A Marcha Das Vadias Não É Solidária

A Marcha das Vadias está consolidada podemos dizer assim. Infelizmente a marcha abafa muitas questões feministas, ao mesmo tempo que utiliza de argumentos feministas para justificá-la. A meu ver a marcha não só é bastante inconsistente como ação feminista mas é contraditória como tal e um passo atrás. Eu acho ainda estranho que as pessoas que defendem a Marcha das Vadias falem em vários feminismos ao mesmo tempo que não aceitam outros feminismos e procuram categorizar qualquer crítica à Marcha como conservadora. A Marcha tem conseguido de forma eficaz uma homogenização das feministas que nos prejudica bastante. Ser feminista passou a ser sinônimo de ser participante da Marcha ao ponto de ser um choque quando uma feminista não se engaja à Marcha das Vadias.

Por que será que todas as demandas feministas, todas as lutas que mulheres feministas engajadas propõe não são ouvidas nem levadas a sério e a Marcha das Vadias de um dia para o outro passa a ser a “voz das mulheres”? Por que tantos homens passaram a aderir a Marcha das Vadias, sem sequer compreendem outras ações que propomos? E por que ao contrário de um aprofundamento nestas questões ao constatarem isso, as pessoas da Marcha preferem dizer que isso é uma coisa positiva?

Por que a mídia tem tanto interesse na Marcha das Vadias? Acredito que o apelo que a Marcha tem é em função também da sociedade nos querer objetificadas. Desta forma as mulheres estão mais uma vez sendo usadas pelo patriarcado e pelo capitalismo, servindo as propostas neoliberais. A Marcha é um evento que cabe como uma luva na cultura da sexualização e da objetificação dos nossos corpos, mesmo que as pessoas acreditem que é uma forma de lutar pela liberdade de suas sexualidades. Eu acredito que a Marcha das Vadias se encaixa perfeitamente para que não aprofundemos o feminismo e na questão vital de que não está nos libertando, mas corroborando para dizer que sim, somos todas vadias! E isso atinge que ponto exatamente? De liberdade sexual? Eu acredito que não. Para mim abraça a lógica machista de que somos vadias, e somos o que os homens quiserem que sejamos. E agora além de sermos o que os homens querem que sejamos, dizemos sim! E sim, agora descobrimos que podemos ser objetificadas e hipersexualizadas, que isso é muito bom para a nossa liberdade sexual, basta dizermos que somos objeto do nosso próprio desejo! Sério? Para mim abraça a cultura de que somos desejáveis ao olhos de homens e que sigamos nos comportando como objetos de desejo masculino em termos historicamente criados para excitarem os homens, não importa o quanto justifiquemos com o discurso de que somos objeto de nosso próprio desejo. Quem está querendo enganar quem?

A marcha consiste de um ponto de vista extremamente individual, por isso também se enquadra no pensamento neoliberal, onde cada mulher está centrada em si mesma dizendo “eu faço o que eu quero”, “isso é bom pra mim”, “sou livre” ignorando que muitas mulheres não tem a mesma oportunidade de escolha. Muitas de nós mulheres que são ou foram tratadas como vadias não querem se apropriar deste termo, e muitíssimo pelo contrário, queremos nos livrar deste, pois queremos poder sermos nós mesmas sem que nos ponham selos! ‘Eu tenho visto e também sentido na pele, que o termo vadia sempre foi usado como ferramenta misógina. E por mais que a Marcha das Vadias quer se apropriar disso, nós mulheres não vamos deixar de sermos tratadas como vadias, putas, vacas, etc quando alguém assim desejar. Digamos que seja possível ressignificar o termo Vadia, vamos supor que isso seja possível, podemos estar certas de que outro termo será criado para qualquer comportamento ou realidade das mulheres, e as mulheres prostituídas terão que ter uma nova denominação, porque estas precisam ser tratadas como vadias na vista da sociedade. Nós não vamos estar eliminando o problema, apenas mudando de nome, mas continuaremos sendo menosprezadas – umas mais que outras, isso é importante ressaltar: quem são as mais menosprezadas? Ou ainda, quem são as privilegiadas?

Não esqueçam que o termo vadia é um termo criado pelo heteropatriarcado, porque se refere a mulher em relação ao homem. A mulher sozinha é santa, o outro lado da mesma moeda, de um também estereótipo que visa controlar, pois a mulher também não pode estar sozinha, ela precisa de um homem, mas não mais de um. Já as lésbicas são aberrações e ameaçam o papel da mulher de reprodução. Conceitos heterossexistas e conservadores para que compremos conforme nossa “opção”, conforme no que melhor nos enquadramos.

Mas não, não vale a pena nos rotularmos!

O que é ser uma vadia? É um tipo de comportamento? É usar um tipo de roupa? A mulher que “dá pra todo mundo”?

Eu não acredito em nenhuma destas premissas e acho incrível como esta apropriação apaga de vista as mulheres prostituídas porque fala em comportamento, mas jamais fala sobre a exploração e a violência que as prostituídas enfrentam.Com certeza a marcha não fala pelas mulheres prostituídas, antes pelo contrário ela ignora estas mulheres que não podem escolher um dia do ano, como fazem a maioria das mulheres na marcha ao se apropriarem do termo e se vestirem como vadias. Mulheres que são tratadas com desprezo, abuso e violência, simplesmente porque elas são as “verdadeiras vadias” para a sociedade todos os dias.

Pois nós todas as mulheres, prostituídas ou não, não somos vadias, vagabundas ou vacas. Se uma mulher ou garota que regularmente vai pra escola ou para o trabalho mas um dia por ano resolve ir a marcha utilizando o termo vadia, ela está agindo de maneira colonizadora, porque ela não sofre de forma alguma as consequências de ser uma “vadia de verdade”, ela não tem homens fazendo fila para estuprá-la com respaldo da sociedade, que acredita que suas filhas estão salvas enquanto estas mulheres que “escolheram” serem “prostitutas” existirem para que os homens descarreguem todo seu ódio e violência que sentem pelas mulheres (como disse Rebecca Mott.). Esta mulher ou garota que vai a marcha e diz que é puta, só o diz por estar numa absoluta posição de privilégio que inclui escolher o dia que vai ser ou se vestir “como puta”. O problema não é estar numa posição de privilégio, como alguém me perguntou: “qual o problema destas garotas na maioria brancas de classe média fazerem suas reivindicações?” Não seria problema mesmo, se isso não contribuísse ativamente para apagar os problemas que outras indivíduas estão passando. Feminismo para mim está absolutamente conectado com solidariedade entre mulheres, então torno a repetir que se milhões de mulheres querem se livrar do peso de serem tratadas como vadias e que o termo vadia lhes machuca e elas estão dizendo isso, porque ignorá-las? Será que pelo menos isso não merece a atenção das pessoas que marcham?

Acredito que muitas garotas principalmente as novas, realmente acreditam que o que a Marcha propõe favorece a liberdade de nós mulheres, não duvido das intenções de muitas pessoas envolvidas na Marcha. A questão que coloco não é para ficarmos em batalha, de forma alguma. As críticas que coloco são para propormos uma Marcha que agregue mais mulheres, que todas as mulheres se sintam confortáveis para caminharem juntas.Se a reivindicação é contra a violência sexual, marchemos contra a violência sexual. Se a reivindicação é quanto a nossa sexualidade marchemos por ela. A nossa sexualidade pode ser a nossa não relação com os homens! Ou pode ser também a nossa não sexualidade! Ou a nossa sexualidade está estritamente ligada aos homens e ao que os outros esperam de nós? E seria isso “nossa” sexualidade?

Que a marcha atinja a maioria da pessoas, eu compreendo, pelo espetáculo que virou, pela cobertura midiática e pela genuína necessidade de reivindicar os direitos das mulheres. Mas ela é uma verdadeira bomba de contradição ao feminismo. Ela fere as propostas feministas ao que se estende para todas as mulheres, que além das mulheres sofrerem discriminação e violências, que classe e cor da pele são determinantes para ditarem a maneira de como serão tratadas. Conscientes disso, porque deveríamos nos engajar em ações reformistas como esta?

A Marcha fala de estupro e sexualidade mas de uma forma a apagar demandas feministas importantíssimas. Lutamos pela nossa liberdade sexual, esta liberdade sexual não é liberdade se ela está totalmente inserida no contexto patriarcal, e nos jogos que este impõe de controle, onde o homem domina e a mulher é subjugada e objetificada. Numa sociedade que cansa de justificar o estupro como uma “urgência incontrolável” masculina (para isso servem as “prostitutas”, certo?), ou seja, uma via da sexualidade do homem, enquanto na verdade o estupro é apenas a confirmação de poder e do ódio às mulheres.

Não é uma questão de ser muito dura nas críticas, é uma questão de observar uma falta de consideração e solidariedade com as mulheres prostituídas, com as mulheres negras, as dos povos originários, de etnias, e com todas mulheres que são ou foram tratadas como vadias e vivem uma vida se esforçando para se livrarem destes traumas e de situações brutais, e que apenas a palavra vadia as fazem relembrarem de algo que elas carregam pesadamente. Se as mulheres que vão a marcha preferem ignorar milhões de outras mulheres, são elas que estão sendo duras, a diferença é que elas se consideram alegres, divertidas e liberadas e estão centradas na sua catarse individual. E mesmo que tenham direito obviamente de viverem suas catarses, elas só não podem dizer que estão se solidarizando com todas nós as outras mulheres que sentimos na pele o que é sermos tratadas como vadias. Não, elas não estão.

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fonte: http://anarcopunk.org/acaoantisexista/uncategorized/a-marcha-das-vadias-nao-e-solidaria/

Por que ela não está nem aí para sua Insurreição

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“Por Que Ela Não Tá Nem Aí Pra Sua Insurreição é um texto que fala sobre machismo num contexto específico de Nova Iorque, na cena anarquista insurrecionária da qual a autora faz parte. Ela faz uma crítica sobre como o machismo está presente mesmo neste contexto, pois as mulheres enfrentam a opressão do patriarcado fora, mas também dentro de espaços anarquistas/libertários. Poderíamos dizer espaços supostamente anarquistas e libertários e não estaríamos sendo radicais, apenas sendo coerentes, pois não é possível que nestes espaços o machismo seja aceito, que seja uma opressão praticada como normalidade ou mesmo “apenas” ignorado. Não é possível ignorar o machismo. Isso só acontece porque existe interesse em manter as mulheres sob domínio dos homens. Lendo o texto percebemos que é uma situação análoga as cenas das quais nós também nos encontramos. Boa leitura.”

traduzido e editado por Ação Anti Sexista

baixar aqui

 

Aliado Checklist

“texto que funciona como checklist para quem deseje ser aliad*. Me parece que originalmente em inglês está destinado a homens que querem ser aliados de feministas, mas achei que alguns tópicos servem para pensar o ser aliad* em geral… tradução por chuy”.

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Ser um aliado – não é uma identidade…

1- Você se precipita em criticar a maneira como outr*s respondem á sua opressão ao invés de reconhecer seus problemas?

2- Com que frequência você e seus amigos verificam entre cada um se estão acolhendo cultura patriarcal?

3- Você pensa sobre como seu privilégio impacta tudo o que você faz, todos os dias?

4- Você já foi a um encontro, reunião ou outra conversa em grupo sem dizer nada?

5- Você escuta a outras pessoas? O que escutar significa para você? O que escutar significa para as outras pessoas?

6- Quando você está conversando você percebe se está passando mais tempo explicando do que realmente conversando?

7- Você consistentemente levanta a mão imediatamente em reuniões sem deixar espaço para xs menos assertiv*s ou aquel*s precisando de mais tempo para se voluntariar para participar?

8- Quando você começa uma conversa você estabelece parâmetros como até onde a conversa vai e e quando outr*s participam?

9- Você declara o fim de uma conversa assumindo que outr*s também estão satisfeit*s com esse resultado?

10- Quando você participa em conversas e outras situações você assume que outr*s são menos inteligentes/informad*s do que você?

11- Você já descontou/desencorajou a(s) experiência(s) de alguém por mencionar fontes acadêmicas no assunto como “mais relevantes”?

12- Você reconhece que invisibilizar [“insira grupo oprimido aqui”] minimiza a experiência e luta do grupo oprimido?

13- Você reconhece que invisibilizar [“insira grupo oprimido aqui”] pode ser uma tentativa de minimizar seu papel em tal opressão?

14- Em situações de ação você toma o papel de líder e protetor?

15- Você tende a não criar amizades com mulheres que sejam realmente sinceras?

16- Você assume que problemas ditos por mulheres sobre homens são baseados em desavenças pessoais ao invés da questão em si?

17- Quando alguém está criticando outro sexo você provavelmente vai ficar do lado do cara?

18- Quando um amigo seu é criticado por comportamento patriarcal você faz desculpas para esse comportamento?

19- Você considera sentimentos expressados por um homem mais seriamente do que a mulher que disse a mesma coisa minutos antes?

20- Quando pessoas desafiam suas palavras e ações, você imediatamente responde de maneira defensiva sem considerar a validez da crítica das pessoas?

21- Você assume que caras identificados como libertários* são menos suscetíveis a serem perpetuadores de abuso sexual?

22- Você já pensou como você e sua comunidade iriam lidar com alguém na sua comunidade que sobreviveu a um abuso sexual?

23- Você já pensou como você e sua comunidade iriam lidar com alguém na sua comunidade que perpetua abuso sexual?

24- Você leva em conta como certas palavras e ações podem ser impactante a outr*s?

25- Você expressa verbalmente consentimento em todos os níveis de atividade sexual antes de proceder?

26- Você expressa verbalmente consentimento todas as vezes independente do histórico sexual passado?

27- Você espera até que você ou outr*s estejam intoxicad*s para começar interações íntimas e sexuais?

28- Com que frequência você pensa sobre suas próprias violações de consentimento?

29- Você sabe que é uma violação de consentimento se alguém “aceita” depois de pressiona-l*?
(pressão pode vir na forma de continuar pedindo repetidamente apesar de receber respostas negativas ou passivas, ou de fazer alguém se sentir culpadx de não participar)

30- Você assume que porque você é um homem radical você “é feminista”?

31- Você busca amizades com mulheres por quem você se sente atraído com a possibilidade de que algo mais poderia resultar disso?

32- Você busca amizades com mulheres por quem você se sente atraído com o objetivo de que algo mais poderia resultar disso?

33- Você faz amizades com mulheres por quem você não sente atração?

34- Você faz amizades com mulheres que você acredita que nunca sentirão atração por você?

35- Você leva em consideração as identificações das pessoas e as necessidades específicas que vem junto a elas em suas interações com elas?

36- Você pensa sobre como seu privilégio impacta tudo o que você faz, todos os dias?

37- Você reconhece que as diferenças de gênero e privilégios continuarão a desempenhar um papel na nossa insurreição?

38- Você acha que pensar sobre privilégio é uma luxúria ou é menos importante do que quebrar o Estado?

39- Você conhece as melhores maneiras para grupos oprimidos responder á sua opressão?

40- Você percebe que ás vezes você pode ser incapaz de compreender a experiência de alguém? Você pode aceitar isso e proceder com respeito?

Questionário: Você é um macharquista?

questionário que funciona como ‘check list’ de privilégios masculinos e acontabilidade de homens anarquistas e progressistas em geral. Tradução por chuy.

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Questionário: Você é um macharquista?

Questões gerais:

1. Você se atribui ao:
A) Patriarcado passivo-agressivo: você costuma se fazer de vítima/indefeso/necessitado/dependente e arranja uma mulher para te cuidar física e emocionalmente? Para comprar coisas para você? Para tomar conta de suas responsabilidades? Da suas tarefas? Você usa culpa ou manipulação para se livrar das suas responsabilidades e da sua parte (igual) de trabalho? Você trata sua companheira mulher como sua mãe ou sua secretária?

B) Patriarcado agressivo: você costuma estar no comando? Assume que uma mulher não consegue fazer algo direito, então você faz pra ela? Acredita que somente você para tomar conta das coisas? Pensa que você sempre tem o direito de responder? Trata sua companheira mulher como se ela fosse indefesa, frágil, um bebê ou fraca? Você menospreza sua parceira ou diminui os sentimentos dela? Você faz pouco caso de suas opiniões?

2. Como você reage quando mulheres na sua vida nomeiam alguma coisa ou alguém como patriarcal ou sexista? Você as considera ou chama-as de “feminazi”, hipersensíveis, exageradas, sem senso de humor?

3. Você acha que falar de patriarcado é algo não-heroico, uma perda de tempo, que só serve para se incomodar ou para dividir movimentos ou pessoas?

4. Se uma mulher pede sua opinião, você assume que ela não sabe nada sobre o assunto?

5. Você acredita que mulheres têm “características naturais” que estão contidas no seu sexo como “passiva”, “amável”, “cuidadosa”, “provedoras”, “atenciosa”, “generosa”, “fraca” ou “emotiva”?

6. Você tira sarro de homens “normais” ou de “grupos masculinos” mas nunca se olha para ver se você se comporta do mesmo jeito?

7. Você considera o sexismo e o patriarcado como uma luta pessoal, trabalhando para ir contra si mesmo, nos seus relacionamentos, na sociedade, no trabalho, nas culturas e subculturas, e instituições?

8. Você diz alguma coisa quando outros homens fazem um comentário sexista ou patriarcalista? Você ajuda os seus amigos sexistas e patriarcalistas a mudar? Ou você continua sendo amigo de homens sexistas e patriarcalistas e age como se não houvesse problemas?

Questões para o ativismo:

9. Como homem, ser feminista é uma prioridade para você? Você acha que ser feminista é algo revolucionário ou radical?

10. Você acha que você define o que é radical? Você sofre ou contribui com a pose de machão revolucionário? (Ou seja, você define umx ativista verdadeirx, respeitável ou massa como alguém que já: foi presx, fez bloqueios, escalou muros, levantou bandeiras, brigou com a polícia, depredou alguma propriedade, bateu em nazistas, etc.)?

11. Você pega algo que uma mulher disse, reorganiza e afirma que é uma opinião ou ideia sua?

12. Você pega o serviço sujo ou chato na sua organização? (Ou seja, cozinhar, limpar, arrumar, administrar listas de email e telefonemas, fazer atas, cuidar de crianças?) Você está ligado no fato de que mulheres frequentemente pegam esses serviços, não importa o que façam ou tenham feito?

13. Você é ativo em fazer do seu grupo de ativismo um espaço seguro e confortável para mulheres?

14. Se você quer envolver mais mulheres nos seus projetos ativistas, você tenta engajá-las dizendo o que têm que fazer ou o por que elas deveriam se juntar ao seu grupo?

15. Você tem cuidado em se monitorar e limitar seu comportamento e fala nos encontros ativistas porque você não quer tomar muito espaço ou dominar o grupo? Você está atento ao fato de que as mulheres fazem isso o tempo todo?

16. Você presta atenção ao processo do grupo e em construir consenso ou você costuma dominar e se encarregar de tudo (talvez sem se dar conta)?

Assuntos e relacionamentos sexuais e românticos

17. Você faz piadas ou comentários negativos sobre a vida sexual das mulheres ou o trabalho sexual?

18. Você consegue mostrar afeto e ser carinhoso com sua parceira na frente de amigos ou da família ou apenas em espaço privado?

19. Você discute a responsabilidade de prevenir contracepção e se proteger contra DSTs antes de ter contato sexual?

20. Você repetidamente pede ou implora a mulheres para fazerem o que você quer em situações sexuais? Você está ligado que, a não ser que isso seja um cenário ou jogo de consenso mútuo, isso é considerado uma forma de coerção?

21. Durante o sexo, você fica atento ao rosto ou à linguagem corporal da sua parceira para ver se ela está excitada? Ativa ou apenas ali deitada? Você pergunta o que uma mulher quer durante o sexo? O que excita ela?

22. Você pergunta por consentimento?

23. Você sabe se a sua parceira tem algum histórico de abuso sexual, estupro, ou outro tipo de abuso físico?

24. Você fica num relacionamento com sua parceira por conforto e segurança? Sexo? Cuidados financeiros e emocionais? E se você não está mais feliz ou “apaixonado” pela sua parceira? E continua mesmo achando que no final não vai dar certo? É porque você tem medo ou não consegue ficar sozinho? Você termina repentinamente relacionamentos quando uma mulher “nova” ou “melhor” aparece?

25. Você pula de um relacionamento para outro? Sobrepõe eles? Ou você dá tempo e espaço para si mesmo entre uma relação e outra para pensar no relacionamento e no seu papel dentro dele? Você sabe estar sozinho? Como é ser solteiro?

26. Você trai suas parceiras?

27. Se a sua namorada considera que você tem um comportamento patriarcalista ou quer tentar trabalhar temas do patriarcado na relação de vocês, você briga com ela ou trai ela e procura outra mulher que aguente as suas merdas?

28. Você concorda com compromisso e responsabilidade românticos, mas depois volta atrás?

29. Você entende sobre menstruação?

30. Você faz piada ou desmerece mulheres por causa de “TPM”?

Questões sobre amizade

31. Você costuma criar normas para ou planejar os momentos de diversão ou você faz isso junto com seu grupo, incluindo mulheres para ver o que elas querem fazer?

32. Você fala com suas amigas mulheres sobre coisas que você não fala com seus amigos homens, especialmente sobre problemas emocionais?

33. Você se apaixona constantemente pelas suas amigas mulheres? Você é amigo de mulheres mesmo sabendo que elas não estão apaixonadas por você ou você costuma acabar com essas amizades? Você só tem amizade com mulheres em relacionamentos monogâmicos ou de compromisso com outras pessoas?

34. Você assedia suas amigas mulheres mesmo que de brincadeira?

35. Você fala com suas amigas mulheres (e não com seus amigos homens) sobre relacionamentos românticos ou problemas nesses relacionamentos?

36. Você só se sente atraído por “anarco-crusty punk barbie”, “alterna-grrrl barbie”, ou “hardcore-grrrl barbie”? (A ideia aqui é que as únicas mulheres que você se sente atraído são aquelas dos padrões de beleza mainstream mas que se vestem ou penteiam o cabelo alternativamente, ou talvez que possuam piercings e tatuagens.) Você questiona e desafia seus ideais internalizados de beleza mainstream?

37. Você já ouviu falar ou discutiu sobre “estaturismo” (descriminação por altura) e você acha que isso é quase nada na escala de opressão?

38. Você está ligado que TODAS AS MULHERES, mesmo aquelas em comunidades radicais, vivem emCONSTANTE PRESSÃO e OPRESSÃO devido aos padrões patriarcais mainstream de beleza?

39. Você está ligado que muitas mulheres em comunidades radicais tiveram ou estão tendo problemas com comida?

40. Você faz piada com mulheres em visuais de “modelos” ou mainstream?

Questões domésticas ou sobre cuidados da casa

41. Quando foi a última vez que você entrou em casa e notou que alguma coisa estava fora do lugar ou suja E fez alguma coisa (não apenas passando ao lado, por cima, longe ou deixando um bilhete idiota sobre isso), mesmo que não fosse sua responsabilidade?

42. Você constantemente está deslumbrado com a “fadinha da comida”, que misteriosamente consegue comida, traz para casa, prepara um prato e depois limpa tudo?

43. Você contribui igualmente na vida e no trabalho doméstico?

44. Quantas das atividades abaixo você contribui na sua casa (essa é uma lista parcial do que compõe o cuidado com uma casa):
A: Varre o chão e limpa o carpê? B: Lava e guarda a louça? C: Limpa o forno e o fogão depois que você preparou uma comida? D. Pega dinheiro, compra comida, joga fora o lixo, e faz comida pras pessoas com quem você vive? E: Você lava roupa (toalhas da cozinha e do banheiro, etc.) F: Limpa os quartos comuns, mesmo que não seja a sua tarefa? G: Junta a bagunça dos outros? H: Cuida do lixo, do composto, da reciclagem? I: Cuida das contas, do aluguel? J: Cuida do jardim? K: Limpa os banheiros e se assegura que estejam limpos depois do uso? L: Alimenta, limpa e cuida dos animais de estimação?

Crianças e seus cuidados

45. Você usa seu tempo com as crianças? Se sim, você usa seu tempo com filhos (seus e dos outros) de um jeito generizado? (faz algumas coisas com meninos e outras com meninas)

46. Se você é pai, você divide o cuidado das suas crianças? (usa a mesma quantidade de tempo E energia E esforço E dinheiro?)

47. Você faz do cuidado às crianças uma prioridade? (tanto em eventos ativistas quanto na vida corrente)

48. Você ajuda mães solteiras em suas vidas e em comunidade perguntando se e como você pode ajudar?

49. Você já politizou suas ideias sobre educação de crianças e maternidade/paternidade em comunidades? Você acredita que indivíduos que estão no movimento têm crianças ou que o movimento tem crianças?

Questões multi-categoria

50. Quando foi a última vez que você mostrou a uma mulher como fazer uma tarefa ao invés de fazê-la presumindo que ela não conseguiria?

51. Quando foi a última vez que você pediu a uma mulher para lhe mostrar como fazer alguma coisa?

52. Você encontra conforto em mulheres para contar seus problemas emocionais, estando ou não numa relação amorosa com elas? Ou você cultiva carinho e relacionamentos de cuidado com outros homens, com os quais você pode discutir seus sentimentos e encontrar conforto com eles?

53. Se uma mulher discute com você ou chama a sua atenção para o seu patriarcado, você faz um esforço para estar emocionalmente presente? Escuta? Não fica emocionalmente pra baixo? Não fica na defensiva? Pensa no que ela disse? Admite que você fez merda? Assume a responsabilidade ou tenta reparar os seus erros? Discute seus sentimentos e ideias com ela? Pede desculpas? Trabalha pesado nas suas merdas para garantir que você não vai fazer de novo com ela ou com outra mulher?

54. Você olha para si e tenta encontrar o porquê você fez cagada num relacionamento e trabalha tanto para mudar o seu comportamento quanto para ser um melhor anti-patriarcalista no futuro?

55. Você organiza regularmente reuniões na casa ou encontros ativistas para resolver conflitos na casa/grupo?

56. Você usa intimidação, gritos, avança sobre alguém, ameaça ou usa violência para fazer a sua ideia “passar”? Você cria uma atmosfera de violência ao redor de mulheres e outras pessoas para ameaçá-las? (ou seja, joga ou quebra coisas, grita, urra, ameaça, ataca, provoca ou aterroriza os animais de estimação de mulheres que fazem parte da sua vida?)

57. Você abusa fisicamente, psicologicamente ou emocionalmente de mulheres?

58. As mulheres que fazem parte da sua vida (mães, irmãs, parceiras, amigas, etc.) têm que “lembrar”, “reclamar”, “gritar” pra você para que se mexa e vá cuidar das suas responsabilidades?

59. Você fala com outros homens sobre patriarcado e seus papéis nele?

60. Quando foi a última vez que você pensou sobre ou falou sobre qualquer desses temas fora ler esse questionário?

TODOS OS HOMENS precisam trabalhar temas do patriarcado, sexismo e misoginia. Entretanto, esse questionário pode mostrar para você áreas específicas para o seu próprio processo e desenvolvimento anti-patriarcal/sexista/misoginista.

pequena nota sobre a glorificação e hierarquização machista da violência no anarquismo

tradução de comentário retirado da revista Homnicidium Ediciones Nihilistas y Antipatriarcales, mais comentários próprios.

Uma explosão material pode não implicar nenhuma explosão de Si mesme

Este número foi aberto com a seguinte frase da CCF1“A aposta é não deixar que esta versão alienada e patriarcal da violência anarquista se estabeleça em nosso interior e, a cada dia dar nossas próprias batalhas pessoais para não nos tornar-nos catives das imitações pálidas do Poder”.

“O materialismo manifesto que se aprecia no texto primeiro, é muito similar em tal aspecto a muitas das reivindicações da FAI/FRI2 e a outros textos como o recente “As malignas gargalhadas de uns espíritos muito livres ou Não nos defendas compadre que a Anarquia sabe defender-se sozinha!”, que não contém mais que “críticas” repetidas até sua vacuidade voltados à impossibilidade de avançar aprofundando que concluem sempre na (exclusiva) exortação à ação netamente material de incendiar, explodir, matar, etc.

Com isso, e me remetendo à frase que escolhi para abrir este número, quero – embora de maneira nada exaustiva desta vez – evidenciar em tal materialismo uma sobrevaloração da violência, que identifico como valor patriarcal.

Dita sobrevaloração ocorre dentro do paradigma masculino bélico no qual a violência (e a guerra) é uma gesta heróica, glorificada e sacralizada que desvalorizando, anula os campos de experimentação criativos, emocionais, intelectuais, energéticos, e outros.

É tão universal a aceitação desta violência, que inclusive es mais “revolucionaries” e “nihilistas” assumem o uso da violência em uma lógica que não se posiciona FORA das realidades a se atacar, senão dentro destas mesmas e seus sistemas dicotômicos de referência e identificação:

Unes têm razões altruístas ou a propriedade da “verdade” para fazer uso da violência e, a violência do “inimigo” satanizado e vilanizado porta a pior ameaça para a “liberdade”. 3

Unes são os boms e outres os maus.

“Quem não está comigo está contra mim”. (…)

Esboçando brevemente algumas características desta sobrevaloração materialista, observo também a consequente supressão de expressões que não sejam as de vingança, ódio, desprezo ou outras emoções “duras” ou “masculinas” que ademais, funcionam como uma corda que ata ae Individue a um mundo que, se supôe, lhe resulta alheio.

Adverto aqui também a jaula de expressividade que em outro momento falei.

O modelo bélico enraizou tão profundamente na mente das pessoas que inclusive as relações de Afinidade sucumbiram a estas lógicas. Basta com pensar no uso do termo “guerrilha urbana” para identificar-se como grupo ou individualmente, em prol do puro interesse pessoal ou da experimentação da Afinidade como caudal de paixões, potenciamento, calor, intro-destruição, e mais.. – devenindo ocasionalmente explosiva. 4

Não há possível Afirmação como Individue quando se permanece dentro dos sistemas de referência valorizados neste mundo.” 5


1 Conspiração Células de Fogo, grupe de guerrilha urbana informal que atua no território grego.

2 Federação Anarquista Informal, criada na Itália, um grupo informal insurrecional.

3 Me incomoda MUITO essa linguagem maniqueísta no anarquismo, me parece inclusive infantil. É tanta construção com base numa antítese em relação a um outro demonizado, tanta excisão de aspectos do próprio eu que se desprezam, que os anarquistas acabam se tornando a mais pura expressão do autoritarismo e todas coisas detestáveis do sistema que tanto afirmam opôr-se e definir-se em negatividade. (Nota da Tradutora)

4 Esse masculinismo que parece com a medição e exibição de falos entre a camaradagem masculina, inclusive é um dos grandes entraves no estabelecimento de uma cultura de segurança, não sendo muitos os que colocam em risco pessoas por gabar-se de atos criminais e ilegais. Acabam também lamentávelmente não pondo em risco somente a eles mesmos, mas também às idéias (N.T.).

5 Numa sociedade patriarcal, onde o valor é o homem, não é a toa que aquilo que se identifica com a masculinidade seja mais valorado, como é o caso da ação violenta em contraposição a outras ações anti-sistêmicas, com tanto ou mais potencial de destruição que uma ação direta física. Afinal pra acabar com esse mundo se levará mais que bombas, e o ato de construir (novas relações, novos valores, etc), que é talvez mais trabalhoso, lento e exigente, é também um ato de destruição mais radical.

Também acho que a identificação com masculino, na velha análise feminista, é identificar-se com o Poder, no caso o poder masculino, é recuperar um ‘falo’ que a mulher não possuiria segundo o discurso patriarcal. Quando temos internalizado o colonizador e seus valores, querer se parecer com ele também passa por querer se tornar mais ‘masculina’, e portanto, virulenta, diferenciar-se das demais mulheres e não querer ser uma, querer identificar-se com a potência, com a agressão, com a masculinidade como mecanismo de falsa solução a baixa-auto-estima de gênero. No sistema simbólico patriarcal, as mulheres estão relacionadas com o pacifismo. Mulheres pedem a paz, homens querem fazer mais guerras. Mulheres participam em revoluções de garotos onde eles trocam de lugar entre si. Ainda creio na necessidade de redefinir violência em contextos de auto-defesa e ataque ao Capital e ao Patriarcado, em contextos insurrecionais e de protestos e repressão estatal, mas também de uma recuperação não-reacionária de valores não-violentos para opor-se a esse sistema de valores masculinos que só dá giros por si mesmo sem mudar substancialmente (N.T.).

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O tema da fúria é super importante no feminismo radical.
Audre fala sobre os ‘usos da raiva’.
E não descartamos a ação violenta e tampouco a Auto-defesa. Somos feministas radicais, não queremos e muitas vezes nem podemos terceirizar nossas necessidades de defender-mos e de ‘justiça’.
Mas é distinto do que se quer criticar aqui, pois dentro do anarquismo masculinista somente é válida a ação violenta e inclusive se criam ícones em cima de ações (veneração de presos políticos, pessoas que fizeram ações ilegais) e mártires da causa (Mauricio Morales por exemplo, anarquista chileno que morreu ao transportar artefato explosivo). Frente a isso outros trabalhos ativistas são depreciados, até mesmo reprimidos, chamados de ‘reformismo’ pelo simples fato de que não é tão visível e heróico, glorioso quanto explodir um banco.
Dizem que aquel*s que resgatan animais ou os castram, os ‘proteccionistas’, são assistencialistas, até mesmo de cristianos nos acusam, mas não oferecem nada mais que mais negligência aos mesmos, e ainda te criticarão por não ser radical o suficiente, dirão que apenas está perpetuando a escravização de animais ao abrigar um e retirá-lo da situação de rua e risco em que se encontra. Por meio de retórica primitivista (uma teoria inclusive, extremamente anti-feminista, advogando idéias essencialistas e uma construção evolucionista, racista, romanticista sobre a natureza ou sobre uma tal ‘primitividade’) advogam atitudes abandônicas em relação a animais, dizendo que voltarão a ser selvagens caso você não intervenha proporcionando abrigo, afeto e condições de vida. Como se isso pudesse ocorrer num contexto de cidades!
Como também se não soubessemos que é uma merda o mero fato de que hajam animais domesticados, e que essa é a mesma raíz do problema,  somos os que melhor sabem isso senão não os castraríamos.

Isso pra não comentar muitas outras coisas. O Feminismo para esses anarquistas é também, arrogantemente dizem, uma causa reformista. (O anarquismo não é né? Acaso não passa de uma mera perpetuação e regurjitação de ideologia Masculina e instituições masculinas. O separatismo é mais radical que essa merda).

Sobre a romantização da morte. Ainda digo que é muito diferente o morrer para mulheres, lésbicas, travestis, pessoas de cor, indígenas.
A morte numa ação, o ‘morrer lutando’ deles, tem haver com a economia de subjetivação masculina. Os homens são construídos para serem guerreiros, ou melhor, agentes do Estado, policiais encarnados na corporalidade masculina, é a polícia mais primitiva. Ser homem é ser policial de uma forma muito radical, é a subjetivação e preparação para serem sujeites que garantem o Estado, a Nação, por meio da violência, são criados e são um projeto de subjetividade tão caro ao sistema porque é o mesmo que o mantém, são o Estado entre nós, e com ele se identificam em seu âmago, mesmo os Anarquistas. Porque matarão as suas companheiras se puderem, porque se matam entre eles provando quem tem a maior pica, porque são um braço do sistema, treinam seu corpo e se vigorexixam por uma demanda internalizada do Estado e do Sistema de que vajam para o fronte da batalha defender a nação, consomem pornografia para aprender a estuprar porque é outra arma de guerra e de conquista, dominação.

Para eles pode ser uma ‘escolha’ morrer, e a dignidade pode estar definida somente como sendo o não morrer humilhado, mas morrer no ‘combate’, ‘honrosamente’.

Para nós mulheres, lésbicas, travestis, pessoas de cor, originárias… que somos dizimadas diariamente, nossa batalha é constante. É sobreviver, e estarmos vivas é um signo de vitória. Somos alvo de genocídio, estamos sendo assassinades, jovens negres são assassinados nas periferias por policiais e são assassinados pelas drogas e trafico feitos para dizimar população negra, travestis são mortas por policias e subjetividades masculinas por sua disconformidade de gênero, lésbicas são assassinadas e alvo de estupro corretivo, sendo desaparecidas também simbolicamente dos registros para que impere a heterossexualidade compulsória, que apareça como única verdade e possibilidade e coagindo mulheres dentro do contrato heterossexual que mantém a sociedade. Para que sejam violadas nesse contrato que naturaliza o fato de que são violadas, que naturaliza o intercurso sexual que não passa de uma invasão corpórea como guerra biológica contra mulheres. Se cria a ginecologia para conter os efeitos da heterossexualidade na morte de mulheres que podem ser reprodutoras úteis ao Patriarcado. Mulheres são mortas por feminicídio, por aborto inseguro, desaparecidas nas redes de prostituição, o sistema da camaradagem e construção da identidade masculina mais antigo (e não a profissão mais antiga, senão que a opressão mais antiga).

Mulheres e lésbicas e travestis e pessoas negras, originárias, querem viver. ISSO É RADICAL, É UM ATO FUNDAMENTALMENTE RADICAL, DECIDIR E ESCOLHER PELA VIDA.
Construir comunicação, valores, ferramentas, espaço, educação não patriarcal leva tempo e trabalho por outro lado. O que é portanto, feminista, até mesmo num senso epistemológico que é oposto a este masculinista e mais visível e legitimado, é relegado à esfera do ‘doméstico’, micropolitico. Afinal, o trabalho doméstico e feminino é invisível, portanto o trabalho ativista é invisível, e é mais minucioso, mais micro e mais difícil, é também o trabalho mais pesado e não reconhecido. Ele não é tão visível como explodir um banco. Ele é menos personificado e mais anônimo, ele envolve mais gente, ele é menos individual e mais comunitário.

Assim que não vejo tanta diferença entre socialistas, que falam que somente o que é válido é a mudança ‘estrutural’ ou uma ‘revolução social’, e os anarquistas insurreccionais que falam que o mais prioritário e verdadeiro é socar um policial…

Algumas anarcafeministas fizeram piadas com os anarquistas estes e como o fetichismo da violência chega a ser patético.

Levo o que ouvi de uma lesbofeminista, comentando sobre as brigas e disputas entre feministas sobre “quem é mais radical que quem” (coisa muito patriarcal e nada solidária entre mulheres e lésbicas):

“Construir lleva mucho tiempo y esfuerzo. Destruír vos lo hacés en un instante”.
(Construir leva muito tempo e esforço. Destruir leva um instante)

(embora pense que esse insurreccionalismo de fetiche não representa uma verdadeira ação destruidora, se é destruidora de verdade não reproduz o patriarcado. A construção eu também considero um ato de destruição. Há muitas formas de destruir-se esse mundo que estamos por descobrir, e se o ataque não é permanente e cotidiano, o mesmo se reconfigura, se regenera e se reconstrói a todo momento, assimilando até mesmo as nossas próprias linguagens).

Não existe anarquia possível se não se destrói e aniquila e se exclui ao Macho. Minha Anarquia será separatista ou não será.
Vulva la Anarquia!
Saparquia!

Anarquia ou Patriarquia?

Entre 8 a 10 de maio de 198, La Gryffe, uma livraria anarquista em Lyon (França), organizou uma jornada anarquista. Estes três dias significaram a oportunidade de um “acerto de contas com o movimento social, as formas de luta, o movimento anarquista desde o maio de ’68 e pensar sobre os recursos futuros para agir sobre o mundo”.

baixe o pdf “Anarquia ou Patriarquia?”

Esses três dias iluminaram um paradoxo no movimento anarquista. O questionamento da sociedade em seu todo continua em realidade limitado a questionar a esfera ‘pública’, a única considerada como política. Lamentavelmente é evitado fazê-lo via questionando o que acontece no ‘privado’, a esfera ‘pessoal’ (seja dentro de grupos militantes assim como no individual doméstico) continua sendo considerada não-política, e mesmo não-social… Como se, de um lado, houvesse indivíduos cuja psicologia, comportamento e relações fossem determinadas separadamente da sociedade e relações sociais e pessoais, por meio da ‘livre vontade’ e, por outro, relações sociais, aparentemente assimiladas a abstrações, esvaziem-se de qualquer significado uma vez que elas estão esvaziadas de indivíduos.
A despeito de um desejo declarado de abertura com relação à luta contra o patriarcado dos organizadores destes três dias de discussão, nós experimentamos, no entanto, uma negação da opressão das mulheres e uma estigmatização do movimento feminista não-misto que denuncia essa opressão. Esta foi a motivação para o desafio feminista expresso durante a reunião da plenária na tarde de sábado.

Como isso ocorreu?
Você disse… violência institucional?

Durante o debate sobre “violência institucional na comunidade ativista”, na Sexta, a questão do poder masculino foi abordada bem superficialmente. Em resposta, diversas intervenções por mulheres tenderam a demonstrar que a ‘liderança militante’ é quase sistematicamente exercida por homens. O problema de poder masculino foi igualmente e abertamente negado (certas pessoas disseram que as mulheres que se manifestavam estavam ‘mudando de assunto’), sustentando-se através de tentativas de justificação, com argumentos como esses a seguir:
– A necessidade de transmitir e/ou compartilhar conhecimento militante e político, implicitamente entendido como possuído, claro, por ativistas ‘treinados’ ou ‘experienciados’, portanto, pelos líderes presentes. Como esses líderes são 99,9% homens, este argumento implica que o conhecimento seria exclusivamente detido pelos homens, enquanto mulheres seriam ‘mais práticas’ (sic). Mas como é que nunca existem ativistas mulheres ‘treinadas’ e ‘experienciadas’?
O conceito de servidão voluntária, que absolve os dominantes (homens, brancos, heteros…) de sua responsabilidade, transferindo-a para @s dominad@s. Assim, a opressão se torna pessoal, psicológica, e, dessa forma, um problema não-social.
Nós podemos observar como, nesta questão da opressão das mulheres, muitos anarquistas defendem que cada indivíduo deva ESTRUTURAR A ELA OU ELE MESM@ fora das relações sociais de gênero. Por outro lado, eles não negam que outras relações sociais definem indivíduos em suas relações um@s com outr@s.
“Eu sou anarquista, logo sou anti-sexista”. Mas que forma toma esta luta anti-sexista? Que demandas são vociferadas mundo afora? Que vigilância demonstramos para com os padrões opressivos dentro dos grupos? E que questionamentos pessoais ela permite? O número mínimo de ações que podem ser organizadas são principalmente reflexivas da esfera pública e nunca são inter-relatadas; elas não integram as formas de opressão prevalente na esfera privada e isso também beneficia homens anarquistas… Isso leva à exclusão do todo-importante conceito feminista ‘o privado é político’.
As noções de sexismo e luta anti-sexista como elas são usadas no movimento anarquista, absolutamente não tomam conta da existência do patriarcado, isto é, uma relação social de dominação (e portanto, de opressão) exercida pelo gênero masculino contra o gênero feminino. Esta visão do sexismo parece limitada à discriminação baseada no gênero, nada mais: no entanto, na sociedade, não há apenas discriminação baseada no gênero, mas também posições sociais assimétricas baseadas no gênero. Nós muhleres e homens não somos assignad@s aos mesmos lugares hierárquicos na sociedade. A forma corrente de anti-sexismo anarquista não é suficiente porque apenas toma em consideração uma parte do problema, e muitas vezes serve para mascarar sua vera fundação. Esta forma de anti-sexismo de fato recusa-se a reconhecer – contrariamente ao feminismo – uma opressão específica de mulheres por homens, uma opressão que difere se as mulheres são lésbicas, bi ou heterossexuais. Este anti-sexismo reduz opressão à alienação, uma que poderia ‘igualitariamente’ ser aplicada a homens e mulheres.

Organização não-mista de mulheres à prova !

Sexta à tarde, tivemos que aguentar respostas hostis ao separatismo durante a projeção do vídeo ‘Crônicas Feministas’ em um cenário não misto. Essas discussões continuaram no dia seguinte durante o debate não-misto de mulheres em anarcofeminismo.
Durante o debate, QUEM ESTAVA ESCREVENDO A HISTÓRIA?
“1968 e depois, trinta anos de movimentos sociais” – Esta discussão ofereceu-nos três ou quatro ‘líderes históricos’, mas nenhuma pessoa para expressar a experiência de um dos movimentos sociais mais importantes daquele período: o movimento de libertação das mulheres. Nós podemos pensar que, mesmo se isso não era intencional, aí ocorreu a reprodução da marginalização das lutas de mulheres nesta programação.
Mas, durante o debate sobre a ordem patriarcal, sábado pela tarde, que as reações anti-feministas foram as mais violentas e provocaram a nossa resposta: do nosso ponto de vista feminista, era impossível ignorar tal backlash 1. O que presenciamos foi em realidade um JULGAMENTO em vez de um debate. Sua vera forma fez deste debate um ato de agressão e de condenação da nossas práticas de luta, viz.:
– o uso de exemplos anedotais para generalizar a questão feminista e as lutas lésbico-feministas;
– homens usando palavras de mulheres opostas às reuniões mistas de modo a dividir-nos mais uma vez, e de maneira a condenar seu anti-feminismo enquanto estabeleciam a eles mesmos em uma posição de árbitro.
Este debate serviu para negar nosso comprometimento e a legitimidade das nossas análises; um desejo de calar-nos estava claramente expresso.
Denunciar e atacar a não-mixticidade de mulheres, como foi feito aqui, era também uma maneira de sugerir que uma mixticidade real existe. Ainda assim, nós acreditamos que a mixticidade é uma ilusão: ou ela é quase não-existente (nos locais de trabalho, na escola desde as primeiras orientações de escolhas, nas organizações políticas, nas uniões…), ou, naquelas raras ocasiões onde ela ocorre, é inequalitária, isto é, uma minoria de homens está ocupando o centro, enquanto mulheres são mantidas na periferia, reduzidas a um papel de espectadoras, um papel de segunda-classe, atada às normas definidas por estes homens e para o poder masculino do qual eles são depositários. Esta primazia a-crítica concedida à mixticidade também nega a necessidade d@ oprimid@ de organizarem-se eles mesmos contra sua opressão e seus opressores… Que @ oprimid@ deveria se tornar s SUJEITS das suas lutas é contudo um princípio anarquista; muitas de nós achamos impossível e inútil manifestar-nos e tentar justificar algo que não deveria exigir justificação: a maneira como este debate tomou lugar ilustra as relações de poder criadas em um cenário misto, fazendo disto então algo muito melhor que qualquer argumentação.
Homens reclamam de se sentirem excluídos pela não-mixticidade das mulheres, quando dada a oportunidade de lidarem com a questão da mixticidade sob o tema ‘a ordem patriarcal’, eles desviaram o debate dirigindo-o e limitando-o à acusações niveladas à mixidade. Isso bem representa a necessidade de encontros de mulheres não-mistas para REALMENTE trabalhar CONTRA a ordem patriarcal!
Conseqüentemente, nós decidimos em um processo coletivo preparar uma intervenção durante o último debate no sábado sobre ‘o futuro do movimento anarquista’. Para nós esta era a oportunidade de desafiar os poderes aí postos: aqueles dos homens, aqueles dos líderes…

Que futuro anarquista para o movimento anarquista?

Homens convidados a falar foram seguidos um após o outro no podium, formulando versões oficiais da história, políticas e a estratégia de suas organizações… nenhuma única mulher, nenhuma lésbica sequer no horizonte da HIStoria 2…
Nossa primeira ação foram placas dizendo ‘VIOLÊNCIA SEXISTA’ e um pôster questionando ‘É ESTA UMA REUNIÃO NÃO-MISTA?’ junto a outros placares de um humor cáustico porém, realista. Nós queríamos ilustrar, de uma maneira simplificada por razões materiais, uma decodificação simultânea dos pertinentes discursos dominantes e como eles estavam funcionando ali. Um outro cartaz dizendo ‘COM VOCÊ, COM A GENTE’ foi dirigido à crítica das mulheres à não-mixticidade.
A despeito de algumas observações provocadas pela nossa presença (bem eloqüente, enquanto nós permanecíamos em silêncio), o debate foi adiante como se a gente não existisse. NÓS EXPERIENCIAMOS SER TORNADAS INVISÍVEIS ASSIM COMO É A SITUAÇÃO DAS MULHERES, LÉSBICAS E A LUTA.
Nossa segunda ação: mover-nos da periferia para o centro da sala. NÓS QUERÍAMOS TOMAR NOSSO LUGAR NO CENTRO DO ESPAÇO PÚBLICO COMO UMA MANEIRA DE OFENDER. Aderem à nossa iniciativa outras mulheres presentes no salão. Se a gente falava umas entre as outras, isso era para tornar visível o fato de que em ‘geral’, homens falam entre eles mesmos. A tensão cresceu e um homem gritou para a gente: ‘sectárias’, facistas’, ‘gurias de merda’, ‘lésbicas’… Pior, encontramos a nós mesmas sendo acusadas de manipulação por mulheres dentro do nosso grupo, pela então chamada recusa de comunicar-nos e sectarismo. Estes são instrumentos tradicionais de poder, usadas pelos dominantes para manter e reafirmar sua dominação: eles simpesmente usam contra nós a crítica que dirigimos a eles. 3 Maior parte dos homens anarquistas se recusaram a incluírem a eles mesmos no grupo dos opressores, muito embora alguns logo admitiram que esta realidade é o único ponto de partida que podia permitir um questionamento deste papel e o da sua participação na manutenção do patriarcado.
Finalmente, certas pessoas estigmatizaram o nosso então chamado ‘desejo de sabotar o debate’, clamando que sentiam que o debate do futuro do movimento anarquista não podia tomar lugar ‘normalmente’… . É auto-evidente que nós lamentamos que certos outros debates (notadamente aquele sobre o Patriarcado) não podia tampouco tomar lugar ‘normalmente’… E nossa intenção era, notavelmente, despertar a consciência, neste debate, sobre o lugar das lutas feministas no futuro do movimento anarquista. Assim, a nossa intervenção era totalmente relevante para as questões em debate.

Uma profunda ação anarquista

Esta ação era baseada em uma motivação comum, mas seu desenvolvimento foi completamente espontâneo, assim como a escolha das mulheres que se juntaram à nós, e foi inteiramente dependente das reações do público. Isso poderia havê-la feito sair totalmente diferente…
Nossa ação feminista permitiu-nos gerar uma série de questões com relação ao compromisso e práticas anarquistas:
– Não seria a análise da dominação masculina, da opressão das mulheres e da lesbofobia um trabalho individual e coletivo de todos homens e todas mulheres? E qual é a significância das explicações ou justificações serem sistematicamente demandadas das feministas?
– Como podemos refletir sobre a articulação das diferentes lutas quando nenhuma delas é percebida como uma questão ‘específica’? Não apenas recusamos a noção de uma hierarquia de lutas, mas também consideradas essenciais como uma visão transversal da realidade social e política.
– Como percebemos o relacionamento entre as relações sociais e individuais? Que ligações reconhecemos entre o pessoal e o político? Como são as relações coletivas produzidas e reproduzidas no espaço privado ou pessoal? Como pode um indivíduo, um sujeito individual, fazer escolhas em uma sociedade que é construída em categorias e classes desiguais?
E sempre, Feministas, enquanto for necessário sê-lo!
Coletivo de mulheres, feministas e lésbicas envolvidas na ação feministas organizada durante os dias anarquistas de 8 a 10 de Maio em Lyon (França).
De, “Léo Vidal”
Data: Sábado, 22 de Agosto de 1998.

NOTAS:
1 Backlash: reação, refluxo, palavra usada para designar as reações aos progressos nas lutas feministas num plano coletivo ou estrutural, por parte das mídias, cultura de massas ou dentro de movimentos e até mesmo novas tendencias no feminismo, como seria o caso do pós-modernismo.
2 HIStória no contexto do texto está sendo usada para referir-se a ‘História dos homens’ ou seja, sua versão, já que “His” em inglês traduz-se por DELE. ‘História dele’. Feministas inventaram o termo ‘Herstory’ em inglês para desconstruir o sexismo da língua ressignificando história como ‘Nossa história’, ‘história dela’ (Her-Story).
3 A tão chamada ‘opressão reversa’
tradução e revisão coletiva online

https://apoiamutua.milharal.org – apoiamutua@riseup.net

Uma mensagem para Homens ‘Anarquistas’

por Molly Tov

Então, dizem que o trabalho de uma mulher nunca termina, e aqui estou eu escrevendo um artigo que um homem deveria estar escrevendo. Começo a achar que isso é verdade mesmo.

As mulheres têm sido analisadas, faladas, contidas, ridicularizadas, caladas, usadas, abusadas, e estupradas por nossos ‘irmãos’ homens auto-intitulados anarquistas e auto-proclamados revolucionários. Todos homens anti-sexistas prontos para pular em cima de um comentário sexista de alguma outra pessoa quando estão em um agrupamento anarquista, mas deixarão escapar quando não estiverem perto de seus amigos não tão ‘P.C.’ (politicamente corretos). Os homens que vocalizam sua agressão contra violadores, mas quando suas amantes dizem não, coerção é simples, e não é um estupro, porque ele é um ANTI-SEXISTA. Há homens que usam conversa anti-sexista para pegar mulher. Os homens que desafiam os outros a chamarem atenção sobre suas merdas e quando alguém o faz, ligam o modo defesa e ele está horrorizado que alguém pudesse dizer que ELE estava fazendo merda, ao invés de pensar sobre a situação e começar a trabalhar nela.

Todas nós sabemos que todos homens são sexistas, assim como todos brancos são racistas, por causa da nossa sociedade, pessoas brancas ainda possuem privilégios sobre pessoas de cor e homens ainda possuem privilégio sobre mulheres, e uma vez nascida neste processo é incrivelmente difícil de quebrá-lo, especialmente quando você esquece de olhar pra si mesm*. Uma vez que homens poêm a tapa em si mesmos de “REVOLUCIONARIO”, eles pensam que uma vez que eles sabem que um problema existe, que não serão mais parte dele, o qual eles são.

Como sempre antes e agora, sexismo é um tema secundário. Parece que tudo está sendo deixado em uma ordem de importância – feita por quem? – É algo como “Primeiro vamos lutar contra o racismo, porque já sabemos surrar os nazis, e então depois talvez vamos pensar sobre sexismo, capitalismo, ou homofobia, qualquer um destes que menos afete nossos privilégios. Depois disso depois que houver tempo, e não mais cerveja, podemos ler sobre especismo, etarismo, ou discapacidade. Se nós somos legais nós vamos aprender um pouco sobre tudo isso para aprimorar nossas habilidades para o próximo encontro.”

Que raios aconteceu com a porra da igualdade? Como foi que alguns “ismos” se tornaram mais importante que outros, você se pergunta? “Como ser maneiro na cena política, e manter tanto privilégio quanto for possível” (busque agora na sua livraria corporativa mais próxima).

É triste quando chega ao ponto em que nós não queremos mais pensar em ninguém mais além de nós mesm*s ou no status quo P.C. O que me traz de novo à conclusão de que todos esses homens ‘feministas’, que se preocupam tão amavelmente com as mulheres (ou ao menos em fodê-las), até que isso afete seu privilégio, se importam. Que eu desafio os AUTO-PROCLAMADOS homens anti-sexistas a realmente pensar sobre, quão longe as palavras que eles falam tão bem, irão talvez tentar perguntar a seus-suas melhores amig*s ou amantes quão sexistas eles são.

Esse artigo ofendeu você já? Você usa seu conhecimento da opressão de outros para fazer uma mudança ou apenas para causar boa impressão? Você se sente desafiado quando uma mulher fala? Já supôs que é ok tocar alguém? Já se incomodou quando uma mulher pediu que você confronte sua merda sexista? ok, foda-se, você escolheu o termo ‘revolucionário’, não eu.

Até que nós comecemos a ver a nós mesm*s como o problema (como parte do problema), e até que tenhamos realmente começado a falar e escutar un*s a outr*s sobre nossos problemas e trabalhar neles, mudança revolucionária permanecerá sempre como um sonho distante.

Então a última questão que fica, quantos artigos levam para que homens comecem a trabalhar na sua merda? Não está você cansada de escutar e ler sobre isso (se eles sequer tomaram algum tempo nisso)?

Talvez Smith e Wesson[1] façam um trabalho melhor??

Ao menos parem de considerarem-se revolucionários. VOCÊ NÃO É MEU CAMARADA.

publicado na revista anarquista ‘Profane Existence’

[1]Esse é um slogan e ao mesmo tempo, uma marca de armas de fogo.

Quem teme aos processos coletivos? Notas Críticas sobre a gestão da violência de gênero nos movimentos sociais

O discurso contra a violência sobre as mulheres forma parte implícita e também explícita do discurso político geral. A violência machista é rejeitada pelo conjunto da sociedade e todo mundo parece reconhecer que é um problema político de primeira ordem. Evidentemente também os movimentos sociais recolhem esses conceitos e mostram abertamente seu próprio discurso anti-sexista. Até aqui perfeito.

Vocês perguntarão por que estamos escrevendo este texto… nós nos perguntamos por que há tantas agressões dentro dos movimentos sociais e por que tanta incapacidade para gestioná-las coletivamente. Nos preocupa o nível de tolerância que há nos espaços políticos ante as agressões e a naturalização/normalização de certas formas de violência. Nos inquieta a incongruência entre discurso e prática e a falta absoluta de sensibilidade a respeito; o que demonstra que é um tema de quarta, se é que chega a considerar-se como tema. Nos enfurece que dentro dos movimentos sociais atuemos como se tivessemos acreditado que as questões que planteia o feminismo já foram assumidas por tod*s e por tanto, já estão superadas e são repetitivas e desnecessárias. E este, apesar das reivindicações básicas de fazem mais de um quarto de século, siguem ainda no tinteiro, e quando as mulheres de todo o mundo sofremos discriminação, abusos e controle de distintos tipos que impedem a liberdade de expressão, pensamento, a liberdade sexual e o movimento. Não somente isso, no contexto de Barcelona há um retrocesso nas práticas coletivas e no discurso a respeito de um passado não tão lejano, fato sintomático de que restam poucos grupos feministas, o que demonstra que, uma vez mais, eram apenas as mulheres as que se ocupavam da violência. Esse retrocesso nas práticas coletivas não é um problema de uns poucos casos de sempre, estamos falando de um problema estrutural e de uma questão de responsabilidade coletiva.

No entanto, existe uma grande resistência a identificar o óbvio, a qualificar como tal as múltiplas caras da violência contra as mulheres, assim como para detectar os casos que podem ser incluídos sob esse nome; esse é um mecanismo magnífico para nadar e guardar a roupa, do tipo “a violência é algo muito ruim, mas isso justamente não é violência”.

A violência estrutural contra as mulheres não é um conceito abstrato próprio dos livros, nem uma coisa da vida de outros, alheio a nosso micro-mundo nos movimentos sociais. A violência estrutural não são os quatro abusos concretos na boca do povo, nem a soma infinita de agressões que cada uma pode constatar ter sofrido. Tampouco são aquelas ações perpetradas por monstros que vêem e apunhalam. O iceberg não é apenas a ponta.

Estamos falando de pautas generalizadas de dominação que atravessam a experiência de ser mulher e todas as esferas da cotidianidade: as relações pessoais, a percepção e o uso do espaço público, o trabalho, a autoridade reconhecida, a percepção dos próprios direitos ou a ausência deles, a relação com o próprio corpo e a sexualidade, e assim um largo etcetera.

A violência estrutural é um mecanismo de controle sobre as mulheres, mas não apenas como forma extrema, ameaça de castigo onipresente que necessita ser provocada o desencadeada, senão que é uma forma de relação normalizada e naturalizada e que portanto pode ser exercida sem a necessidade de justificação.

Mas não estamos fazendo uma dissertação teórica, falemos de casos concretos. No último ano houveram, dentro dos movimentos sociais, numerosas agressões contra mulheres: agressões no seio da relação a dois, violência psicológica na convivência e agressões físicas e sexuais dentro de um espaço político…, e aquelas em que em nenhum caso o agressor haja recebido resposta alguma. Em outro caso recente dentro do contexto político de Barcelona, uma mulher de nosso coletivo sofreu uma violação em sua própria casa por um habitante da mesma, que é um dentre tantos. Dito sujeito passeia tranquilamente durante a semana, alheio a qualquer movimento que pudesse estar esquentando por parte dela, pois – anjinho – nem sequer está consciente de ter feito qualquer coisa má… Mas se equivocava. Ela quis fazê-lo público e propô-lo em um grande coletivo, com ele presente, propondo sua saída imediata. Não apenas porque o ocorrido é uma agressão contra ela, mas porque é uma questão política e coletiva de primeira ordem. E este coletivo toma a decisão de que dito sujeito deve ir-se de casa por uma questão coletiva e política.

Nós valoramos positivamente uma coisa, e é que faz muito, muito tempo que não víamos reagir assim uma mulher, nem a um coletivo, tendo em conta as dificultades e os obstáculos que habitual e sistematicamente encontramos para gestionar grupalmente essas situações. No começo, nos sentimos muito satisfeitas de que essa agressão não tivesse sido silenciada como tantas outras e tivera uma resposta. Neste sentido, este caso é uma exceção. Contudo, a partir daí sucederam-se muitas coisas, mudanças de discurso, de posições e decisões. Com o passar do tempo, o que a princípio foi considerado político terminou relegado ao terreno dos conflitos pessoais. Sete meses depois, se tomou a decisão de que o sujeito regressasse aos espaços públicos da casa, que funcionam como centro social. Más além desta decisão questionável, o que nos parece grave é o processo pelo qual se chega a este resultado, definitivamente semelhante a tantos outros.

Que os grupos (mesmo que seja uma minoria) tratem de buscar uma resposta ante os casos de violência que se produzem em seu seio supõe um passo adiante na reflexão, na gestão coletiva e na erradicação da violência. Mas notamos que em linhas gerais, e a causa da falta de profundidade e sensibilidade a que nos referíamos, as respostas que costumam dar-se desde coletivos mesmos, em nosso entender, nem se aproximam aos mínimos exigíveis, e muitas vezes sofrem de alguns problemas de base que desvirtuam o processo. Falaremos aqui de três deles que nos parecem particularmente graves:

O primeiro, mais recorrente e mais influenciado pelo trato mainstream da matéria, é dar aos casos de violência contra as mulheres um trato de problema privado e pessoal, a ser resolvido entre dois. Quando o que é denunciado como agressão se afronta como uma questão pessoal donde intervém emoções, o que se lê como um assunto turvo onde não há uma verdade, senão duas experiências muito distintas de uma mesma situação confusa, etc., então, perdemos a possibilidade de intervir politicamente, que é do que ao final se trata quando falamos de violência machista.

Há inclusive formas de transladar o assunto a um plano pessoal dentro de uma gestão coletiva. Por exemplo, quando se planteia qualquer trabalho do coletivo como feito por e para a “vítima”, ao invés de uma tarefa que o colectivo necessita para si; quando a intervenção do grupo se planteia como uma forma de mediação entre as “partes afetadas”; ou quando se define o problema como um assunto particular do coletivo a ser resolvido de portas adentro, ou o que é o mesmo, a versão grupal do roupa suja se lava casa. Ou seja, coletivizar não é condição suficiente para fazer política.

Quando tomamos decisões ou posicionamentos políticos, sempre está a possibilidade de receber críticas e entrar em discussões. De fato são muitos os debates que seguem abertos dentro dos movimentos sociais em Barcelona. Mas resulta que diante das situações de gestão coletiva de violência contra mulheres, se levantam muralhas contra as opiniões, críticas e planteamentos externos; se tenta manter a toda custa fora do debate coletivo. Que é o que sucede? Por que tanto medo ao debate? Não será fobia enfermiça às feministas? Ou é que nem sequer lhe estamos dando a categoria de assunto político?

O segundo problema da gestão dos colectivos não feministas dos casos de violência contra as mulheres consiste em trabalhar a partir do enganoso esquema vítima-agressor, próprio da crônica de sucessos. De acordo com este, há um agressor, que é o homem mal, o monstro, a exceção; e uma vítima, a que necessita auxílio. Quando o que tem que ocupar o primeiro papel é um colega ou companheiro, temos muitos problemas para lhe “pôr a etiqueta”, e medo a “demonizá-lo”, porque além disso esse esquema se planteia como um juízo integral sobre a pessoa. Mas, chamemos as coisas pelo seu nome: agressão é o que descreve o fato, agressor é o que a comete. Fazer isso não deveria ser um obstáculo invencível nem tampouco uma opção reducionista que negue outras facetas que possa ter uma pessoa. Os eufemismos e relativismos são um atalho lingüístico para que o entorno do agressor e ele mesmo se sintam mais cômodos com o relato dos fatos, mas por isso mesmo não ajuda a mudar nem a realidade da convivência nem a consciência a respeito dos fatos.

Pelo medo a chamar as coisas pelo seu nome pretendemos encontrar “outras explicações” ou inclusive justificações, do tipo “estava bêbado/drogado”, “ela estava insinuando, ou o estava buscando”, e também a questionar o grau de responsabilidade do agressor sobre seus atos, e assim um largo etcétera. Como consequência da inoperância do esquema, costumamos nos perder em juízos pormenorizados dos sucessos, como se aí residisse a solução. Se traslada a discussão a fatores externos ou a detalhes morbosos dos fatos ao invés de abordá-lo desde a compreensão do estrutural da violência contra as mulheres e a necessidade de conservar uma tensão e atenção constantes para não reproduzí-la. Se não, por que quando o caso concreto nos toca de perto, os princípios que em outras circunstâncias seriam inquestionáveis se desvanecem?

O segundo papel dentro deste esquema se atribui a mulher agredida, com o que se a situa em uma posição de incapacidade: tudo que diga ou faça a “vítima” será lido como reação emocional, nervosismo, impulsividade e defensividade. As atitudes paternalistas e protecionistas com a que ocupa o papel de vítima obstaculizam sua participação em plano de igualdade no processo coletivo.

Então, reconhecer a estruturalidade da violência machista é começar a criar as condições necessárias para evitá-as, e em último lugar responsabilizar-nos quando sucede em nosso entorno. Mas geralmente isso não se dá porque assumir essa responsabilidade é abrir a porta à possibilidade de nos reconhecermos nos sapatos do agressor, o que dá pé à lamentáveis estratégias de corporativismo masculino, nos quais os companheiros guardam silêncio por medo a que suas cabeças rodem junto à dos que estão sendo assinalados abertamente neste momento.

Por último, na prática da gestão coletiva de agressões contra mulheres encontramos uma hierarquização de interesses tácita, e em consequência uma subestimação de tudo que se refere à nós. Quando o que se prioriza por cima de tudo é o consenso, em um grupo onde mais da metade não têm sequer uma reflexão própria prévia e cujo discurso passa por simplificações pré-cozidas próprias de qualquer tele-diário, e além de que estas opiniões se pôem à mesma altura que discursos fundamentados e sensibilidades desenvolvidas a partir de um trabalho prévio, então, nos deixamos arrastar por la tirania do medíocre, que conseguirá desvirtuar os argumentos e rebaixar o discurso a um nível de mínimos. Encadenar palavras grandiloquentes não significa articular um pensamento elaborado.

Sucede que, para começar, só há uma decisão política possível, e é que o agressor desapareça de todos os espaços comuns, sem meias tintas. Mas a priorização do consenso por medo ao conflito também implica que, ante o desafio de tomar uma posição política como coletivo, não haverá lugar para distintas posturas que são irreconciliáveis e excludentes entre si ao redor desta decisão, por muito bem ou mal argumentadas que estejam. Tentar consensuá-las nos leva irremediavelmente a pontos mortos de estancamento sem poder chegar sequer a estes mínimos.

O consenso aqui exposto cumpre duas funções: manter certa coesão no grupo e dar uma ilusão de legitimidade às decisões. Diante do risco de conflito se agudizam os papéis de gênero pré-estabelecidos, que para as mulheres significa cumprir o papel de mediar, pacificar, compreender. Paradoxalmente nos encontramos com que outras mulheres atuam priorizando a unidade do coletivo e o consenso medíocre, como se a agressão a uma de nós não fosse em realidade problema de todas. Isso por outro lado põe a manifesto o arraigado que está as formas heteronormativas em nosso fazer: a definição do que é público e político se faz de acordo com os cânones do universal masculino, e assim as mulheres assumimos discursos construídos neste marco e postos no centro baixo essa lógica e deixamos de politizar questões que nos afetam para não incomodar ou dar a nota, perpetuando a necessidade de aprovação da mirada masculina e as formas de relação entre sexos. Outra vez nos venderam a moto e nos dedicamos a cooperar para que nada mude.

Definitivamente, que vamos fazer ao respeito de todo o exposto? O pior do sexismo se reproduz nos movimentos sociais, mas não estamos assumindo as responsabilidades coletivas para fazer uma gestão adequada da violência de gênero. Como vêem dizendo as feministas há décadas, é necessário fazer políticas as questões que nos afetam às mulheres, e não só de palavra nem como anotação. Se apostamos pelos coletivos mistos, coloquemos ditas questões no centro dando a elas a importância que têm. E é evidente, pois, a necessidade de espaços não mistos e coletivos feministas, assim como de recolher o trabalho e as contribuições que esses grupos vêm fazendo.

Para finalizar, os coletivos que assumem gestionar uma situação de violência de gênero deverão fazer públicos seus posicionamientos e permitir o debate para que sirva de precedente e que assim se produza uma acumulação de experiências (não termos que partir sempre de zero). Do contrário, estamos privatizando, restando transcendência e praticando pseudo política de auto consumo.

LasAfines

Contribuições e comentários a: lasafines@hotmail.com

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

por Tamara K. Nopper

Como uma mulher que tem experimentado abuso físico e emocional de homens, alguns dos quais eu tive longos relacionamentos, foi sempre difícil aprender de outras mulheres ativistas que elas estavam sendo abusadas por homens ativistas.

As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres são abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.

Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens ativistas e mulheres nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é um tanto esperado dado que ela experimentou abuso físico. O que era adicionalmente desolador de ver era como a mulher era evitada por círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou o ter abordado. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens bacacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” entrarem no caminho da “realização do trabalho”.

Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu buscaria essa mulher, e ela iria ao acaso dizer-me sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu encontraria a mim mesma evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu não era há muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouvi-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha atravessado o desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E similarmente a como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.

A vergonha associada em contar às pessoas que você tem sido abusada, e como eu, centrada em uma relação abusiva, é feita ainda pior pelas respostas que você obtem das pessoas. Ao invés de serem simpáticas, muitas pessoas ficaram desapontadas comigo. Muitas vezes fui dita por pessoas que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio por mulheres e o “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isso é, estamos a ignorar que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatiza o caráter de mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas e outras não “se envolvem com esta merda”.

Não posso ajudar a não ser pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, querem seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso ou simplesmente não escuta às mulheres ou não pensa sobre o que as mulheres passam regularmente. E isso é porque eles são simplesmente hostis em reconhecer quão pervasivos e normalizados o patriarcado e a misoginia são – ambos fora e dentro de círculos ativistas.

Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nós confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa aparência dele, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e compromisso político e não estão sendo solicitadas a fazer trabalho porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.

Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino trás a um projeto que eles estão dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não ter sua recuperação abordada em troca. E nós gostaríamos de pensar que a “cultura de segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões do protocolo do listserv ou usa nomes falsos em comícios, mas na verdade inclui pensar proativamente sobre como lidar com misoginia, patriarcado e heterossexismo ambos fora e dentro de cenários ativistas.

Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou foder sem responsabilização. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade a cidade procurando recriar a si mesmos e encontrar carne fresca no meio daqueles que são infamiliares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas darem seu trabalho e destrezas a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente adquirir seu agir correto ou a apreciará enquanto ser humano.

Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho que é nojento como os homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem em políticas para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e controle.

E dado que esse abuso trás para fora o pior da vítima, eu tenho visto onde mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas não normalmente estariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.

O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando mulheres ativistas e, ao mesmo tempo, escrevendo ensaios sobre sexismo ou competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua namorada ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que uma hora citam bell hooks, Gloria Andalzua ou outras escritoras feministas e estão incomodando ou espalhando mentiras e fofocas sobre suas namoradas ativistas em outra. E homens ativistas irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.

O que é mais desolador é o nível de suporte que homens ativistas encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente, outros homens. Não somente as mulheres ativistas têm de confrontar e negociar com seu agressor em círculos ativistas, elas devem normalmente fazê-lo em uma comunidade política que se designa comprometida mas no final não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, a voz que é falsa, acusatória e zombeteira.

Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, a mulher necessita impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.

Infelizmente essa marca de misoginia do homem disfarçou-se enquanto o feminismo masculino é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou secretamente querem estar em relacionamentos com homens abusivos. Mais, seus comentários revelaram uma atitude que assume que, se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas estão “chorando pelo abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão fodê-las”.

Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres é de pouca preocupação a homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos.

Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, o deixando permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos tornam-se adotados, assim dizendo, por outros ativistas, que vêem reabilitar o homem como parte de seus projetos e pensam pouco sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito emocional”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-lo unido” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais entre vítimas enquanto elas trabalham para se tornarem sobreviventes.

E em alguns casos, ativistas mulheres irão evitar ir à polícia porque ela é crítica ao complexo industrial penitenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhe que ela está “contribuindo para o problema” ao “conduzir o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem ser rotulada uma “traidora” por seus colegas ativistas.

Enquanto eu sou uma forte crente que nós devemos tentar trabalhar pela cura ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se curar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para curar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos de onde mulheres eram forçadas a tolerar a indisposição do grupo para abordar o abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam no trabalho e, francamente, há poucos espaços para se ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou ter seu abuso não abordado. Outras irão simplesmente deixar a organização.

Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o pessoal entrar no caminho do “trabalho”. Ou, se mulheres ativistas que têm sido abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela faz “bom trabalho” ou que não abordar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual de mulheres é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso das mulheres deve ser abordado porque, se ele não for, ela pode não continuar a fazer “bom trabalho” para a organização ou pode haver muita tensão no grupo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em e de si mesma.

Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque misóginos e homens abusivos existem no interior deles. Mais, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter o “trabalho” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de realmente nós só se importarmos que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral do “trabalho” que ativistas devem fazer.

Tradução blog delivreacesso.wordpress.com

Redstockings Manifesto

REDSTOCKINGS foi um dos grupos fundadores do movimento de libertação das mulheres dos 60, nos Estados Unidos. O nome é um neologismo tomado do termo “bluestockings” (“meias azuis”), que se costumava aplicar às mulheres intelectualizadas no século XIX, aqui modificado para “redstockings” (meias vermelhas), que aí se reivindicava como sendo a cor da revolução.Caracterizadas por ações como demonstrações públicas, teatro de rua, ações diretas, e por difundirem um periódico próprio, o “Feminist Revolution” (Revolução Feminista), a organização surgiu de um grupo de feministas radicais que se opunham ao feminismo liberal como o representado pela Organização Nacional de Mulheres (NOW), que viam como una forma de avançar o movimento de mulheres unicamente em termos de reformas institucionais. Hoje em dia as membras remanescentes do grupo mantém um projecto de disponibilização do arquivo histórico produzido pelo mesmo, chamado “História para Uso Ativista”. Algumas coisas podem ser obtidas no website www.redstockings.org, de onde foi extraído o manifesto que segue.

REDSTOCKINGS MANIFESTO, 1969

I. Depois de centenas de lutas individuais e lutas preliminares políticas, as mulheres estão se unindo para alcançar sua libertaçaõ final da supremacia masculina. Redstockings dedica-se a construir essa unidade e conquistar nossa liberdade.

II. Mulheres são uma classe oprimida. Nossa opressão é total, afetando cada faceta de nossas vidas. Somos exploradas como objetos sexuais, criadoras, serventes domésticas e trabalho barato. Somos consideradas seres inferiores, cujo único propósito é melhorar a vida dos homens. Nossa humanidade é negada. Nosso comportamento prescripto [e forçado pelas ameaças de violência física.

III. Identificamos os agentes da nossa opressão como homens. A Supremacia Masculina é a mais antiga e a mais básica forma de dominação. Todas as demais formas de exploração e opresão (racismo, capitalismo, imperialismo, etc) são extensões da supremacia masculina: homens dominam mulheres, uns poucos homens dominam o restante. Todas estruturas de poder ao longo da história foram homem-dominadas e masculino-orientadas. Os homens estiveram controlando todas instituições políticas, econômicas, políticas e culturais e mantiveram esse controle com força física. Eles usaram o poder para manter às mulheres em uma posição inferior. Todos os homens recebem benefícios econômicos, sexuais e psicológicos da supremacia masculina. Todos homens vieram oprimindo às mujeres.

IV. Tentativas foram feitas para mover a carga de responsabilidade dos homens para instituições ou para as mulheres ellas mesmas. Nós condenamos esses argumentos como evasões. Instituições sozinhas não oprimem; elas são meramente ferramentas do opressor. Culpabilizar instituições implica que homens e mulheres são igualmente victimizad@s, e isso obscurece o fato de que os homens se beneficiam da subordinação das mulheres, e dá aos homens a desculpa de que eles foram forçados a serem opressores. Pelo contrário, qualquer homem é livre para renunciar sua posição superior, sempre que esteja disposto a ser tratado como uma mulher por um outro hombre.

Nós também rejeitamos a idéia de que mulheres consentem ou que devem ser culpadas por sua própria opressão. A submissão das mulheres não é o resultado de lavagem cerebral, estupidez ou enfermidade mental mas pelo contrário, resulta da pressão diára vinda dos homens. Nós não necessitamos mudar a nós mesmas, os homens que sim o devem.

A mais caluniosa evasão de todas é a de que as mulheres podem oprimir aos homens. A base desta ilusão é o isolamento das relações individuais de seus contextos políticos e a tendência dos homens a ver em qualquer desafio legítimo a seus privilégios uma perseguição.

V. Consideramos nossa experiência pessoal, e nossos sentimentos sobre essa experiência, como a base para uma análise da nossa situação comum. Não podemos depender das ideologias existentes uma vez que são todas ellas produtos de uma cultura supremacista masculina. Nós questionamos cada generalização e não aceitamos nenhuma que não esteja confirmada pela nossa experiência.

Nossa tarefa principal no presente momento é a de desenvolver consciência de classe feminina por meio da experiência compartilhada e expondo publicamente a fundação sexista de todas as instituições. Os grupos de autoconsciência não são “terapia”, conceito que supôe a existência de soluções individuais e falsamente assume que as relações homem-mulher são puramente pessoais, se trata sim do único método pelo qual podemos assegurar que nosso programa para a libertação está baseado em realidades concretas de nossas vidas.

O primeiro requisito para criar consciência de classe é a honestidade, no privado e no público, com nós mesmas e com as demais mulheres.

VI. Nos identificamos con todas as mujeres. Definimos nosso melhor interesse como sendo o das mulheres mais pobres, as mais brutalmente exploradas brutalmente exploradas. Repudiamos todos privilégios econômicos, raciais, educacionais ou de status que nos dividemdas demais mulheres. Estamos determinadas a reconhecê-los e eliminar qualquer discriminação que possamos ter com nós mesmas e com as demais mulheres.

Estamos comprometidas a alcançar democracia interna. Faremos o que for necessário para assegurar que cada mulher em nosso movimento tenha oportunidades iguais de participar, assumir responsabilidade e desenvolver seu potencial político.

VII. Convocamos todas nossas irmãs a unirem-se com nós em luta.

Convocamos a todos os homens a deixarem seu privilégio masculino e apoiar a libertação das mulheres para o interesse da humanidade e delas mesmas.

Lutando por nossa libertação nós sempre tomamos o lado das mulheres contra seus opressores. Não vamos perguntar o que é “revolucionário” ou “reformista”, e sim somente o que é melhor para as mulheres.

O tempo das pequenas batalhas individuais passou. Agora vamos até o fim.

(7 de Julio de 1969).