalho enfadonho e ser parte de um suprimendo laboral acumulativo.

Sua identidade e suporte econômico não vêm de homens, então seu trabalho é crucial e ela se preocupa com condições de trabalhos, salários, promoção e status.

O Capitalismo não pode absorver
largo número de mulheres demandando emprego estável, salários
decentes, e recusando aceitar exploração de trabalho tradicional.  Nós não entendemos ainda os efeitos totais dessa insatisfação crescente de
trabalho que temos. Isso é, de qualquer forma, está claro que uma vez que
mulheres se tornam mais intencionadas em tomar controle de suas vidas, vão procurar maior controle sobre seus trabalhos, por incrementar as tensões do capitalismo e incrementar o poder das mulheres para mudar o sistema econômico

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento para reagir à supremacia masculina

O Lesbianismo Feminista, como a ameaça mais básica à supremacia masculina, toma parte da análise do sexismo da Libertação das Mulheres
e dá à ela força e direção. A Libertação das Mulheres carece de
direção agora porque ela tem falhado em encarar classe e raça como
diferenças reais nos comportamentos de mulheres e necessidades
políticas. Enquanto mulheres heteros vejam Lesbianismo como uma
questão privada, elas estarão contendo o desenvolvimento de políticas e
estratégias que poderiam por um fim à supremacia masculina, e elas dão
a homens uma desculpa pra não lidar com seu sexismo.

Ser uma Lésbica significa acabar com sua identificação, sua aliança,
sua dependência, e seu suporte à heterossexualidade. Significa acabar
seu envolvimento no mundo masculino tanto que você se une às mulheres,
individualmente e coletivamente, na luta para acabar com sua opressão. Lesbianismo é a chave para a libertação, e apenas mulheres que cortarem seus laços com Privilégio Masculino podem ser acreditadas de
permanecerem sérias na luta contra dominância masculina. Aquelas que
se mantém ligadas a homens, individualmente ou em teoria política, não se permitem jamais pôr mulheres em primeiro lugar. Não é que mulheres
heterossexuais sejam más ou não se importem com suas irmãs. Isso é
porque a vera essência, definição, e natureza de heterossexualidade é
homens-em-primeiro. Toda mulher experienciou aquela desolação quando
sua irmã pôe seu homem em primeiro lugar ao final de um confronto:
a heterossexualidade demanda que ela o faça. Enquanto mulheres ainda se
beneficiarem da heterossexualidade, receber seus privilégios e
segurança, elas irão em alguma hora ter de trair suas irmãs,
especialmente as irmãs Lésbicas que não recebem esses privilégios.

As mulheres na Libertação de Mulheres têm entendido a importância de ter encontros e outros eventos apenas para mulheres. Tem sido claro que lidando com homens divide- nos e drena nossas energias e que não é o
papel do oprimido explicar ao opressor a sua opressão. Mulheres também
têm visto que coletivamente, homens não vão lidar com seu sexismo até
que eles sejam forçado a isso. Mesmo assim, muitas dessas mulheres
continuam mantendo relacionamentos primários com homens
individualmente e não compreendem porque as Lésbicas acham isso
opressivo. As Lésbicas não podem crescer politicamente ou pessoalmente em uma situação que nega a base de nossas políticas: que Lesbianismo é
político, que heterossexualidade é crucial para manutenção da
supremacia masculina.

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento político na ordem de crescer.  Mudanças que vão ter mais do que efeitos simbólicos em nossas vidas serão guiadas por Lésbicas mulheres-identificadas que entenderam a natureza de nossa opressão e que estão por isso mesmo em posição de acabá-la.

“Uma declaração Negra Feminista” – Combahee River Colective (A Coletiva do Rio Combahee) – Abril de 1977

A Coletiva do Rio Combahee (Combahee River Colective) foi um grupo feminista negro ubicado na cidade de Boston cujo nome veio da ação guerrilheira inventada e dirigida por Harriet Tubman em 12 de junho de 1963, na região Port Royal do estado da Carolina do Sul. Esta ação liberou mais de 750 escrav*s e é a única campanha militar na história americana planejada e dirigida por uma mulher.

Somos uma coletiva de feministas Negras1 que estiveram se juntando desde 1974. Durante este tempo estivemos nos envolvendo no processo de definir e clarificar nossa política, e ao mesmo tempo estivemos fazendo trabalho político em nosso próprio grupo e em coalizão com outras organizações e movimentos progressistas. A declaração mais geral de nossa política neste momento seria a de que estamos comprometidas a lutar contra a opressão racial, sexual, heterossexual e classista, e que nossa tarefa específica é o desenvolvimento de uma análise e prática integradas baseadas no fato de que os sistemas maiores de opressão se interligam. A síntese dessas opressões criam as condições de nossas vidas.

Como Negras vemos o feminismo Negro como o lógico movimento político para combater as opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor.

 A seguir discutiremos quatro temas importantes: (1) A gênese do feminismo Negro contemporâneo; (2) no que acreditamos, por exemplo, no campo específico da nossa política; (3) os problemas em organizar as feministas Negras, incluindo uma breve “herstoria”2 de nossa coletiva e (4) os temas e a prática feminista negra.


1. A Gênese do feminismo Negro contemporâneo

Antes de apresentar o recente desenvolvimento do feminismo Negro gostaria de afirmar que localizamos nossas origens na realidade histórica das mulheres afro-americanas3 e sua luta contínua de vida ou morte para sua Sobrevivência e libertação. A relação excessivamente negrativa da Negra com o sistema político estadounidense (um Sistema manejado pelo homem branco) sempre foi determinada pela nossa categorização em duas castas oprimidas: a racial e a sexual. Angela Davis indicou em “Reflexões sobre o papel da mulher Negra em uma comunidade de escravos” que as Negras sempre incorporaram, mesmo que somente em sua manifestação física, uma postura adversária ao mando do homem branco e estiveram resistindo ativamente às incursões sobre elas e suas comunidades de maneira tanto dramática quanto sutis. Sempre houveram Negras ativistas – umas conhecidas como Soujourner Truth[1], Harriet Tubman[2], Frances E. W. Harper,[3] Ida B. Wells Barnett[4] e Mary Church Terrel[5], assim como mil tantas outras não conhecidas que compartiram seu reconhecimento de que a combinação da sua identidade sexual e identidade racial faz única sua situação vital total tanto como o enfoque de suas batalhas políticas. O feminismo negro contemporâneo é um reflorecimento de incontáveis gerações de sacrifício pessoal, militância e trabalho por parte de nossas mães e irmãs.

Uma presença feminista Negra se há desenvolvido mais claramente em conexão com a segunda onda do movimento da mulher angloamericana que começou pelos últimos anos dos ’60. As Negras, outras terceiromundistas e trabalhadoras se comprometeram ao movimento feminista desde seus princípios, mas as forças reacionárias exteriores tanto como o racismo e elitismo dentro do mesmo movimento serviram para obscurecer nossa participação. Em 1973, feministas Negras, principalmente as radicadas em Nova Iorque, sentiram a necessidade de formar um grupo feminista Negro separado. Este veio a ser a Organização Nacional Feminista Negra (The National Black Feminist Organization – NBFO).

A política feminista Negra também tem uma conexão evidente com os movimentos para a libertação Negra, em particular os das décadas de 60 e 70. Muitas de nós participamos nos movimentos (Direitos Civis, Nacionalismo Negro, As Panteras Negras) e todas nossas vidas foram afetadas e transformadas por suas ideologias, suas metas, e as táticas empregadas para alcançá-las. Nossa experiência e desilusão com esses movimentos de libertação, tanto como a experiência nas margens esquerdistas masculinas dos brancos, nos levou a ver a necessidade de desenvolver uma política que fosse anti-racista, à diferença das mulheres brancas, e anti-sexista, à diferença dos homens Negros e brancos.

Sem dúvida também há uma gênese pessoal no feminismo Negro, isso é, o reconhecimento político que emerge das experiências aparentemente pessoais das vidas individuais das mulheres Negras. As Feministas Negras e muitas mais Negras que não se definem como feministas experimentaram a opressão sexual como um fator constante em nossa existência cotidiana. Como meninas percebemos que eramos diferentes dos homens e que eles nos tratavam distinto. Por exemplo, ao mesmo tempo que nos faziam calar-nos para que nos vissem como “damas” e para nos fazermos mais admissíveis aos olhos da gente branca. Enquanto crescíamos nos demos conta que a ameaça de abuso físico e sexual por parte dos homens. A pesar de tudo, não tínhamos nenhuma maneira de conceptualizar o que era tão óbvio para nós, que sabíamos o que em realidade sucedia.

As Feministas Negras frequentemente falam de seus sentimentos de loucura de reconhecer os conceitos da política da sexualidade, do mando patriarcal, e mais importante, o feminismo, o análise político e a prática que nós as mulheres usamos para lutar contra nossa opressão. O fato de que a política racial e claramente o racismo são fatores que penetram em nossas vidas não nos permite a nós nem a maioria das mulheres Negras, ver mais a fundo dentro de nossas experiências e, a partir de esta conscientização desenvolvida e compartilhada, construir uma política que transformará nossas vidas e inevitavelmente dará fim a nossa opressão. Nosso desenvolvimento também está submetido à atual posição política da gente Negra. A geração da juventude Negra que seguiu à segunda guerra mundial foi a primeira que pode tomar a menor vantagem de certas opções educativas e de emprego, antes totalmente fechadas à gente Negra. Como resultado dessas poucas opções, nossa posição econômica ainda está pelo chão da economia capitalista norte-americana, umas poucas de nós pudemos obter conhecimentos que nos permitem lutar contra nossa opressão de maneira eficaz.

Uma combinada posição anti-racista e anti-sexista nos juntou inicialmente e, enquanto nos desenvolvíamos politicamente nos dirigimos ao heterossexismo e à opressão econômica sob o capitalismo.

2. No que acreditamos

Sobretudo, nossa política brotou primeiramente da crença compartida de que as Negras somos inerentemente valiosas, que nossa libertação é necessária, não como adjunto à de alguém mais, mas devido a nossa necessidade de autonomia como pessoas humanas. Isso pode parecer tão óbvio como para soar simples, mas é aparente que nenhum outro movimento ostensivelmente progressista considerou nossa opressão específica como prioridade nem trabalhou seriamente para acabar com essa opressão. Só nomear os estereótipos pejorativos atribuídos às Negras (por exemplo mammy/niñera Negra, matriarca, Sapphire, puta, bull-daggar/sapatão) sem categorizar o tratamento cruel, frequentemente sanguinário, indica o tão pouco valor que foi dado a nossas vidas durante quatro séculos de escravidão no hemisfério ocidental. Reconhecemos que a única gente a quem importamos o suficiente para trabalhar por nossa libertação somos nós mesmas. Nossa política nasce de um amor saudável por nós mesmas, nossas irmãs, nossa comunidade que nos permite continuar nossa luta e trabalho.

Este enfoque sobre nossa própria opressão está incorporado ao conceito de política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente a mais radical se deve basear diretamente em nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente. No caso das Negras este conceito é especialmente repugnante, perigoso, e ameaçante, e portanto revolucionário porque é óbvio ao ver de todos os movimentos políticos antecedentes ao nosso que neles qualquer outra pessoa merece a libertação mais que nós mesmas. Rechaçamos pedestais, ser rainhas, ou ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é suficiente.

Nós acreditamos que a política da sexualidade sob este sistema patriarcal se assenhora da vida das vidas das mulheres Negras tanto como a política de classe e raça. Também encontramos difícil separar a opressão racial da classista e da sexual porque em nossas vidas as três são uma experiência simultânea. Sabemos que não existe uma coisa tal como uma opressão racial-sexual que não seja somente racial ou somente sexual; por exemplo, a história da violação das Negras por homens brancos como uma arma da repressão política.

Embora sejamos feministas e lesbianas, sentimos solidariedade com os homens Negros progressistas e não defendemos o processo de fraccionamento que exigem as mulheres brancas separatistas. Nossa situação como gente Negra requer que tenhamos uma solidariedade pelo fato de ser da mesma raça, a qual as mulheres brancas evidentemente não necessitam ter com os homens brancos, a menos que sea sua solidariedade negativa como opressores raciais. Lutamos juntas com os homens Negros contra o racismo, enquanto também lutamos com homens Negros sobre o sexismo.

Reconhecemos que a liberação de toda gente oprimida requer a destruição dos sistemas político-econômicos do capitalismo e do imperialismo tanto como o do patriarcado. Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho tem que se organizar para o benefício coletivo dos que fazem o trabalho e criam os produtos dele, e não para o proveito dos patrões. Os recursos materiais tem que ser distribuídos igualmente entre tod*s que criem esses recursos. Não estamos convencidas, no entanto, que uma revolução socialista que não seja também uma revolução feminista e anti-racista nos garantirá nossa libertação. Chegamos à necessidade de desenvolver um entendimento das relações entre classes que tome em conta a posição específica da classe das Negras que geralmente estão nas margens da força operária, embora durante este tempo em particular algumas de nós sejamos percebidas duplamente como símbolos desejáveis nos níveis funcionários e profissionais.

Necessitamos verbalizar a situação real de classe das pessoas que não são simplesmente trabalhador*s sem raça, sem sexo, mas para quem as opressões raciais e sexuais são determinantes significantes em suas vidas laborais/econômicas. Embora compartilhemos um acordo essencial com a teoria de Marx quanto ao que se refere às relações econômicas específicas que ele analizou, sabemos que seu análise tem que extender-se mais para que nós compreendermos nossa situação específica econômica como Negras.

Uma contribuição política que estimamos já fizemos, é a expansão do princípio feminista de que o “pessoal é político”. Em nossas sessões de conscientização, por exemplo, de muitas maneiras acabamos indo mais além das revelações das mulheres brancas porque estamos tratando as implicações de raça e classe tanto como as de sexo. Até nosso estilo como Negras de falar/testemunhar na língua Negra sobre o que experimentamos tem uma ressonância ao mesmo tempo cultural e política. Por necessidade estivemos gastando bastante energia explorando o caráter cultural e pessoal de nossa opressão porque esses assuntos nunca foram estudados antes. Ninguém examinou antes o complexo tecido das vidas das Negras.

Um exemplo deste tipo de revelação/conceptualização ocorreu em uma juntada na qual discutimos as maneiras em que nossos interesses intelectuais haviam sido atacados por nossos iguais, em particular pelos homens Negros. Todas descobrimos que porque eramos “inteligentes” também nos consideravam “feias”, isso é, “inteligente-feia” Ser “inteligente-feia” pôs em evidência que todas havíamos sido obrigadas a desenvolver nossos intelectos ao grande custo das nossas vidas “sociais”. As sanções das comunidades Negras e brancas contra as pensadoras Negras são muito altas em comparação às mulheres brancas, em particular às educadas de classe média e alta.

Como já dissemos, rejeitamos a posição do separatismo lésbico porque não é uma estratégia nem um análise viável da política para nós. Exclui demasiado e demasiada gente, em particular aos homens, mulheres e crianças Negras. Temos bastante crítica e ódio do que a sociedade fez dos homens: o que apoiam, como atuam, e como oprimem. Mas não temos a noção descabelada de que isso sucede pelo homem em si, ou seja que a anatomia masculina os faz serem como são.4 Como Negras achamos que qualquer tipo de determinismo biológico é uma base perigosa e reacionária para construir política. Também temos que perguntar-nos se o separatismo lésbico é um análise e estratégia política adequada e progressista mesmo para aquelas que o praticam, já que somente admite as fontes sexuais da opressão das mulheres, renegando aqueles feitos de classe e raça.

3. Problemas em Organizar as feministas Negras

Durante nossos anos como uma coletiva feminista Negra, viemos tendo a experiência do êxito e da derrota, da alegria e da dor, da vitoria e do fracasso. Viemos descobrindo que é muito difícil organizar-se ao redor de temas feministas Negros, que ainda mais difícil anunciar em certos contextos que somos feministas Negras. Estivemos tratando de pensar sobre as razões pelas dificuldades, especialmente já que o movimento de mulheres brancas sigue sendo forte e cresce em muitas direções. Nesta seção discutiremos em geral alguns dos problemas que confrontamos ao organizar tanto como suas razões e também comentaremos especificamente sobre as etapas para organizar nossa coletiva.

A maior fonte de dificuldade em nosso trabalho político é que não estamos somente tratando de lutar contra uma de duas frentes de opressão, senão enfrentar toda uma extensão de opressão. Para apoiarmos não temos o privilégio racial, sexual, heterossexual, ou classista, nem temos o mínimo acesso aos recursos nem ao poder que têm os grupos que possuem qualquer destes tipos de privilégio.

O desgaste psicológico de ser uma Negra e as dificuldades que isso apresenta ao tratar de lograr uma conscientização política e ao fazer trabalho político nunca podem ser subestimadas. Nesta sociedade racista e sexista se dá muito pouco valor ao espírito das Negras. Como disse uma vez uma membra que havia recém-entrado: “Todas somos pessoas danadas somente pelo fato de sermos mulheres Negras”. Somos gente despossuída psicologicamente e a todo nível, e ainda sentimos a necessidade de lutar para mudar a condição de todas as mulheres Negras. No livro “A Busca por uma feminista Negra pela irmandade” Michele Wallace chega a esta conclusão:

“Existimos como mulheres que são Negras que são feministas, cada uma isolada por hora, trabalhando independentemente porque ainda não há um ambiente nesta sociedade remotamente admirável à nossa luta – por que ao estar tão abaixo, tínhamos que fazer o que ninguém havia feito ainda: lutar contra todo o mundo ”.

Wallace é pessimista mas realista em seu assenhoramento da posição das feministas Negras, em particular em sua alusão ao quase clássico isolamento que todas confrontamos. Podíamos usar nossa posição baixa, contudo, para tomar um salto limpo até a ação revolucionária. Se as mulheres Negras fossem livres, isso significaria que todas as demais tinham que ser livres já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão.

O feminismo é, apesar de tudo, muito ameaçante para a maioria da gente Negra porque pôe em dúvida algumas das suposições mais básicas de nossa existência, por exemplo, de que a sexualidade terá que ser um determinante das relações baseadas no poder. Aqui vocês têm a definição da voz do homem e da mulher segundo um panfleto Negro dos anos 70:

Nós entendemos que é e tem sido tradicional que o homem encabece o lar. Ele é o líder do lar e da nação porque seu conhecimento do mundo é mais amplo, seu conehcimento mais grande, seu entendimento mais pleno, e sua aplicação de essa infromação é mais sábia… Depois de tudo, é simplesmente razoável que o homem encabece o lar porque ele pode defender e proteger o desenvolvimento de seu lar… As mulheres não podem fazer a mesma coisa que os homens – por natureza funcionam distintamente. A igualdade entre os homens e as mulheres é algo que não pode suceder nem sequer no abstrato. Os homens não são iguais a outros homens, por exemplo, em habilidade, experiência ou até em entendimento. O valor dos homens e das mulheres se pode ver como o valor do ouro e da prata – não são iguais mas ambos têm muito valor. Temos que reconhecer que os homens e as mulheres se complementam porque não há uma casa/família sem um homem e sua esposa. Os dois são essenciais ao desenvolvimento de qualquer vida” [7]

As condições materiais da maioria das mulheres Negras provavelmente não as levaria a destruir os arranjos econômicos e sexuais que parecem representar a estabilidade de suas vidas. Muitas mulheres Negras têm um bom entendimento tanto do sexismo como do racismo, mas devido às constrições em suas vidas não podem tomar o risco de batalhar contra ambos.

A reação dos homens Negros ao feminismo esteve sendo notoriamente negativa. Se sentem certamente mais ameaçados que as mulheres Negras pela possibilidade de que as feministas Negras nos organizemos em torno de nossas próprias necessidades. Reconhecem que não somente perderiam aliadas valiosas e trabalhadoras pra suas lutas senão que também estariam obrigados a mudar seus costumes habitualmente sexistas em como atuam entre si e em quanto oprimem às mulheres Negras. As acusações de que o feminismo Negro divide a luta Negra são dissuasões poderosas contra o desenvolvimento do movimento autônomo de mulheres Negras.

Ainda assim, centos de mulheres participaram em diversos momentos durante os três anos vigentes de nosso grupo. E cada mulher que veio, veio ao sentir uma forte necessidade de captar a qualquer nível uma possibilidade que não existia antes em sua vida.

Quando começamos a reunir-nos em 1974 depois que a NBFO teve sua primeira conferência na região oriental, não tínhamos nem uma estratégia para organiza-nos nem um enfoque. Só queríamos ver o que possuíamos. Depois de nos reunir-nos por uns meses, começamos a juntar-nos outra vez mais tarde esse ano e começamos uma toma de consciência variada e intensa. Tivemos o sentimento abrumador de que depois de anos e anos finalmente havíamos havíamos encontrado. Embora não fazíamos trabalho político como grupo, individuas continuavam sua participação na política lésbica, o abuso da esterilização e o trabalho para o direito ao aborto, as atividades do dia internacional da mulher terceiro-mundista, e o apoio ativo de Dr. Kenneth Edelin,[8] Joann Little, [9], e Inez García [10]. Durante nosso primeiro verão quando o número de membras havía baixado consideravelmente, aquelas entre nós que ficávamos nos dedicávamos a discutir a possibilidade de abrir um refúgio para mulheres agredidas na comunidade Negra (não havia nenhum em Boston naquele tempo). Também decidimos por esse momento fazermos uma coletiva independente já que tínhamos uns desacordos sérios com a posição burguesa-feminista da NBFO e sua falta de um claro enfoque político.

Também, neste momento, nos contataram feministas socialistas com quem havíamos trabalhado em atividades sobre direito do aborto. Elas queria animar-nos a assistir a Conferência Feminista Socialista Nacional em Yellow Springs [11]. Uma de nossas membras assistiu e apesar da estreita ideologia que se promovia em essa conferência em particular, reconhecemos ainda mais a necessidade de entender nossa própria situação econômica e de fazer nosso próprio análise econômico.

No outono, quando algumas membras regressaram, experimentamos vários meses de inatividade comparativa e desacordos internos que primeiro se conceptualizaram como uma divisão entre lesbianas e heterossexuais mas que também era resultado de diferenças políticas e de classe. Durante o verão, aquelas dentre nós que ainda nos juntávamos determinamos a necessidade de fazer trabalho político, e de ir mais além da toma de consciência e de servir somente como um grupo de apoio emocional. No começo de 1976, quando algumas das mulheres que não quiseram fazer trabalho político, e que também tiveram desacordos com o grupo, deixaram de comparecer por sua conta, buscamos um novo enfoque. Decidimos durante esse tempo, com a somatória de novas membras, converter-nos em um grupo de estudo. Sempre havíamos compartilhad o que líamos e algumas de nós havíamos escrito papéis sobre feminismo Negro para discutir com o grupo uns meses antes que se fizera essa decisão. Começamos a funcionar como um grupo de estudo e também começamos a discutir a possibilidade de começar uma publicação Negra feminista.

Fizemos um retiro nos finais dessa primavera que nos proporcionou o tempo para discutir a política e para resolver temas inter-pessoais. Atualmente planejamos uma coleção de escrita feminista Negra. Sentimos que é absolutamente essencial demonstrar a realidade de nossa política a outras mulheres Negras e cremos que podemos fazer isso por meio da escritura e distribuição da nossa obra. O fato de que indivíduas Negras feministas vivem em isolamento por todo o país, de que somos poucas, e de que temos algumas habilidades para escrever, imprimir e publicar nosso trabalho, nos faz querer levar a cabo projetos deste tipo como meio para organizar feministas Negras enquanto continuamos nosso trabalho político em coalizão com outros grupos.

4. Temas e Projetos de feministas Negras

Durante esse tempo juntas, estivemos identificando e trabalhando com muitos temas de particular interesse das mulheres Negras. O desdobramento totalizante de nossa política nos leva a preocupar-nos com qualquer situação que toque a vida da mulher, gente de Terceiro Mundo e trabalhador*s. Estamos, é claro, particularmente comprometidas a trabalhar nessas lutas nas quais raça, sexo e classe são fatores simultâneos de opressão. Podíamos por exemplo involucrar-nos na organização sindicalista de fábricas que empregam mulheres terceiro-mundistas, ou protestar contra hospitais que lhes cortam seus serviços de saúde, a princípio inadequados, à comunidade terceiro-mundista, ou começar um centro em um bairro Negro que trate a crise de violações. Os problemas de bem-estar social (programas estatais) e de creches também podem ser pontos de enfoque. O trabalho por fazer e os temas inacabáveis que esse trabalho representa simplesmente reflete que os aspectos de nossa opressão se filtram através de todas partes.

Os temas e projetos que membras da coletiva tiveram realmente trabalhado são o abuso da esterelização, os direitos de aborto, as mulheres agredidas, a violação e o rapto, e os serviços de saúde. Também tivemos muitas oficinas educativas sobre o feminismo Negro nas universidades, conferências de mulheres e mais recentemente à mulheres no ensino secundário.

Um tema que nos preocupa muito é que temos começado a discutir publicamente é o racismo no movimento das mulheres brancas. Como feministas Negras estamos alertas constante e dolorosamente com relação ao pouco esforço que as mulheres brancas fazem para compreender e combater seu racismo, o qual requer, entre outras coisas, mais que uma compreensão superficial do racismo, da cor, e da história e cultura Negras. Eliminar o racismo no movimento das mulheres brancas é por definição o trabalho delas, mas continuaremos a dirigir-nos ao tema e exigir que assumam responsabilidade sobre o tema.

Na prática de nossa política não acreditamos que o fim sempre justifica os meios. Muitos atos reacionários e destrutivos foram cometidos para obter metas políticas “corretas”. Como feministas não queremos jogar sujo com gente em nome da política. Acreditamos no processo coletivo e em uma distribuição de poder que não seja hierárquico dentro de nosso próprio grupo e em nossa visão de uma sociedade revolucionária. Nos comprometemos a um exame contínuo de nossa política a medida que se desenvolva, por meio da crítica e autocrítica como um aspecto essencial de nossa prática. Na sua introdução de Sisterhood is Powerfull (A Sororidade é poderosa) Robin Morgan escreve:

Não tenho nem a menor ideia do papel que os revolucionários homens brancos heterossexuais podiam fazer, já que são a incorporação do poder na qual os interesses reacionários estão investidos”

Como feministas e lésbicas Negras sabemos que temos um trabalho definitivamente revolucionário para levar a cabo e estamos preparadas para dedicar a vida ao trabalho e luta que nos espera.

***

[Retirado do livro Esta Puente mi Espalda: Voces de las mujeres tercermundistas em los Estados Unidos].

Notas

[1] Soujorner Truth (1797?-1883) foi uma abolicionista (lutadora pela abolição da escravidão de negr*s) e ativista pró-direitos da mulher. Em um dos primeiros congressos sobre direitos da mulher em meados do século 19, revelou sua bravura para dar privas de seu sexo, proclamando “Ain’t I a woman?” (“E eu não sou uma mulher?”). Este gesto simbólico quis expôr a falha das feministas brancas da primeira onda para incorporar em sua luta os problemas das negras. Portanto, Sojourner Truth serviu de modelo para muitas feministas negras contemporâneas.

[2] Harriet Tubman (1820?-1913) foi uma escrava fugitiva, abolicionista e reformista social. É famosa pelo seu trabalho com “a resistência liberacionista” que a permitiu salvar a 300 negr*s da escravidão.

[3] Frances E. W. Harper foi poetisa popular, novelista e oradora de finais do século 19.

[4] Ida B. Wells Barnet (1862-1931) foi jornalista, conferencista e liderança dos direitos civis. Participou da fundação da NAACP (Associação nacional para o assalariamento da gente de cor) e fundou a primeira organização de mulheres sufragistas.

[5] Mary Church Terrel (1863-1954) foi professora, autora, sufragista e uma liderança dos direitos civis. Trabalhou ativamente para organizar as negras nas lutas contra o racismo e o sexismo. Ela foi instrumental em fundar a Associação Nacional de Negras em 1896.

[6] Michele Wallace, “A Black Feminist’s Search for Sisterhood” (“Uma busca Negra feminista pela Irmandade”), The Village Voice, 28 de julho de 1975, pp.6-7.

[7] Mumininas of Committee for United Newark, Mwanamke Mwananchi (The Nationalist Woman). Netwark, New Jersey, 1971, pp. 4-5.

[8] Doutor Kenneth Edellin foi um obstetra e ginecólogo negro do Hospital da Cidade de Boston. Sem apoio dos administradores hospitalários, ele e seus colegas progressisas trabalham horas extras sem pagamento para prover abortos a mulheres de bairros próximos pobres porque os pedem. Em 1973 acusaram-no de homicídio involuntário por fazer um aborto ilegal a uma garota negra de 17 anos que pediu o procedimento e que não sofreu nenhum dano como resultado. “Creio muito frequentemente no direito de uma mulher de determinar o que lhe passe a seu próprio corpo”, declarou o doutor Edelin. “Se uma mulher não está convencida em sua própria mente de que quer um aborto… não o farei”. Em fevereiro de 1975, Edelin foi declarado culpado por um jurado de doze brancos, em sua maioria homens e católicos, e condenado a um ano de liberdade vigiada. (The Guardian, Nova Iorque, 19 e 26 de fevereiro de 1975). Enquanto que a hierarquia católica mobilizava seus partidários anti-feministas para apoiar o castigo de Edelin, o movimento das mulheres feministas de Boston se mobilizou para defendê-lo. No processo subsequente, se exonerou ao doutor Edelin, que depois recebeu uma promoção.

[9] Joann Little foi uma negra de 20 anos encarcerada no condado de Beaufort no estado da Carolina do Norte. Em agosto de 1974, um guarda branco de 62 anos entrou em sua celula e tentou violá-la. Ela resistiu e resultou que o matou a punhaladas. Acusada de homicídio, recebeu o apoio e solidariedade dos liberais, radicais e especialmente do movimento de mulheres através do país. Em agosto de 1975 a exonerou um jurado de seis negr*s e seis branc*s. “Pode ser que já haja uma lei que diz que uma negra tem direito a defender-se”, declarou. “O fiscal tinha mais interesse em mandar as mulheres negras à câmara de gás que à justiça” (The Guardian, Nova Iorque, 27 de agosto de 1975). “… Nunca fui pessimista com respeito ao poder do povo. Sabia que uma vez que se juntasse o povo, venceríamos”.

[10] Inez García foi acusada na Califórnia em 1975 do homicídio de Miguel Jiménez. Jiménez foi amigo de Louis Castillo, 17, que segundo Inez García a violou com ajuda ativa de Jiménez. Seu primeiro juízo resultou em um julgamento de culpada. Mas depois o julgamento foi anulado pela corte superior de California, assim que se a exonerou.

[11] A Conferência Feminista Socialista Nacional foi levada a cabo em Yellow Springs, Ohio em julho de 1975. Assistiram umas 1600 mulheres socialistas e feministas com diferentes perspectivas políticas de muitas partes de Norte-America. Um grupo de mulheres marxistas e anti-feministas tentou dominar a conferência e evitar qualquer discussão teórica do feminismo socialista. Por isso, se formaram espontâneamente várias caucuses (grupos de base), inclusive uma grande junta de lésbicas, para enfrentarem as questões que tocavam a maioria das presentes.

1O Uso em maiúscula da palavra “Negra” é uma convenção linguística nos Estados Unidos e aprte do movimento de Libertação dos Negros nos sessenta.

2O termo “Herstory” é uma forma de reinventar o termo “History”, que traduzindo se lê “História”. Porque “his” em inglês é o pronome masculino “Ele” em tradução literal. As feministas vêm usando a palavra “Herstory” (História dela, tradução literal) que soa como um trocadilho e de modo a questionar a história androcêntrica e a versão masculina prevalescente dos fatos, assim como modo de recuperar uma “história nossa” própria.

3Pensei intervir aqui e pôr “afro-norte-americanas” mas como o texto é retirado de uma coletânea de mulheres terceiromundistas e pertence a essa tradição (chicana, afro-latina, caribenha, migratória nos EUA) eu mantive americana no sentido do continente América, espero que *s leitor* s possam lê-lo assim com ajuda desta nota. [A Editorial]

4Provavelmente aqui a coletiva se refere ao clima que Feminismo Lésbico Cultural deu lugar nos 70, embora o que possa ser extraído das correntes com enfoque mais político se refere mais à necessidade de éticas lésbicas e espaços próprios (Sarah Lucia Hoagland, Marilyn Frye), estas possuíam um análise mais histórico. Em geral o clima do separatismo cultural deu lugar a discursos mais essencialistas e mesmo de uma espiritualidade feminista, que acredito terem sido mais uma reação ao centrismo masculino social e histórico e a lesbofobia do movimento feminista, narrativas essencialistas que eu vejo mais como uma necessidade de criar contra-narrativas e contra-cultura, coisa que sempre existiu durante a trajetoria dos feminismos (Monique Wittig, que publicou livros como Dicionário das Amantes e As Guerrilheiras, com largo linguagem mítico, lírico e metafórico, apesar de ter livros muito teóricos). A crítica é bem entendível mas me preocupo com a apropriação possível que possa ser feita por parte de misóginos ou quem a reproduza a despeito de conhecer ou não o contexto da crítica. Algumas separatistas lésbicas negras que podemos citar: Jacqueline Anderson, Anna Lee, Naomi Littlebear Morena, Pipa Flemming.

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

por Tamara K. Nopper

Como uma mulher que tem experimentado abuso físico e emocional de homens, alguns dos quais eu tive longos relacionamentos, foi sempre difícil aprender de outras mulheres ativistas que elas estavam sendo abusadas por homens ativistas.

As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres são abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.

Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens ativistas e mulheres nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é um tanto esperado dado que ela experimentou abuso físico. O que era adicionalmente desolador de ver era como a mulher era evitada por círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou o ter abordado. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens bacacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” entrarem no caminho da “realização do trabalho”.

Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu buscaria essa mulher, e ela iria ao acaso dizer-me sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu encontraria a mim mesma evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu não era há muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouvi-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha atravessado o desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E similarmente a como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.

A vergonha associada em contar às pessoas que você tem sido abusada, e como eu, centrada em uma relação abusiva, é feita ainda pior pelas respostas que você obtem das pessoas. Ao invés de serem simpáticas, muitas pessoas ficaram desapontadas comigo. Muitas vezes fui dita por pessoas que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio por mulheres e o “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isso é, estamos a ignorar que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatiza o caráter de mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas e outras não “se envolvem com esta merda”.

Não posso ajudar a não ser pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, querem seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso ou simplesmente não escuta às mulheres ou não pensa sobre o que as mulheres passam regularmente. E isso é porque eles são simplesmente hostis em reconhecer quão pervasivos e normalizados o patriarcado e a misoginia são – ambos fora e dentro de círculos ativistas.

Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nós confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa aparência dele, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e compromisso político e não estão sendo solicitadas a fazer trabalho porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.

Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino trás a um projeto que eles estão dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não ter sua recuperação abordada em troca. E nós gostaríamos de pensar que a “cultura de segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões do protocolo do listserv ou usa nomes falsos em comícios, mas na verdade inclui pensar proativamente sobre como lidar com misoginia, patriarcado e heterossexismo ambos fora e dentro de cenários ativistas.

Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou foder sem responsabilização. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade a cidade procurando recriar a si mesmos e encontrar carne fresca no meio daqueles que são infamiliares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas darem seu trabalho e destrezas a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente adquirir seu agir correto ou a apreciará enquanto ser humano.

Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho que é nojento como os homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem em políticas para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e controle.

E dado que esse abuso trás para fora o pior da vítima, eu tenho visto onde mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas não normalmente estariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.

O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando mulheres ativistas e, ao mesmo tempo, escrevendo ensaios sobre sexismo ou competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua namorada ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que uma hora citam bell hooks, Gloria Andalzua ou outras escritoras feministas e estão incomodando ou espalhando mentiras e fofocas sobre suas namoradas ativistas em outra. E homens ativistas irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.

O que é mais desolador é o nível de suporte que homens ativistas encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente, outros homens. Não somente as mulheres ativistas têm de confrontar e negociar com seu agressor em círculos ativistas, elas devem normalmente fazê-lo em uma comunidade política que se designa comprometida mas no final não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, a voz que é falsa, acusatória e zombeteira.

Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, a mulher necessita impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.

Infelizmente essa marca de misoginia do homem disfarçou-se enquanto o feminismo masculino é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou secretamente querem estar em relacionamentos com homens abusivos. Mais, seus comentários revelaram uma atitude que assume que, se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas estão “chorando pelo abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão fodê-las”.

Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres é de pouca preocupação a homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos.

Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, o deixando permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos tornam-se adotados, assim dizendo, por outros ativistas, que vêem reabilitar o homem como parte de seus projetos e pensam pouco sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito emocional”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-lo unido” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais entre vítimas enquanto elas trabalham para se tornarem sobreviventes.

E em alguns casos, ativistas mulheres irão evitar ir à polícia porque ela é crítica ao complexo industrial penitenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhe que ela está “contribuindo para o problema” ao “conduzir o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem ser rotulada uma “traidora” por seus colegas ativistas.

Enquanto eu sou uma forte crente que nós devemos tentar trabalhar pela cura ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se curar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para curar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos de onde mulheres eram forçadas a tolerar a indisposição do grupo para abordar o abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam no trabalho e, francamente, há poucos espaços para se ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou ter seu abuso não abordado. Outras irão simplesmente deixar a organização.

Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o pessoal entrar no caminho do “trabalho”. Ou, se mulheres ativistas que têm sido abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela faz “bom trabalho” ou que não abordar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual de mulheres é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso das mulheres deve ser abordado porque, se ele não for, ela pode não continuar a fazer “bom trabalho” para a organização ou pode haver muita tensão no grupo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em e de si mesma.

Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque misóginos e homens abusivos existem no interior deles. Mais, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter o “trabalho” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de realmente nós só se importarmos que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral do “trabalho” que ativistas devem fazer.

Tradução blog delivreacesso.wordpress.com

Redstockings Manifesto

REDSTOCKINGS foi um dos grupos fundadores do movimento de libertação das mulheres dos 60, nos Estados Unidos. O nome é um neologismo tomado do termo “bluestockings” (“meias azuis”), que se costumava aplicar às mulheres intelectualizadas no século XIX, aqui modificado para “redstockings” (meias vermelhas), que aí se reivindicava como sendo a cor da revolução.Caracterizadas por ações como demonstrações públicas, teatro de rua, ações diretas, e por difundirem um periódico próprio, o “Feminist Revolution” (Revolução Feminista), a organização surgiu de um grupo de feministas radicais que se opunham ao feminismo liberal como o representado pela Organização Nacional de Mulheres (NOW), que viam como una forma de avançar o movimento de mulheres unicamente em termos de reformas institucionais. Hoje em dia as membras remanescentes do grupo mantém um projecto de disponibilização do arquivo histórico produzido pelo mesmo, chamado “História para Uso Ativista”. Algumas coisas podem ser obtidas no website www.redstockings.org, de onde foi extraído o manifesto que segue.

REDSTOCKINGS MANIFESTO, 1969

I. Depois de centenas de lutas individuais e lutas preliminares políticas, as mulheres estão se unindo para alcançar sua libertaçaõ final da supremacia masculina. Redstockings dedica-se a construir essa unidade e conquistar nossa liberdade.

II. Mulheres são uma classe oprimida. Nossa opressão é total, afetando cada faceta de nossas vidas. Somos exploradas como objetos sexuais, criadoras, serventes domésticas e trabalho barato. Somos consideradas seres inferiores, cujo único propósito é melhorar a vida dos homens. Nossa humanidade é negada. Nosso comportamento prescripto [e forçado pelas ameaças de violência física.

III. Identificamos os agentes da nossa opressão como homens. A Supremacia Masculina é a mais antiga e a mais básica forma de dominação. Todas as demais formas de exploração e opresão (racismo, capitalismo, imperialismo, etc) são extensões da supremacia masculina: homens dominam mulheres, uns poucos homens dominam o restante. Todas estruturas de poder ao longo da história foram homem-dominadas e masculino-orientadas. Os homens estiveram controlando todas instituições políticas, econômicas, políticas e culturais e mantiveram esse controle com força física. Eles usaram o poder para manter às mulheres em uma posição inferior. Todos os homens recebem benefícios econômicos, sexuais e psicológicos da supremacia masculina. Todos homens vieram oprimindo às mujeres.

IV. Tentativas foram feitas para mover a carga de responsabilidade dos homens para instituições ou para as mulheres ellas mesmas. Nós condenamos esses argumentos como evasões. Instituições sozinhas não oprimem; elas são meramente ferramentas do opressor. Culpabilizar instituições implica que homens e mulheres são igualmente victimizad@s, e isso obscurece o fato de que os homens se beneficiam da subordinação das mulheres, e dá aos homens a desculpa de que eles foram forçados a serem opressores. Pelo contrário, qualquer homem é livre para renunciar sua posição superior, sempre que esteja disposto a ser tratado como uma mulher por um outro hombre.

Nós também rejeitamos a idéia de que mulheres consentem ou que devem ser culpadas por sua própria opressão. A submissão das mulheres não é o resultado de lavagem cerebral, estupidez ou enfermidade mental mas pelo contrário, resulta da pressão diára vinda dos homens. Nós não necessitamos mudar a nós mesmas, os homens que sim o devem.

A mais caluniosa evasão de todas é a de que as mulheres podem oprimir aos homens. A base desta ilusão é o isolamento das relações individuais de seus contextos políticos e a tendência dos homens a ver em qualquer desafio legítimo a seus privilégios uma perseguição.

V. Consideramos nossa experiência pessoal, e nossos sentimentos sobre essa experiência, como a base para uma análise da nossa situação comum. Não podemos depender das ideologias existentes uma vez que são todas ellas produtos de uma cultura supremacista masculina. Nós questionamos cada generalização e não aceitamos nenhuma que não esteja confirmada pela nossa experiência.

Nossa tarefa principal no presente momento é a de desenvolver consciência de classe feminina por meio da experiência compartilhada e expondo publicamente a fundação sexista de todas as instituições. Os grupos de autoconsciência não são “terapia”, conceito que supôe a existência de soluções individuais e falsamente assume que as relações homem-mulher são puramente pessoais, se trata sim do único método pelo qual podemos assegurar que nosso programa para a libertação está baseado em realidades concretas de nossas vidas.

O primeiro requisito para criar consciência de classe é a honestidade, no privado e no público, com nós mesmas e com as demais mulheres.

VI. Nos identificamos con todas as mujeres. Definimos nosso melhor interesse como sendo o das mulheres mais pobres, as mais brutalmente exploradas brutalmente exploradas. Repudiamos todos privilégios econômicos, raciais, educacionais ou de status que nos dividemdas demais mulheres. Estamos determinadas a reconhecê-los e eliminar qualquer discriminação que possamos ter com nós mesmas e com as demais mulheres.

Estamos comprometidas a alcançar democracia interna. Faremos o que for necessário para assegurar que cada mulher em nosso movimento tenha oportunidades iguais de participar, assumir responsabilidade e desenvolver seu potencial político.

VII. Convocamos todas nossas irmãs a unirem-se com nós em luta.

Convocamos a todos os homens a deixarem seu privilégio masculino e apoiar a libertação das mulheres para o interesse da humanidade e delas mesmas.

Lutando por nossa libertação nós sempre tomamos o lado das mulheres contra seus opressores. Não vamos perguntar o que é “revolucionário” ou “reformista”, e sim somente o que é melhor para as mulheres.

O tempo das pequenas batalhas individuais passou. Agora vamos até o fim.

(7 de Julio de 1969).