Breve Resenha de Algumas Teorias Lésbicas

breve resenha teroias lesbicasVersão zine traduzida ao português do texto de Jules Falquet, onde realiza uma magistral introdução ao pensamento lésbico.

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“LESBICAS EM REVOLTA”, Tremores e Arrepios na Supremacia Masculina, por Charlotte Bunch

Este artigo foi escrito para a revista The Furies, publicação lésbica feminista, no vol.1 em Janeiro 1972. A revista era editada por uma coletiva lésbica separatista com o mesmo nome, e se prestava a fazer emergir uma teoria e uma análise lésbico-feminista própria. Segue o texto:

O desenvolvimento de políticas Lésbicas-Feministas como a base para a libertação das mulheres é nossa prioridade maior, esse artigo contorna nossas idéias presentes. Em nossa sociedade que define todas pessoas e instituições para o benefício dos ricos, homens e brancos, a Lésbica está em revolta. Em revolta porque ela define a si mesma nos termos das mulheres e rejeita as definições dos homens de como ela deve se sentir, agir, aparentar e viver. Ser uma lésbica é amar-se a si mesma, mulher, numa cultura que deprecia e despreza mulheres. A Lésbica rejeita a dominação sexual/política masculina, ela desafia seu mundo, sua organização social, sua ideologia, e sua definição dela como inferior. Lesbianismo coloca a mulher em primeiro lugar enquanto a sociedade declara o macho supremo. Lesbianismo ameaça supremacia masculina ao seu núcleo. Quando politicamente consciente e organizado, é central em destruir nosso sistema sexista, racista, capitalista e
imperialista.

Lesbianismo é uma
escolha política

A sociedade masculina define Lesbianismo como um ato sexual, o que reflete a visão limitada das mulheres: eles apenas nos pensam em termos de sexo. Eles também dizem que Lésbicas não são mulheres reais, logo, uma mulher real é aquela que é fodida por homens. Nós dizemos que uma Lésbica é uma mulher a qual o senso de si e de energias, incluindo energias sexuais, centram em torno de mulheres – ela é identificada com/como/na mulher (Mulher-Identificada).

A mulher-identificada com a mulher compromete a si mesma às outras mulheres para suporte político, emocional, físico e econômico. Mulheres são importantes pra ela. Ela é importante pra si mesma. Nossa sociedade demanda que o comprometimento das mulheres seja reservado aos homens.

A Lésbica, a mulher-identificada com a mulher, compromete a si mesma às mulheres mão apenas como uma alternativa aos relacionamentos opressivos homem-mulher, mas primariamente porque ela ama mulheres. Seja conscientemente ou não, pelas suas ações a Lésbica reconheceu que dando suporte e amor a homens sobre mulheres, perpetua o sistema que a oprime. Se mulheres não fizerem um comprometimento dumas com as outras, que inclua amor sexual, nós negamos a nos mesmas o valor e amor tradicionalmente dados aos homens. Nós aceitamos nosso status de classe secundária. Quando mulheres dão energias primárias a outras mulheres, então é possível concentrar-se plenamente em construir um movimento para nossa libertação.

Lesbianismo identificado-em mulher é, então, mais do que uma preferência sexual, é uma escolha política. É político porque relações entre homens e mulheres são essencialmente políticas, elas envolvem poder e dominância.

Uma vez que Lésbicas rejeitam ativamente esses relacionamentos e escolhem mulheres, ela desafia o sistema político estabelecido.

 

Lesbianismo, por si mesmo, não é o suficiente


É claro, nem todas Lésbicas são conscientemente mulheres-identificadas, nem são todas comprometidas em achar soluções comuns para a opressão que elas sofrem como mulheres e Lésbicas. Ser uma lésbica é parte do desafio à supremacia masculina, mas isso não é o fim. Para a Lésbica ou mulher heterosexual, não há solução
individual para a opressão.

A Lésbica pode pensar que ela é livre uma vez que ela escapa da
opressão pessoal dos relacionamentos homem/mulher. Mas para a
sociedade ela ainda é uma mulher, ou pior, uma Lésbica visível. Nas
ruas, no trabalho, nas escolas, é tratada como inferior e está sob a
custódia dos caprichos e poder masculino (eu nunca ouvi falar de um
estuprador que parou porque sua vítima era Lésbica). Esta sociedade
odeia mulheres que amam mulheres, e então, a Lésbica, que escapa à
dominância masculina em seu lar privado, recebe-a em dobro das mãos da sociedade masculina, ela é assediada, isolada e calada ao máximo.

As Lésbicas precisam se tornar feministas e lutar contra a opressão das mulheres, assim como feministas precisam se tornar Lésbicas se elas
esperam pôr fim à Supremacia Masculina.

A sociedade estadunidense encoraja soluções individuais, atitudes
apolíticas e reformismo para nos manter aquém de revolta política e
afastadas do poder. Homens que comandam e machos esquerdistas que
desejam governar tentam despolitizar sexo e as relações entre homens e
mulheres de forma a nos prevenir de atuar para pôr fim à nossa
opressão e desafiar seu poder. Assim que a questão da homossexualidade
se torna pública, reformistas definem-na como uma questão privada de
‘com quem você dorme’ no intento de retroceder nosso entendimento das
políticas de sexo. Para a Feminista-Lésbica essa não é uma questão
privada, isso é uma matéria política de opressão, dominação e poder. Reformistas oferecem soluções que mantém o poder nas mãos do opressor.

A única maneira que pessoas oprimidas coloquem fim a sua opressão é por arrebatar poder: pessoas cujo poder depende da subordinação de outras não irão voluntariamente parar de oprimir. Nossa subordinação é a base do poder masculino.

 

Sexismo é a raíz de toda opressão

A primeira divisão de trabalho, na pré-história, foi baseada em sexo: homens caçavam, mulheres construíam as vilas, cuidavam das crianças e
roçavam. Mulheres coletivamente controlavam a ilha, a linguagem, a
cultura e as comunidades. Homens eram aptos a conquistar mulheres com
armas que desenvolveram para caçar quando se tornou claro que mulheres
estavam liderando uma existência mais estável, pacífica e desejável.

Nós não sabemos exatamente como essa conquista tomou lugar, mas está
claro que o imperialismo original foi dos homens sobre as mulheres: o
homem clamando o corpo feminino e seus serviços como seu território
(ou propriedade).

Tendo garantido a dominação sobre mulheres, homens continuaram seu
modelo de supressão de pessoas, agora nas bases da tribo, raça e
classe. Apesar de que tenha havido numerosas batalhas sobre classe e,
raça e nação passados três mil anos, nenhuma trouxe a libertação das
mulheres. Enquanto essas outras formas de opressão devem ser
terminadas, não há razão para acreditar que nossa libertação virá com
a destruição do capitalismo, racismo ou imperialismo de hoje. Mulheres
serão livres apenas quando se concentrarem em derrotar Supremacia
Masculina.

Nossa guerra contra supremacia masculina envolve, entretanto, atacar
as dominações atuais baseadas em classe, raça e nação.

Como Lésbicas que estão subtraídas de qualquer grupo, seria suicídio perpetuar essas divisões feitas por homens entre nós mesmas. Nós não temos privilégios heterosexuais, e quando nós publicamente assertarmos nossa Lesbianidade, aquelas de nós que o fizeram perderam muitos de nossos privilégios de classe e raça: muitos de nossos privilégios como
mulheres são concedidos a nós por nossos relacionamentos com homens
(pais, maridos, namorados) a quem agora rejeitamos. Isso não significa
que não há chauvinismo racista ou classista em nósmas nós precisamos
destruir essas divisões remanescidas de comportamento privilegiado
entre nós como primeiro passo acerca de sua destruição em nossa
sociedade. Raça, classe e opressões nacionais advêm de homens, servem
aos interesses da elite da classe de homens reinantes, e não têm lugar
em uma revolução que seja mulher-identificada.

 

Lesbianismo é a ameaça básica à supremacia masculina

Lesbianismo é a ameaça à base ideológica, política, pessoal e
econômica da supremacia masculina.  As lésbicas ameaçam ideologia da
supremacia masculina por destruir a mentira da inferioridade, fraqueza, passividade da mulher, e por negar a necessidade ‘inata’ de mulheres por homens (até mesmo para procriação se a ciência da clonagem for desenvolvida).

A independência Lésbica e recusa a suportar a um homem mina o poder
pessoal que homens exercem sobre mulheres. Nossa rejeição do sexo
heterosexual desafia dominância masculina em sua forma mais
individual e comum. Nós oferecemos a todas mulheres algo melhor que
submissão à opressão pessoal. Nós oferecemos o início do fim da
supremacia masculina coletiva e individual. Desde que homens de todas
raças e classes dependem de suporte e submissão femininos para
trabalhos práticos e sentimento de onipotência, nossa recusa a
submeter-nos irá forçar alguns a examinar seus comportamentos
sexistas, a quebrar com seus próprios privilégios destrutivos sobre
outros humanos e a lutar contra esses privilégios nos outros homens.

Eles terão que construir novos sentidos de ser que não dependam de
oprimir mulheres e aprendam a viver em estruturas sociais que não os
dê poder sobre ninguém.

A Heterossexualidade separa mulheres umas das outras, ela faz mulheres
definirem a si mesmas através de homens, ela força mulheres a competir
umas contra as outras por homens e os privilégios que advém por
intermédio deles e sua posição social. A sociedade heterossexual oferece
a mulheres poucos privilégios como compensações se elas abrirem mão
de sua liberdade: por exemplo, mães são respeitadas e ‘honradas’,
esposas ou amantes são socialmente aceitadas e dadas alguma segurança
econômica e emocional, uma mulher toma proteção física nas ruas quando
ela está com seu homem, etc. Os privilégios dão a mulheres
heterosexuais um motivo. pessoal e político em manter o status quo.

A Lésbica não recebe qualquer desses privilégios heterossexuais uma vez
que ela não aceita a demanda dos homens dela. Ela tem poucos
interesses velados em manter o sistema político presente uma vez que
todas instituições – igreja, estado, mídia, saúde, escolas – trabalham
para mantê-la abaixo. Se ela compreender sua opressão, ela não tem nada a ganhar suportando a América macha branca rica e muito a ganhar de lutar para mudar isso. Ela está menos inclinada a aceitar soluções
reformistas para a opressão de mulheres.
Economias são uma parte crucial da opressão de mulheres, mas nossa
análise de relações entre capitalismo e sexismo não estão completas. Nós sabemos que teoria econômica marxista não considera suficientemente o papel de mulheres ou Lésbicas, e nós estamos presentemente trabalhando nessa área.

De qualquer forma, como um início, alguma das formas como Lésbicas
ameaçam o sistema econômico são claras: nesse país, mulheres trabalham
para homens para sobreviver, no trabalho e em suas casas. A Lésbica
rejeita essa divisão de trabalho nas suas raízes; Ela recusa ser uma
propriedade de um homem, a submeter-se ao sistema de trabalho mal pago de dona de casa e criação de crianças. Ela rejeita a família nuclear
como a unidade básica de produção e consumo em uma sociedade capitalista.

A Lésbica é também uma ameaça ao trabalho porque ela não é a trabalhadora mulher passiva/turno-parcial com que capitalismo conta para
fazer trabalho enfadonho e ser parte de um suprimendo laboral acumulativo.

Sua identidade e suporte econômico não vêm de homens, então seu trabalho é crucial e ela se preocupa com condições de trabalhos, salários, promoção e status.

O Capitalismo não pode absorver
largo número de mulheres demandando emprego estável, salários
decentes, e recusando aceitar exploração de trabalho tradicional.  Nós não entendemos ainda os efeitos totais dessa insatisfação crescente de
trabalho que temos. Isso é, de qualquer forma, está claro que uma vez que
mulheres se tornam mais intencionadas em tomar controle de suas vidas, vão procurar maior controle sobre seus trabalhos, por incrementar as tensões do capitalismo e incrementar o poder das mulheres para mudar o sistema econômico

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento para reagir à supremacia masculina

O Lesbianismo Feminista, como a ameaça mais básica à supremacia masculina, toma parte da análise do sexismo da Libertação das Mulheres
e dá à ela força e direção. A Libertação das Mulheres carece de
direção agora porque ela tem falhado em encarar classe e raça como
diferenças reais nos comportamentos de mulheres e necessidades
políticas. Enquanto mulheres heteros vejam Lesbianismo como uma
questão privada, elas estarão contendo o desenvolvimento de políticas e
estratégias que poderiam por um fim à supremacia masculina, e elas dão
a homens uma desculpa pra não lidar com seu sexismo.

Ser uma Lésbica significa acabar com sua identificação, sua aliança,
sua dependência, e seu suporte à heterossexualidade. Significa acabar
seu envolvimento no mundo masculino tanto que você se une às mulheres,
individualmente e coletivamente, na luta para acabar com sua opressão. Lesbianismo é a chave para a libertação, e apenas mulheres que cortarem seus laços com Privilégio Masculino podem ser acreditadas de
permanecerem sérias na luta contra dominância masculina. Aquelas que
se mantém ligadas a homens, individualmente ou em teoria política, não se permitem jamais pôr mulheres em primeiro lugar. Não é que mulheres
heterossexuais sejam más ou não se importem com suas irmãs. Isso é
porque a vera essência, definição, e natureza de heterossexualidade é
homens-em-primeiro. Toda mulher experienciou aquela desolação quando
sua irmã pôe seu homem em primeiro lugar ao final de um confronto:
a heterossexualidade demanda que ela o faça. Enquanto mulheres ainda se
beneficiarem da heterossexualidade, receber seus privilégios e
segurança, elas irão em alguma hora ter de trair suas irmãs,
especialmente as irmãs Lésbicas que não recebem esses privilégios.

As mulheres na Libertação de Mulheres têm entendido a importância de ter encontros e outros eventos apenas para mulheres. Tem sido claro que lidando com homens divide- nos e drena nossas energias e que não é o
papel do oprimido explicar ao opressor a sua opressão. Mulheres também
têm visto que coletivamente, homens não vão lidar com seu sexismo até
que eles sejam forçado a isso. Mesmo assim, muitas dessas mulheres
continuam mantendo relacionamentos primários com homens
individualmente e não compreendem porque as Lésbicas acham isso
opressivo. As Lésbicas não podem crescer politicamente ou pessoalmente em uma situação que nega a base de nossas políticas: que Lesbianismo é
político, que heterossexualidade é crucial para manutenção da
supremacia masculina.

As Lésbicas devemos formar nosso próprio movimento político na ordem de crescer.  Mudanças que vão ter mais do que efeitos simbólicos em nossas vidas serão guiadas por Lésbicas mulheres-identificadas que entenderam a natureza de nossa opressão e que estão por isso mesmo em posição de acabá-la.

“Uma declaração Negra Feminista” – Combahee River Colective (A Coletiva do Rio Combahee) – Abril de 1977

A Coletiva do Rio Combahee (Combahee River Colective) foi um grupo feminista negro ubicado na cidade de Boston cujo nome veio da ação guerrilheira inventada e dirigida por Harriet Tubman em 12 de junho de 1963, na região Port Royal do estado da Carolina do Sul. Esta ação liberou mais de 750 escrav*s e é a única campanha militar na história americana planejada e dirigida por uma mulher.

Somos uma coletiva de feministas Negras1 que estiveram se juntando desde 1974. Durante este tempo estivemos nos envolvendo no processo de definir e clarificar nossa política, e ao mesmo tempo estivemos fazendo trabalho político em nosso próprio grupo e em coalizão com outras organizações e movimentos progressistas. A declaração mais geral de nossa política neste momento seria a de que estamos comprometidas a lutar contra a opressão racial, sexual, heterossexual e classista, e que nossa tarefa específica é o desenvolvimento de uma análise e prática integradas baseadas no fato de que os sistemas maiores de opressão se interligam. A síntese dessas opressões criam as condições de nossas vidas.

Como Negras vemos o feminismo Negro como o lógico movimento político para combater as opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor.

 A seguir discutiremos quatro temas importantes: (1) A gênese do feminismo Negro contemporâneo; (2) no que acreditamos, por exemplo, no campo específico da nossa política; (3) os problemas em organizar as feministas Negras, incluindo uma breve “herstoria”2 de nossa coletiva e (4) os temas e a prática feminista negra.


1. A Gênese do feminismo Negro contemporâneo

Antes de apresentar o recente desenvolvimento do feminismo Negro gostaria de afirmar que localizamos nossas origens na realidade histórica das mulheres afro-americanas3 e sua luta contínua de vida ou morte para sua Sobrevivência e libertação. A relação excessivamente negrativa da Negra com o sistema político estadounidense (um Sistema manejado pelo homem branco) sempre foi determinada pela nossa categorização em duas castas oprimidas: a racial e a sexual. Angela Davis indicou em “Reflexões sobre o papel da mulher Negra em uma comunidade de escravos” que as Negras sempre incorporaram, mesmo que somente em sua manifestação física, uma postura adversária ao mando do homem branco e estiveram resistindo ativamente às incursões sobre elas e suas comunidades de maneira tanto dramática quanto sutis. Sempre houveram Negras ativistas – umas conhecidas como Soujourner Truth[1], Harriet Tubman[2], Frances E. W. Harper,[3] Ida B. Wells Barnett[4] e Mary Church Terrel[5], assim como mil tantas outras não conhecidas que compartiram seu reconhecimento de que a combinação da sua identidade sexual e identidade racial faz única sua situação vital total tanto como o enfoque de suas batalhas políticas. O feminismo negro contemporâneo é um reflorecimento de incontáveis gerações de sacrifício pessoal, militância e trabalho por parte de nossas mães e irmãs.

Uma presença feminista Negra se há desenvolvido mais claramente em conexão com a segunda onda do movimento da mulher angloamericana que começou pelos últimos anos dos ’60. As Negras, outras terceiromundistas e trabalhadoras se comprometeram ao movimento feminista desde seus princípios, mas as forças reacionárias exteriores tanto como o racismo e elitismo dentro do mesmo movimento serviram para obscurecer nossa participação. Em 1973, feministas Negras, principalmente as radicadas em Nova Iorque, sentiram a necessidade de formar um grupo feminista Negro separado. Este veio a ser a Organização Nacional Feminista Negra (The National Black Feminist Organization – NBFO).

A política feminista Negra também tem uma conexão evidente com os movimentos para a libertação Negra, em particular os das décadas de 60 e 70. Muitas de nós participamos nos movimentos (Direitos Civis, Nacionalismo Negro, As Panteras Negras) e todas nossas vidas foram afetadas e transformadas por suas ideologias, suas metas, e as táticas empregadas para alcançá-las. Nossa experiência e desilusão com esses movimentos de libertação, tanto como a experiência nas margens esquerdistas masculinas dos brancos, nos levou a ver a necessidade de desenvolver uma política que fosse anti-racista, à diferença das mulheres brancas, e anti-sexista, à diferença dos homens Negros e brancos.

Sem dúvida também há uma gênese pessoal no feminismo Negro, isso é, o reconhecimento político que emerge das experiências aparentemente pessoais das vidas individuais das mulheres Negras. As Feministas Negras e muitas mais Negras que não se definem como feministas experimentaram a opressão sexual como um fator constante em nossa existência cotidiana. Como meninas percebemos que eramos diferentes dos homens e que eles nos tratavam distinto. Por exemplo, ao mesmo tempo que nos faziam calar-nos para que nos vissem como “damas” e para nos fazermos mais admissíveis aos olhos da gente branca. Enquanto crescíamos nos demos conta que a ameaça de abuso físico e sexual por parte dos homens. A pesar de tudo, não tínhamos nenhuma maneira de conceptualizar o que era tão óbvio para nós, que sabíamos o que em realidade sucedia.

As Feministas Negras frequentemente falam de seus sentimentos de loucura de reconhecer os conceitos da política da sexualidade, do mando patriarcal, e mais importante, o feminismo, o análise político e a prática que nós as mulheres usamos para lutar contra nossa opressão. O fato de que a política racial e claramente o racismo são fatores que penetram em nossas vidas não nos permite a nós nem a maioria das mulheres Negras, ver mais a fundo dentro de nossas experiências e, a partir de esta conscientização desenvolvida e compartilhada, construir uma política que transformará nossas vidas e inevitavelmente dará fim a nossa opressão. Nosso desenvolvimento também está submetido à atual posição política da gente Negra. A geração da juventude Negra que seguiu à segunda guerra mundial foi a primeira que pode tomar a menor vantagem de certas opções educativas e de emprego, antes totalmente fechadas à gente Negra. Como resultado dessas poucas opções, nossa posição econômica ainda está pelo chão da economia capitalista norte-americana, umas poucas de nós pudemos obter conhecimentos que nos permitem lutar contra nossa opressão de maneira eficaz.

Uma combinada posição anti-racista e anti-sexista nos juntou inicialmente e, enquanto nos desenvolvíamos politicamente nos dirigimos ao heterossexismo e à opressão econômica sob o capitalismo.

2. No que acreditamos

Sobretudo, nossa política brotou primeiramente da crença compartida de que as Negras somos inerentemente valiosas, que nossa libertação é necessária, não como adjunto à de alguém mais, mas devido a nossa necessidade de autonomia como pessoas humanas. Isso pode parecer tão óbvio como para soar simples, mas é aparente que nenhum outro movimento ostensivelmente progressista considerou nossa opressão específica como prioridade nem trabalhou seriamente para acabar com essa opressão. Só nomear os estereótipos pejorativos atribuídos às Negras (por exemplo mammy/niñera Negra, matriarca, Sapphire, puta, bull-daggar/sapatão) sem categorizar o tratamento cruel, frequentemente sanguinário, indica o tão pouco valor que foi dado a nossas vidas durante quatro séculos de escravidão no hemisfério ocidental. Reconhecemos que a única gente a quem importamos o suficiente para trabalhar por nossa libertação somos nós mesmas. Nossa política nasce de um amor saudável por nós mesmas, nossas irmãs, nossa comunidade que nos permite continuar nossa luta e trabalho.

Este enfoque sobre nossa própria opressão está incorporado ao conceito de política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente a mais radical se deve basear diretamente em nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente. No caso das Negras este conceito é especialmente repugnante, perigoso, e ameaçante, e portanto revolucionário porque é óbvio ao ver de todos os movimentos políticos antecedentes ao nosso que neles qualquer outra pessoa merece a libertação mais que nós mesmas. Rechaçamos pedestais, ser rainhas, ou ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é suficiente.

Nós acreditamos que a política da sexualidade sob este sistema patriarcal se assenhora da vida das vidas das mulheres Negras tanto como a política de classe e raça. Também encontramos difícil separar a opressão racial da classista e da sexual porque em nossas vidas as três são uma experiência simultânea. Sabemos que não existe uma coisa tal como uma opressão racial-sexual que não seja somente racial ou somente sexual; por exemplo, a história da violação das Negras por homens brancos como uma arma da repressão política.

Embora sejamos feministas e lesbianas, sentimos solidariedade com os homens Negros progressistas e não defendemos o processo de fraccionamento que exigem as mulheres brancas separatistas. Nossa situação como gente Negra requer que tenhamos uma solidariedade pelo fato de ser da mesma raça, a qual as mulheres brancas evidentemente não necessitam ter com os homens brancos, a menos que sea sua solidariedade negativa como opressores raciais. Lutamos juntas com os homens Negros contra o racismo, enquanto também lutamos com homens Negros sobre o sexismo.

Reconhecemos que a liberação de toda gente oprimida requer a destruição dos sistemas político-econômicos do capitalismo e do imperialismo tanto como o do patriarcado. Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho tem que se organizar para o benefício coletivo dos que fazem o trabalho e criam os produtos dele, e não para o proveito dos patrões. Os recursos materiais tem que ser distribuídos igualmente entre tod*s que criem esses recursos. Não estamos convencidas, no entanto, que uma revolução socialista que não seja também uma revolução feminista e anti-racista nos garantirá nossa libertação. Chegamos à necessidade de desenvolver um entendimento das relações entre classes que tome em conta a posição específica da classe das Negras que geralmente estão nas margens da força operária, embora durante este tempo em particular algumas de nós sejamos percebidas duplamente como símbolos desejáveis nos níveis funcionários e profissionais.

Necessitamos verbalizar a situação real de classe das pessoas que não são simplesmente trabalhador*s sem raça, sem sexo, mas para quem as opressões raciais e sexuais são determinantes significantes em suas vidas laborais/econômicas. Embora compartilhemos um acordo essencial com a teoria de Marx quanto ao que se refere às relações econômicas específicas que ele analizou, sabemos que seu análise tem que extender-se mais para que nós compreendermos nossa situação específica econômica como Negras.

Uma contribuição política que estimamos já fizemos, é a expansão do princípio feminista de que o “pessoal é político”. Em nossas sessões de conscientização, por exemplo, de muitas maneiras acabamos indo mais além das revelações das mulheres brancas porque estamos tratando as implicações de raça e classe tanto como as de sexo. Até nosso estilo como Negras de falar/testemunhar na língua Negra sobre o que experimentamos tem uma ressonância ao mesmo tempo cultural e política. Por necessidade estivemos gastando bastante energia explorando o caráter cultural e pessoal de nossa opressão porque esses assuntos nunca foram estudados antes. Ninguém examinou antes o complexo tecido das vidas das Negras.

Um exemplo deste tipo de revelação/conceptualização ocorreu em uma juntada na qual discutimos as maneiras em que nossos interesses intelectuais haviam sido atacados por nossos iguais, em particular pelos homens Negros. Todas descobrimos que porque eramos “inteligentes” também nos consideravam “feias”, isso é, “inteligente-feia” Ser “inteligente-feia” pôs em evidência que todas havíamos sido obrigadas a desenvolver nossos intelectos ao grande custo das nossas vidas “sociais”. As sanções das comunidades Negras e brancas contra as pensadoras Negras são muito altas em comparação às mulheres brancas, em particular às educadas de classe média e alta.

Como já dissemos, rejeitamos a posição do separatismo lésbico porque não é uma estratégia nem um análise viável da política para nós. Exclui demasiado e demasiada gente, em particular aos homens, mulheres e crianças Negras. Temos bastante crítica e ódio do que a sociedade fez dos homens: o que apoiam, como atuam, e como oprimem. Mas não temos a noção descabelada de que isso sucede pelo homem em si, ou seja que a anatomia masculina os faz serem como são.4 Como Negras achamos que qualquer tipo de determinismo biológico é uma base perigosa e reacionária para construir política. Também temos que perguntar-nos se o separatismo lésbico é um análise e estratégia política adequada e progressista mesmo para aquelas que o praticam, já que somente admite as fontes sexuais da opressão das mulheres, renegando aqueles feitos de classe e raça.

3. Problemas em Organizar as feministas Negras

Durante nossos anos como uma coletiva feminista Negra, viemos tendo a experiência do êxito e da derrota, da alegria e da dor, da vitoria e do fracasso. Viemos descobrindo que é muito difícil organizar-se ao redor de temas feministas Negros, que ainda mais difícil anunciar em certos contextos que somos feministas Negras. Estivemos tratando de pensar sobre as razões pelas dificuldades, especialmente já que o movimento de mulheres brancas sigue sendo forte e cresce em muitas direções. Nesta seção discutiremos em geral alguns dos problemas que confrontamos ao organizar tanto como suas razões e também comentaremos especificamente sobre as etapas para organizar nossa coletiva.

A maior fonte de dificuldade em nosso trabalho político é que não estamos somente tratando de lutar contra uma de duas frentes de opressão, senão enfrentar toda uma extensão de opressão. Para apoiarmos não temos o privilégio racial, sexual, heterossexual, ou classista, nem temos o mínimo acesso aos recursos nem ao poder que têm os grupos que possuem qualquer destes tipos de privilégio.

O desgaste psicológico de ser uma Negra e as dificuldades que isso apresenta ao tratar de lograr uma conscientização política e ao fazer trabalho político nunca podem ser subestimadas. Nesta sociedade racista e sexista se dá muito pouco valor ao espírito das Negras. Como disse uma vez uma membra que havia recém-entrado: “Todas somos pessoas danadas somente pelo fato de sermos mulheres Negras”. Somos gente despossuída psicologicamente e a todo nível, e ainda sentimos a necessidade de lutar para mudar a condição de todas as mulheres Negras. No livro “A Busca por uma feminista Negra pela irmandade” Michele Wallace chega a esta conclusão:

“Existimos como mulheres que são Negras que são feministas, cada uma isolada por hora, trabalhando independentemente porque ainda não há um ambiente nesta sociedade remotamente admirável à nossa luta – por que ao estar tão abaixo, tínhamos que fazer o que ninguém havia feito ainda: lutar contra todo o mundo ”.

Wallace é pessimista mas realista em seu assenhoramento da posição das feministas Negras, em particular em sua alusão ao quase clássico isolamento que todas confrontamos. Podíamos usar nossa posição baixa, contudo, para tomar um salto limpo até a ação revolucionária. Se as mulheres Negras fossem livres, isso significaria que todas as demais tinham que ser livres já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão.

O feminismo é, apesar de tudo, muito ameaçante para a maioria da gente Negra porque pôe em dúvida algumas das suposições mais básicas de nossa existência, por exemplo, de que a sexualidade terá que ser um determinante das relações baseadas no poder. Aqui vocês têm a definição da voz do homem e da mulher segundo um panfleto Negro dos anos 70:

Nós entendemos que é e tem sido tradicional que o homem encabece o lar. Ele é o líder do lar e da nação porque seu conhecimento do mundo é mais amplo, seu conehcimento mais grande, seu entendimento mais pleno, e sua aplicação de essa infromação é mais sábia… Depois de tudo, é simplesmente razoável que o homem encabece o lar porque ele pode defender e proteger o desenvolvimento de seu lar… As mulheres não podem fazer a mesma coisa que os homens – por natureza funcionam distintamente. A igualdade entre os homens e as mulheres é algo que não pode suceder nem sequer no abstrato. Os homens não são iguais a outros homens, por exemplo, em habilidade, experiência ou até em entendimento. O valor dos homens e das mulheres se pode ver como o valor do ouro e da prata – não são iguais mas ambos têm muito valor. Temos que reconhecer que os homens e as mulheres se complementam porque não há uma casa/família sem um homem e sua esposa. Os dois são essenciais ao desenvolvimento de qualquer vida” [7]

As condições materiais da maioria das mulheres Negras provavelmente não as levaria a destruir os arranjos econômicos e sexuais que parecem representar a estabilidade de suas vidas. Muitas mulheres Negras têm um bom entendimento tanto do sexismo como do racismo, mas devido às constrições em suas vidas não podem tomar o risco de batalhar contra ambos.

A reação dos homens Negros ao feminismo esteve sendo notoriamente negativa. Se sentem certamente mais ameaçados que as mulheres Negras pela possibilidade de que as feministas Negras nos organizemos em torno de nossas próprias necessidades. Reconhecem que não somente perderiam aliadas valiosas e trabalhadoras pra suas lutas senão que também estariam obrigados a mudar seus costumes habitualmente sexistas em como atuam entre si e em quanto oprimem às mulheres Negras. As acusações de que o feminismo Negro divide a luta Negra são dissuasões poderosas contra o desenvolvimento do movimento autônomo de mulheres Negras.

Ainda assim, centos de mulheres participaram em diversos momentos durante os três anos vigentes de nosso grupo. E cada mulher que veio, veio ao sentir uma forte necessidade de captar a qualquer nível uma possibilidade que não existia antes em sua vida.

Quando começamos a reunir-nos em 1974 depois que a NBFO teve sua primeira conferência na região oriental, não tínhamos nem uma estratégia para organiza-nos nem um enfoque. Só queríamos ver o que possuíamos. Depois de nos reunir-nos por uns meses, começamos a juntar-nos outra vez mais tarde esse ano e começamos uma toma de consciência variada e intensa. Tivemos o sentimento abrumador de que depois de anos e anos finalmente havíamos havíamos encontrado. Embora não fazíamos trabalho político como grupo, individuas continuavam sua participação na política lésbica, o abuso da esterilização e o trabalho para o direito ao aborto, as atividades do dia internacional da mulher terceiro-mundista, e o apoio ativo de Dr. Kenneth Edelin,[8] Joann Little, [9], e Inez García [10]. Durante nosso primeiro verão quando o número de membras havía baixado consideravelmente, aquelas entre nós que ficávamos nos dedicávamos a discutir a possibilidade de abrir um refúgio para mulheres agredidas na comunidade Negra (não havia nenhum em Boston naquele tempo). Também decidimos por esse momento fazermos uma coletiva independente já que tínhamos uns desacordos sérios com a posição burguesa-feminista da NBFO e sua falta de um claro enfoque político.

Também, neste momento, nos contataram feministas socialistas com quem havíamos trabalhado em atividades sobre direito do aborto. Elas queria animar-nos a assistir a Conferência Feminista Socialista Nacional em Yellow Springs [11]. Uma de nossas membras assistiu e apesar da estreita ideologia que se promovia em essa conferência em particular, reconhecemos ainda mais a necessidade de entender nossa própria situação econômica e de fazer nosso próprio análise econômico.

No outono, quando algumas membras regressaram, experimentamos vários meses de inatividade comparativa e desacordos internos que primeiro se conceptualizaram como uma divisão entre lesbianas e heterossexuais mas que também era resultado de diferenças políticas e de classe. Durante o verão, aquelas dentre nós que ainda nos juntávamos determinamos a necessidade de fazer trabalho político, e de ir mais além da toma de consciência e de servir somente como um grupo de apoio emocional. No começo de 1976, quando algumas das mulheres que não quiseram fazer trabalho político, e que também tiveram desacordos com o grupo, deixaram de comparecer por sua conta, buscamos um novo enfoque. Decidimos durante esse tempo, com a somatória de novas membras, converter-nos em um grupo de estudo. Sempre havíamos compartilhad o que líamos e algumas de nós havíamos escrito papéis sobre feminismo Negro para discutir com o grupo uns meses antes que se fizera essa decisão. Começamos a funcionar como um grupo de estudo e também começamos a discutir a possibilidade de começar uma publicação Negra feminista.

Fizemos um retiro nos finais dessa primavera que nos proporcionou o tempo para discutir a política e para resolver temas inter-pessoais. Atualmente planejamos uma coleção de escrita feminista Negra. Sentimos que é absolutamente essencial demonstrar a realidade de nossa política a outras mulheres Negras e cremos que podemos fazer isso por meio da escritura e distribuição da nossa obra. O fato de que indivíduas Negras feministas vivem em isolamento por todo o país, de que somos poucas, e de que temos algumas habilidades para escrever, imprimir e publicar nosso trabalho, nos faz querer levar a cabo projetos deste tipo como meio para organizar feministas Negras enquanto continuamos nosso trabalho político em coalizão com outros grupos.

4. Temas e Projetos de feministas Negras

Durante esse tempo juntas, estivemos identificando e trabalhando com muitos temas de particular interesse das mulheres Negras. O desdobramento totalizante de nossa política nos leva a preocupar-nos com qualquer situação que toque a vida da mulher, gente de Terceiro Mundo e trabalhador*s. Estamos, é claro, particularmente comprometidas a trabalhar nessas lutas nas quais raça, sexo e classe são fatores simultâneos de opressão. Podíamos por exemplo involucrar-nos na organização sindicalista de fábricas que empregam mulheres terceiro-mundistas, ou protestar contra hospitais que lhes cortam seus serviços de saúde, a princípio inadequados, à comunidade terceiro-mundista, ou começar um centro em um bairro Negro que trate a crise de violações. Os problemas de bem-estar social (programas estatais) e de creches também podem ser pontos de enfoque. O trabalho por fazer e os temas inacabáveis que esse trabalho representa simplesmente reflete que os aspectos de nossa opressão se filtram através de todas partes.

Os temas e projetos que membras da coletiva tiveram realmente trabalhado são o abuso da esterelização, os direitos de aborto, as mulheres agredidas, a violação e o rapto, e os serviços de saúde. Também tivemos muitas oficinas educativas sobre o feminismo Negro nas universidades, conferências de mulheres e mais recentemente à mulheres no ensino secundário.

Um tema que nos preocupa muito é que temos começado a discutir publicamente é o racismo no movimento das mulheres brancas. Como feministas Negras estamos alertas constante e dolorosamente com relação ao pouco esforço que as mulheres brancas fazem para compreender e combater seu racismo, o qual requer, entre outras coisas, mais que uma compreensão superficial do racismo, da cor, e da história e cultura Negras. Eliminar o racismo no movimento das mulheres brancas é por definição o trabalho delas, mas continuaremos a dirigir-nos ao tema e exigir que assumam responsabilidade sobre o tema.

Na prática de nossa política não acreditamos que o fim sempre justifica os meios. Muitos atos reacionários e destrutivos foram cometidos para obter metas políticas “corretas”. Como feministas não queremos jogar sujo com gente em nome da política. Acreditamos no processo coletivo e em uma distribuição de poder que não seja hierárquico dentro de nosso próprio grupo e em nossa visão de uma sociedade revolucionária. Nos comprometemos a um exame contínuo de nossa política a medida que se desenvolva, por meio da crítica e autocrítica como um aspecto essencial de nossa prática. Na sua introdução de Sisterhood is Powerfull (A Sororidade é poderosa) Robin Morgan escreve:

Não tenho nem a menor ideia do papel que os revolucionários homens brancos heterossexuais podiam fazer, já que são a incorporação do poder na qual os interesses reacionários estão investidos”

Como feministas e lésbicas Negras sabemos que temos um trabalho definitivamente revolucionário para levar a cabo e estamos preparadas para dedicar a vida ao trabalho e luta que nos espera.

***

[Retirado do livro Esta Puente mi Espalda: Voces de las mujeres tercermundistas em los Estados Unidos].

Notas

[1] Soujorner Truth (1797?-1883) foi uma abolicionista (lutadora pela abolição da escravidão de negr*s) e ativista pró-direitos da mulher. Em um dos primeiros congressos sobre direitos da mulher em meados do século 19, revelou sua bravura para dar privas de seu sexo, proclamando “Ain’t I a woman?” (“E eu não sou uma mulher?”). Este gesto simbólico quis expôr a falha das feministas brancas da primeira onda para incorporar em sua luta os problemas das negras. Portanto, Sojourner Truth serviu de modelo para muitas feministas negras contemporâneas.

[2] Harriet Tubman (1820?-1913) foi uma escrava fugitiva, abolicionista e reformista social. É famosa pelo seu trabalho com “a resistência liberacionista” que a permitiu salvar a 300 negr*s da escravidão.

[3] Frances E. W. Harper foi poetisa popular, novelista e oradora de finais do século 19.

[4] Ida B. Wells Barnet (1862-1931) foi jornalista, conferencista e liderança dos direitos civis. Participou da fundação da NAACP (Associação nacional para o assalariamento da gente de cor) e fundou a primeira organização de mulheres sufragistas.

[5] Mary Church Terrel (1863-1954) foi professora, autora, sufragista e uma liderança dos direitos civis. Trabalhou ativamente para organizar as negras nas lutas contra o racismo e o sexismo. Ela foi instrumental em fundar a Associação Nacional de Negras em 1896.

[6] Michele Wallace, “A Black Feminist’s Search for Sisterhood” (“Uma busca Negra feminista pela Irmandade”), The Village Voice, 28 de julho de 1975, pp.6-7.

[7] Mumininas of Committee for United Newark, Mwanamke Mwananchi (The Nationalist Woman). Netwark, New Jersey, 1971, pp. 4-5.

[8] Doutor Kenneth Edellin foi um obstetra e ginecólogo negro do Hospital da Cidade de Boston. Sem apoio dos administradores hospitalários, ele e seus colegas progressisas trabalham horas extras sem pagamento para prover abortos a mulheres de bairros próximos pobres porque os pedem. Em 1973 acusaram-no de homicídio involuntário por fazer um aborto ilegal a uma garota negra de 17 anos que pediu o procedimento e que não sofreu nenhum dano como resultado. “Creio muito frequentemente no direito de uma mulher de determinar o que lhe passe a seu próprio corpo”, declarou o doutor Edelin. “Se uma mulher não está convencida em sua própria mente de que quer um aborto… não o farei”. Em fevereiro de 1975, Edelin foi declarado culpado por um jurado de doze brancos, em sua maioria homens e católicos, e condenado a um ano de liberdade vigiada. (The Guardian, Nova Iorque, 19 e 26 de fevereiro de 1975). Enquanto que a hierarquia católica mobilizava seus partidários anti-feministas para apoiar o castigo de Edelin, o movimento das mulheres feministas de Boston se mobilizou para defendê-lo. No processo subsequente, se exonerou ao doutor Edelin, que depois recebeu uma promoção.

[9] Joann Little foi uma negra de 20 anos encarcerada no condado de Beaufort no estado da Carolina do Norte. Em agosto de 1974, um guarda branco de 62 anos entrou em sua celula e tentou violá-la. Ela resistiu e resultou que o matou a punhaladas. Acusada de homicídio, recebeu o apoio e solidariedade dos liberais, radicais e especialmente do movimento de mulheres através do país. Em agosto de 1975 a exonerou um jurado de seis negr*s e seis branc*s. “Pode ser que já haja uma lei que diz que uma negra tem direito a defender-se”, declarou. “O fiscal tinha mais interesse em mandar as mulheres negras à câmara de gás que à justiça” (The Guardian, Nova Iorque, 27 de agosto de 1975). “… Nunca fui pessimista com respeito ao poder do povo. Sabia que uma vez que se juntasse o povo, venceríamos”.

[10] Inez García foi acusada na Califórnia em 1975 do homicídio de Miguel Jiménez. Jiménez foi amigo de Louis Castillo, 17, que segundo Inez García a violou com ajuda ativa de Jiménez. Seu primeiro juízo resultou em um julgamento de culpada. Mas depois o julgamento foi anulado pela corte superior de California, assim que se a exonerou.

[11] A Conferência Feminista Socialista Nacional foi levada a cabo em Yellow Springs, Ohio em julho de 1975. Assistiram umas 1600 mulheres socialistas e feministas com diferentes perspectivas políticas de muitas partes de Norte-America. Um grupo de mulheres marxistas e anti-feministas tentou dominar a conferência e evitar qualquer discussão teórica do feminismo socialista. Por isso, se formaram espontâneamente várias caucuses (grupos de base), inclusive uma grande junta de lésbicas, para enfrentarem as questões que tocavam a maioria das presentes.

1O Uso em maiúscula da palavra “Negra” é uma convenção linguística nos Estados Unidos e aprte do movimento de Libertação dos Negros nos sessenta.

2O termo “Herstory” é uma forma de reinventar o termo “History”, que traduzindo se lê “História”. Porque “his” em inglês é o pronome masculino “Ele” em tradução literal. As feministas vêm usando a palavra “Herstory” (História dela, tradução literal) que soa como um trocadilho e de modo a questionar a história androcêntrica e a versão masculina prevalescente dos fatos, assim como modo de recuperar uma “história nossa” própria.

3Pensei intervir aqui e pôr “afro-norte-americanas” mas como o texto é retirado de uma coletânea de mulheres terceiromundistas e pertence a essa tradição (chicana, afro-latina, caribenha, migratória nos EUA) eu mantive americana no sentido do continente América, espero que *s leitor* s possam lê-lo assim com ajuda desta nota. [A Editorial]

4Provavelmente aqui a coletiva se refere ao clima que Feminismo Lésbico Cultural deu lugar nos 70, embora o que possa ser extraído das correntes com enfoque mais político se refere mais à necessidade de éticas lésbicas e espaços próprios (Sarah Lucia Hoagland, Marilyn Frye), estas possuíam um análise mais histórico. Em geral o clima do separatismo cultural deu lugar a discursos mais essencialistas e mesmo de uma espiritualidade feminista, que acredito terem sido mais uma reação ao centrismo masculino social e histórico e a lesbofobia do movimento feminista, narrativas essencialistas que eu vejo mais como uma necessidade de criar contra-narrativas e contra-cultura, coisa que sempre existiu durante a trajetoria dos feminismos (Monique Wittig, que publicou livros como Dicionário das Amantes e As Guerrilheiras, com largo linguagem mítico, lírico e metafórico, apesar de ter livros muito teóricos). A crítica é bem entendível mas me preocupo com a apropriação possível que possa ser feita por parte de misóginos ou quem a reproduza a despeito de conhecer ou não o contexto da crítica. Algumas separatistas lésbicas negras que podemos citar: Jacqueline Anderson, Anna Lee, Naomi Littlebear Morena, Pipa Flemming.

Falando sobre Gênero – Debbie Cameron

Falando Sobre Gênero

Na London Feminist Network’s “Feminar” em maio de 2010, Debbie Cameron e Joan Scanlon falaram sobre gênero e o que isso significava para o feminismo radical. O que segue é uma cópia editada de seus comentários.

Debbie Cameron:

O propósito da discussão de hoje é tentar destrinchar a confusão teórica e política que agora ronda o conceito de gênero, e é provavelmente útil iniciar se perguntando o que está causando essa confusão.

Conversas sobre “gênero” hoje em dia frequentemente levam a problemas porque as pessoas estão utilizando a mesma palavra para querer dizer mais ou menos a mesma coisa mas, num exame mais apurado, elas não estão falando sobre o mesmo conjunto de coisas do mesmo ponto de vista. Por exemplo, quando lançamos o T&S Reader na feira de livros radicais de Edinburgh, algumas estudantes vieram depois dizer que estavam contentes que produzimos o livro, mas surpresas que ele não falava muito sobre gênero. Na realidade, é tudo sobre gênero no sentido feminista radical – relações de poder entre mulheres e homens -, então esse comentário não fazia muito sentido para nós. De início, Joan ficou completamente perplexa com isso; eu entendi o que elas deveriam estar compreendendo somente porque eu ainda sou uma acadêmica, e na academia você ouve “gênero” sendo muito utilizado dessa forma. O que está acontecendo é que durante os 1990s, teóricos e ativistas queer desenvolveram uma nova maneira de falar sobre o gênero: ele possuía pontos de coincidência com a forma do feminismo antigo falar, mas a ênfase era diferente, a teoria por trás dele era diferente (basicamente era a teoria pós-moderna de identidade associada à filósofa Judith Butler, embora eu não acredite que Butler em si mesma diria que feministas não tinham análise crítica do gênero), e a política que surgiu disso foi muito diferente. Para as pessoas cujas ideias eram formadas seja pelo encontro com a teoria feminista acadêmica ou pelo envolvimento na política e ativismo queer, esse se tornou o significado de “gênero”. Elas acreditavam o que lhes tinha sido dito, que feministas nos 70s e 80s não possuíam uma análise crítica do gênero, ou que possuíam a análise errada porque suas ideias sobre gênero eram “essencialistas” ao invés de “construcionistas sociais”.

Não acreditamos nisso, e em um minuto explicaremos o porquê. Mas primeiro vale a pena fazer um “compare e contraste” geral sobre a “antiga” visão feminista do gênero e a nova versão que saiu da política/teoria queer dos 1990s.

O Que é Gênero?

“Antigo” Gênero: Um sistema de relações sociais/de poder estruturadas em uma divisão binária entre “homens” e “mulheres”. A categorização está usualmente na base do sexo biológico, mas o gênero como o conhecemos é uma coisa social ao invés de biológica (por exemplo, masculinidade e feminilidade são definidos diferentemente em diferentes tempos e espaços).

“Novo” Gênero: Um aspecto da identidade pessoal/social, usualmente atribuída para você de nascimento na base do sexo biológico (mas essa conexão “natural” é uma ilusão – assim como é a ideia de que devem haver dois gêneros porque existem dois sexos).

O Que é Opressivo Sobre o Gênero?

“Antigo” Gênero: O fato é que ele é baseado na subordinação de um gênero (mulheres) pelo outro (homens).

“Novo” Gênero: O fato de que é um sistema binário rígido. Ele força toda pessoa a se identificar como homem ou como mulher (não nenhum dos dois, ambos ao mesmo tempo, algo entre eles ou alguma coisa totalmente diferente) e pune qualquer um que não se conforme. (Isso oprime tanto homens quanto mulheres, especialmente aqueles que não se identificam inteiramente com o modelo prescrito para o seu gênero)

O Que Seria Uma Política de Gênero Radical?

“Antigo” Gênero: Feminismo: mulheres organizadas para desmantelar o poder masculino e, assim, o inteiro sistema de gênero. (Para feministas radicais, o ideal número de gêneros seria… Nenhum.)

“Novo” Gênero”: “Genderqueer”: mulheres e homens rejeitam o sistema binário, identificam-se como “foras-da-lei do gênero” (por exemplo, queer, trans) e demandam reconhecimento por uma série de identidades de gênero. (Dessa perspectiva, o número ideal de gêneros seria… Infinito?)

Existem tanto similaridades quanto diferenças entre as duas versões. Para ambas, o gênero está conectado ao sexo mas não é o mesmo que ele; para ambos, o gênero como o conhecemos é um sistema binário (existem, basicamente, dois gêneros); e ambas abordagens provavelmente concordariam que o gênero é sobre poder E identidade, mas suas ênfases em um ou outro diferem. Elas também diferem porque os que sustentam a teoria queer não pensam em termos de homens oprimindo mulheres, eles pensam as normas de gênero como tais como mais opressivas do que a hierarquia de poder, ou querem “mais” gênero ao invés de menos ou nenhum. Para realizar um entendimento dessas ideias e decidir o que você pensa delas, é útil entender um pouco de história – a história das ideias radicais sexuais e feministas. Existem três perguntas principais que pensamos valerem a pena de serem desenvolvidas com maiores detalhes: É verdade que o feminismo radical é/foi “essencialista” em sua visão do gênero? O que é, e o que foi, a relação entre as políticas de gênero e sexualidade? O que o feminismo radical e queer ou a política “genderqueer” têm em comum, e quais são as diferenças básicas, e quais são seus respectivos objetivos políticos?

É/Foi o Feminismo Radical Essencialista?

Vamos tirar algo do caminho: existem variedades essencialistas do feminismo, correntes de pensamento no qual, por exemplo, poderes místicos são atribuídos ao corpo feminino ou acredita-se que os homens são naturalmente maus, e algumas das mulheres que aderem a essas ideias podem usar ou serem dadas o rótulo de “feminista radical”. Mas se considerarmos o feminismo radical como uma tradição política que produziu, entre outras coisas, um corpo de textos feministas que vieram a ser considerados como “clássicos”, é surpreendente (dada quão frequente tem sido feita a acusação de essencialismo) quão consistentemente não-essencialista sua visão de gênero tem sido.

Como forma de ilustrar isso, juntei algumas citações dos escritos de mulheres que são geralmente consideradas como feministas radicais arquetípicas – juntamente com Simone de Beauvoir, frequentemente considerada como a fundadora antepassada da moderna “segunda onda” feminista, cujo livro O Segundo Sexo (publicado pela primeira vez na França em 1949) é anterior em 20 anos. Beauvoir não era essencialista e, apesar de que ela não usou um termo equivalente a gênero (isso ainda não é comum em francês), ela faz muitos comentários que dependem em distinguir o biológico dos aspectos sociais de ser uma mulher. Um dos meus favoritos, por causa de seu tom sarcástico seco, é esse: “Todo ser humano fêmea não é necessariamente uma mulher; para ser assim considerada ela deve participar dessa realidade misteriosa e ameaçada conhecida como feminilidade”.

Uma pioneira feminista de segunda onda que tem sido frequentemente castigada por essencialismo (porque ela sugeriu que a subordinação das mulheres deve originalmente ter ocorrido devido a seu papel na reprodução e nutrição) é Shulamith Firestone, autora de The Dialectic of Sex (1970). Mas, na verdade, Firestone não via a hierarquia social construída na diferença sexual como natural e inevitável. Ao contrário, ela declara no Dialectic que

assim como o objetivo final da revolução socialista seria não somente a eliminação do privilégio de classe econômica mas a distinção da classe econômica em si mesma, assim também o objetivo final da revolução feminista deve ser (…) não somente a eliminação do privilégio masculino mas a distinção de sexo em si mesma: diferenças genitais entre seres humanos não mais importariam culturalmente.

Pouco depois, no escrito da feminista materialista radical francesa Christine Delphy, o gênero é teorizado como nada mais que o produto das relações de poder hierárquicas; não é uma diferença pré-existente na qual essas relações são então sobrepostas. A visão de Delphy é uma na qual menos pensadores radicais veem como extrema, mas o que quer que pensem, isso dificilmente poderia ser menos essencialista. Como Delphy mesma diz:

Não sabemos com o quê os valores, os traços de personalidade individual ou a cultura de uma sociedade não-hierárquica se pareceriam, e temos grande dificuldade de imaginar isso. (…) Talvez só seremos capazes de pensar sobre o gênero no dia em que pudermos imaginar um não-gênero.

Todas as escritoras que eu acabei de citar são mulheres que “podem imaginar um não-gênero (e assim o fazem)”. Essa boa vontade de pensar seriamente sobre o que, para a maioria das pessoas, incluindo muitas feministas, é impensável – que um mundo verdadeiramente feminista não somente operaria sem as desigualdades de gênero mas efetivamente sem distinções de gênero -, é, nós argumentaríamos, uma das marcas do feminismo radical, uma das maneiras que ele se supõe como “radical”.

Outra coisa que faz o feminismo radical se destacar é a maneira pela qual ele relaciona o gênero com a sexualidade e, ambos, com o poder. Os escritos de Catharine MacKinnon fazem essa relação particularmente forte, como na seguinte passagem tomada de Feminism Unmodified (1987):

A teoria feminista do poder é a de que a sexualidade é “generizada” e o gênero é sexualizado. Em outras palavras, o feminismo é uma teoria de como a erotização da dominação e submissão cria o gênero, cria mulheres e homens na forma social na qual nós os conhecemos. Portanto, a diferença de sexo e a dinâmica dominação-submissão definem uma à outra. O erótico é o que define o sexo como desigualdade e, por isso, como uma diferença significativa. Isso é, na minha visão, o significado social da sexualidade, e a consideração distintamente feminista da desigualdade de gênero.

Isso mostra que algumas célebres feministas radicais tomaram uma visão não-essencialista da sexualidade assim como do gênero. De fato, uma das considerações mais radicalmente não- ou anti-essencialistas da sexualidade que pudermos pensar – tão radical quanto qualquer trabalho de teóricos queer em rejeitar a ideia de identidades sexuais fixadas e finitas – vem da feminista radical Susanne Kappeler em seu livro The Pornography of Representation (1986):

Numa perspectiva política, a sexualidade, como a linguagem, pode cair na categoria das relações intersubjetivas: intercâmbio e comunicação. As relações sexuais – o diálogo entre dois sujeitos – determinariam, articulariam, uma sexualidade dos sujeitos como a interação do discurso geraria papéis comunicativos nos interlocutores. A sexualidade não mais nos falaria muito sobre a questão da identidade, de um papel fixo na ausência de uma praxis, mas a possibilidade com o potencial de diversidade e intercambialidade, e a possibilidade crucialmente dependente de um interlocutor e codeterminada por ele, outro sujeito.

Mais tarde explicaremos porquê pensamos que essas ideias feministas radicais sobre gênero, sexualidade, identidade e poder, na realidade, emitem um desafio muito mais radical ao status quo do que as ideias da política queer.

Joan Scanlon:

Como a Debbie disse anteriormente, fiquei completamente aturdida quando as duas jovens em Edinburgh perguntaram porque não havia mais sobre gênero no The Trouble & Strife Reader (2009). Liguei para Su Kappeler (veja a citação dela acima) e ela disse: “O negócio é o seguinte, Joan: é como o que Roland Barthes escreveu em algum lugar, que se você tem um guia da Itália, você não vai encontrar “Itália” no índice – você vai encontrar Milão, Nápoles ou o Vaticano…” Então eu pensei sobre isso, e percebi que, enquanto isso era certamente verdadeiro, havia algo a mais acontecendo: é como se o mapa da Itália tivesse desaparecido (bastante útil como uma forma de relacionar Milão, Nápoles e o Vaticano) e, ao invés disso, a realidade geográfica, política e econômica da Itália fora substituída por um espaço virtual no qual a Itália poderia ser um baile de máscaras, uma bandeira tricolor, um salão de sorvete – ou qualquer combinação de flutuantes significantes livres. E, assim, retornando ao conceito de gênero, compreendi que precisamos reconstruir o mapa, e que precisávamos olhar historicamente para a pergunta para dar sentido a essa mudança de significado.

É claro que os mapas mudam, assim como as fronteiras políticas mudam – mas você não vai longe sem uns ou outros. Precisamos, portanto, examinar o porquê das feministas terem adotado o termo gênero para descrever a realidade material – o cumprimento sistemático do poder masculino – e como uma ferramenta para a mudança política. Eu vou começar com algumas definições e então falar brevemente sobre a história da sexualidade, a relação entre gênero e sexualidade, e como essa relação entre essas duas construções mudou desde o início do século passado. Também vou examinar brevemente no que o feminismo tem em comum com a política queer, e aonde residem suas diferenças fundamentais.

Definições: Feminismo, Gênero, Sexualidade

Quando eu estava escrevendo uma coisa com Liz Kelly no final dos 1980s, nós decidimos que, com a proliferação dos “feminismos”, nós precisávamos afirmar que o termo feminismo não possuía sentido se ele somente significasse o que qualquer indivíduo quisesse que ele significasse. Em outras palavras: você não pode ter um plural sem um singular – então nós definimos o feminismo simplesmente como “um reconhecimento de que mulheres são oprimidas, e um comprometimento em mudar isso”. Além disso, você pode ter qualquer número de diferenças de opinião sobre porquê as mulheres são oprimidas e um número de diferenças sobre estratégias de mudar isso. Em 1993, na nossa 10ª edição de aniversário do T&S, nós então pedimos a várias mulheres para que definissem o feminismo radical. As definições que todas tinham em comum eram: elas tomam como central que o gênero é um sistema de opressão, e que homens e mulheres são dois grupos socialmente construídos que existem precisamente por causa da relação de poder desigual entre eles. Ainda, todas elas afirmam que o feminismo radical é radical porque ele questiona todas as relações de poder, incluindo formas extremas como violência masculina e a indústria do sexo (algo que sempre tem sido extremamente controverso no interior do movimento das mulheres e uma questão extremamente impopular de se fazer campanha contra). Ao invés de mexer nas bordas da questão do gênero, o feminismo radical consigna o problema estrutural que subjaz a ele. Para definir gênero, portanto, parece ser um passo necessário a compreensão da proliferação dos significados que surgiram em seu uso plural de agora. O gênero, como feministas radicais sempre o compreenderam, é um termo que descreve a opressão sistemática de mulheres, como um grupo subordinado, pelo benefício do grupo dominante, os homens. Este não é um conceito abstrato – ele descreve as circunstâncias materiais da opressão, incluindo o poder masculino institucionalizado e o poder no interior das relações pessoais – por exemplo, a divisão desigual de trabalho, o sistema de justiça criminal, a maternidade, a família, a violência sexual… E assim por diante. Aqui eu devo dizer que poucas feministas argumentariam que o gênero não é socialmente construído; acredito que o feminismo radical só é acusado de essencialismo biológico porque ele tem sido central na campanha contra a violência masculina e, por alguma razão, nós somos portanto acusadas de pensar que todos os homens são violentos de maneira inata – o que eu nunca entendi. Se você está envolvido numa política de mudança, seria completamente sem sentido pensar que qualquer coisa que você busca mudar é inato ou imutável. Se o gênero é visto, no patrtiarcado, como emanando do sexo biológico – a sexualidade é essencializada se alguma coisa ainda mais –, é visto como emanando da nossa própria natureza, de desejos e sentimentos que estão consideravelmente fora de nosso controle, mesmo se o nosso comportamento sexual pode ser regulado por códigos morais e sociais. E, para concluir com as definições, pegarei emprestado a definição de sexualidade de Catherine MacKinnon como um “processo social que cria, organiza, direciona e expressa desejo”. Além de pontuar que isso claramente indica que feministas radicais compreendem a sexualidade como sendo socialmente construída, não vou destrinchar mais isso aqui, assim como espero que tenha ficado claro a partir do que vou dizer.

Uma Breve História da Sexualidade

É somente a partir de cerca de 1870 em diante que o discurso médico, científico e legal começou a classificar e categorizar indivíduos por seu tipo sexual – e produziu o que historiadores agora reconhecem como uma específica identidade homossexual ou lésbica. Antes do final do século XIX, o comportamento sexual foi concebido em termos de pecado e crime – em termos de atos sexuais e não identidades sexuais. No Reino Unido, a homossexualidade masculina foi criminalizada até 1967, e a lesbianidade, apesar de nunca ilegal, foi reprimida de outras formas; não era uma opção econômica para mais do que um pequeno número de mulheres privilegiadas com recursos independentes até depois da Segunda Guerra Mundial. A sexualidade feminina sempre foi controlada por coerção física, por dependência econômica dos homens, e não menos pela ideologia – o ensaio de Adrienne Rich “Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica” (1979) mostra a variedade e inventividade desses meios de controle.

O gênero é uma das formas nas quais a sexualidade é mais efetivamente policiada: dado o constante reforço do sistema binário de gênero como uma forma de controle social, se você pisa fora do seu papel de gênero imposto, você é provável de ser estigmatizado como homossexual, e vice-versa. Em outras palavras, se você se abstém das recompensas da feminilidade – através, por exemplo, de se tornar uma encanadora, não raspar suas pernas, dizer para um homem se foder se ele está te assediando – você é provável de ser acusada de ser lésbica. (Um homem que não se conforma com as convenções da masculinidade, e é visto empurrando um carrinho de bebê, vestindo rosa, ou que não gosta de futebol, é igualmente provável de ser acusado de ser gay.) E, similarmente, se você é mesmo lésbica, você é provável de ser esperada de agir como um homem, de exibir desejo masculino – e mulheres heterossexuais são prováveis de se preocuparem se você gosta delas, e são encorajadas a evitar espaços exclusivos de mulheres no caso de que existe o risco de ser atacada (isso pode ser menos verdadeiro agora, mas sempre foi uma questão considerando-se os eventos exclusivos de mulheres quando eu primeiro me envolvi com o feminismo – ou seja, que mulheres heterossexuais pensavam que “mulheres somente” significava lésbico e que, por isso, presumiam que tais espaço/eventos seriam sexualizados.) De qualquer forma, isso é parte do que Catherine MacKinnon quis dizer quando ela disse que “o gênero é sexualizado, e a sexualidade é ‘generizada’” – em outras palavras, a diferença de poder entre homens e mulheres é erotizada, e não reconheceríamos algo como sexual se isso não fosse sobre poder. Então qualquer coisa que é percebida como sexual – tal como a identidade gay e lésbica – é lida através dessas lentes e, assim, “generizada”.

Os primeiros sexólogos tiveram papel significativo em criar e consolidar esse mito de que lésbicas eram inerentemente mulheres masculinizadas, e que homens homossexuais eram inerentemente femininos. Está também no trabalho de, por exemplo, Richard von Krafft Ebing, que você primeiro encontra a ideia de um homem nascido no interior do corpo de uma mulher e vice-versa. Apesar dos primeiros sexólogos dissiparem muitos outros mitos sobre o comportamento sexual, e contribuírem para desafiar a criminalização da homossexualidade por apresentá-la como “natural” e inata, ao assim fazer, também afirmavam a ideia de que a sexualidade era uma parte essencial da natureza humana que era também perigosa e precisava ser controlada pela intervenção médica, ou uma força positiva que precisava ser liberada das restrições repressivas da civilização. Eles frequentemente discordavam entre si, e contradiziam a si mesmos, mas coletivamente eles criaram e confirmaram o mito de que todos temos uma “identidade sexual verdadeira”, que a ciência da sexualidade pode ajudar a revelar. Alguns de seus escritos parecem agora como completo nonsense, mas é impossível subestimar a importância desses textos na literatura e na imaginação popular da época.

Só para dar-lhes um exemplo: Richard von Krafft Ebing (de cujos estudos de caso Radclyffe Hall baseou seus personagens no Well of Loneliness) argumentou que homossexuais não eram nem doentes mentalmente nem depravados moralmente – vez que eles sofreram uma inversão congênita do cérebro durante a gestação do embrião. Além disso, ele estava convencido de que você poderia encontrar evidência de masculinidade em mulheres “invertidas” (homossexuais) para confirmar a causa genética de sua condição. Havelock Ellis, que escreveu o prefácio para Well, concordou com essa posição, e continuou a argumentar que você poderia distinguir entre verdadeiras mulheres “invertidas” cuja natureza era permanente e inata, e aquelas mulheres que eram atraídas a “invertidas” porque, apesar de elas serem mais femininas, elas “não estavam bem adaptadas para a criação de filhos” e, por isso, não serviam para o sexo heterossexual procriativo. Uma visão mais clara foi articulada por Edward Carpenter, reformista socialista e filósofo utópico: Carpenter, que usou o termo Urano (dos céus) para descrever indivíduos que eram atraídos por outros do mesmo sexo, tinha uma visão mais mística e lírica do sujeito completo (ele é facilmente ridicularizado porque ele tinha uma espécie de comitiva de culto e não somente fez suas próprias sandálias como também as fez para o resto de sua comunidade, que vivia em uma comuna perto de Sheffield), mas ele é, em muitos sentidos, o mais radical de todos eles. Ele era muito mais interessado em temperamento e sensibilidade que em sinais exteriores (biológicos) de desvio das convenções da masculinidade e feminilidade, e ele também acreditava que aqueles que pertenciam ao “sexo intermediário” poderiam construir diferenças de classe e raça, e serem intérpretes entre homens e mulheres, vez que compartilhavam das características de ambos. Economistas e políticos do movimento pensaram as visões de Carpenter como um nonsense sentimental, mas ele se torna próximo de todos os sexólogos dizendo que o gênero em si é o problema, e que extremos do sistema binário de gênero são prejudiciais ao tipo de sociedade ideal que ele imagina.

Não vou desenvolver meu caminho através de todos os sexólogos do século XX – sem dúvidas que vocês estejam mais familiarizados com os experimentos de laboratório dos Masters e Johnson, e as célebres pesquisas em comportamento sexual por Alfred Kinsey e Shere Hite dos 1950s e 1980s respectivamente, que abalaram o establishment ao mostrar, dentre outras coisas, a diversidade do comportamento sexual e o predomínio do desejo homossexual entre a população heterossexual em geral nos EUA. A questão principal sobre os primeiros sexólogos, o que eles têm em comum, é que eles fizeram do sexo o sujeito do estudo científico, e muitos poucos deles olharam para o gênero per se, ou para o contexto social e significado da sexualidade.

A relação do gênero com a sexualidade mudou no final dos 60s e 1970s, em grande medida por causa da emergência do movimento de mulheres o o movimento de liberação gay. Com a ascensão do feminismo e a publicação de inúmeros textos-chave tais como Política Sexual (1970) de Kate Millet, a lesbianidade não era mais vista como uma subcategoria da homossexualidade masculina, e não somente como uma identidade sexual, mas como uma identidade política, dentro do contexto das relações de poder “generizadas” – em outras palavras, foi possível poder ver ser uma lésbica como ser uma mulher, desafiar a heterossexualidade como uma instituição, e desafiar o poder no interior de relações pessoais. Eu penso que sou extraordinariamente sortuda por ter encontrado o feminismo no final dos 1970s (quando eu estava em meus iniciais 20s) – vez que eu seria, do contrário, completamente persuadida de que eu era uma “inversão” ou, deus me livre, uma Urano, ou o quer que seja, se eu tivesse nascido numa época anterior. O movimento de mulheres do final dos 60s e 70s ofereceram a várias mulheres uma oportunidade sem precedente para fazer sentido de suas experiências como mulheres, teorizar sobre, e fazer algo sobre.

Nós frequentemente esquecemos que pensadores no interior do movimento de liberação gay na atualidade tinham muito em comum com o feminismo: desconstruir a masculinidade, questionar a família nuclear, desafiar a misoginia e buscar uma sexualidade da igualdade. Apesar de que feministas continuaram a trabalhar muito em parceria com homens gays, contra uma opressão comum – a heterossexualidade institucionalizada – nós também vimos que nosso foco na construção social da sexualidade estava em desacordo com a visão predominante no movimento gay de que a sexualidade era inata. Por exemplo, no final dos 1980s, durante a campanha contra o artigo 28 do projeto de lei do governo local (que proibiu autoridades locais de “promover” a homossexualidade e “simulou”, isto é, famílias de mesmo sexo, nas escolas), o principal argumento dentro do movimento gay era de que você não poderia fazer alguém gay, que gays somente representavam 10% da população, que você nascia gay e, por isso, não representava nenhuma ameaça ao establishment. E, é claro, como feministas, estávamos argumentando o oposto, de que você poderia de fato mudar sua sexualidade, e que certamente buscávamos ser uma ameaça ao establishment. A epidemia da AIDS politizou grandes números de homens gays ao redor da sexualidade, defendendo a liberdade sexual individual contra as políticas repressivas da extrema direita mas, ao recorrer novamente ao apelo pela tolerância do mundo heterossexual, e um pedido pela inclusão no privilégio heterossexual (uniões civis, etc.) – que foram estrategicamente bem-sucedidos em obter tais objetivos precisamente porque não eram vistos como ameaçando o establishmente liberal – é possível que esse movimento tenha pavimentado o caminho para uma política que não somente questionava o comportamento heterossexual, mas buscava criar um espaço para essas vítimas do gênero que se encontravam fora do sistema binário de gênero e fora de uma concepção binária paralela da sexualidade. Você pode muito bem dizer que o feminismo parecia oferecer tal política e tal espaço, então é importante olhar, portanto, para as diferenças entre o feminismo e a política queer.

O que o feminismo radical tem em comum com a política queer é:

– Uma compreensão de que o gênero e a sexualidade são socialmente construídos.

– Um reconhecimento de que os papéis de gênero binários são opressivos.

– Uma compreensão de que os papéis de gênero são produzidos através da performance, e confirmados pela sua constante re-atuação.

– Um comprometimento em desafiar as suposições e práticas heteronormativas.

As diferenças entre o feminismo radical e a política queer são:

– O feminismo radical é uma análise materialista que argumenta que o gênero não é produzido meramente através do discurso e performance, mas é um sistema no interior do qual um gênero (masculino) tem poder econômico e político, e o outro (feminino) não tem – e o grupo dominante tem um investimento em manter isto dessa forma.

– O feminismo radical envolve uma compreensão de que você não pode produzir (ou questionar) o sistema de gênero através do discurso ou da performance individual – ao adotar certas roupas, linguagem, ou mesmo desafiando seu corpo anatômico. Fora de certos contextos limitados, a cultura dominante ainda vai interpretar esses gestos de acordo com os códigos sociais dominantes, e tentar te categorizar como homem ou mulher. (Em outras palavras, no metrô, no supermercado, no trabalho, esses gestos individuais ou afirmações performativas serão ininteligíveis, e bastante ineficazes como um desafio ao sistema de gênero.)

– Judith Butler argumenta que o feminismo, ao afirmar que mulheres são um grupo com características e interesses comuns, tem reforçado a visão binário do gênero, no qual os gêneros masculino e feminino são construídos em corpo masculinos e femininos. Feministas de fato argumentam que mulheres tem um interesse político comum (em vez de exibirem características comuns), e que mulheres sofrem de uma opressão comum (na qual experienciam de diferentes formas de acordo com outras formas de relações de poder, incluindo raça e classe), e que os corpos de mulheres são o local para muito dessa opressão, mas isso não é argumentar que a categoria mulher é uma categoria indiferenciada. É somente argumentar que tão logo mulheres são oprimidas como mulheres, existe a necessidade de uma identidade política comum, de forma a se organizarem efetivamente para resistir a essa opressão.

– O feminismo radical é comprometido em mudar o sistema de gênero, em desafiar a opressão em todas as suas formas. Nós, portanto, não temos nenhum investimento em sermos fora-da-lei, que vem de uma noção romantizada da opressão. Além disso, se sentir oprimido não é o mesmo que ser oprimido. De forma a celebrar sua identidade como um fora-da-lei, você deve ter um investimento no sistema que faz com que você seja um fora-da-lei. O queer me parece abranger as mais extremas vítimas do sistema de gênero, e criar um guarda-chuva que cobre aqueles que são relutantes foras-da-lei sociais (usualmente dos grupos mais pobres e privados de direitos da sociedade, com nenhum amortecedor contra o preconceito social – ou seja, aqueles que são foras-da-lei sem escolha) e aqueles para o qual brincar de ser um fora-da-lei é um jogo de privilégio intelectual ao invés de realidade duramente vivida.

– O queer é, por sua própria definição, tudo o que está em desacordo com o normal, o legítimo, o dominante. O queer, então, demarca “não uma positividade, mas um posicionado vis-à-vis ao normativo”. Segue-se a isso que a política queer não tem objetivos políticos particulares, à parte de desafiar os discursos normativos dominantes e, se eles mudam, a política queer deve então ter que mudar sua posição em oposição ao que quer que seja atualmente normativo. Não está claro para mim, então, quais são seus objetivos políticos específicos.

– O queer abrange uma ampla matriz de identidade e práticas sexuais não-normativas, incluindo algumas que são heterossexuais: “Sadismo e masoquismo, prostituição, inversão sexual, transgeneridade, bissexualidade, assexualidade, intersexualidade são vistos pelos teóricos queer como oportunidades de investigação entre as diferenças de classe, raça e etnicidade, e como oportuniddes de reconfigurar compreensões do prazer e desejo.” Por exemplo, Pat Califia, em Feminism and Sadomasochism, escreve sobre como o sadomasoquismo encoraja à fluidez, e questiona a naturalidade das dicotomias binárias da sociedade:

A dinâmica entre o superior e o inferior é bastante diferente da dinâmica entre homens e mulheres, negros e brancos ou pessoas da classe alta e trabalhadora. Este sistema é injusto porque ele designa privilégio baseado em raça, gênero e classe social. Durante um encontro sadomasoquista, papéis são adquiridos e usados de formas muito diferentes. Se você não gosta de ser um superior ou um inferior, você muda. Tente fazer isto com seu sexo biológico ou raça ou seu status socioeconômico.

– Esse ponto de vista posiciona esses estudiosos da teoria queer em conflito com a visão feminista radical de que sadomasoquismo, prostituição e pornografia são todas práticas opressivas.

– O feminismo radical argumenta que todas as diferenças de poder são sexualizadas, incluindo aquelas construídas através de raça e etnicidade, classe e incapacidade, e que a pornografia e a indústria do sexo como um todo é uma das manifestações mais claras e mais perniciosas disso – diferença de poder erotizado é o negócio da pornografia, e isso é feito em corpos reais, não na imaginação do consumidor. Além disso, devemos ser claros sobre o prazer e desejo de quem estamos falando – em uma indústria baseada na exploração sexual e abuso. O sadomasoquismo foi sujeito de muitos debates acalourados no interior do feminismo nos 1980s e, aqui, novamente, o feminismo radical não viu nada de novo ou radical sobre recriar a dinâmica de dominação e subordinação – já prevalecente dentro da heterossexualidade – no interior de relações não-heteronormativas. Todo esse fenômeno, adotado como anti-heteronormativo (pela política queer), já está incluído pelo patriarcado, então não existe grande revolução aqui. Feministas radicais buscam não meramente desafiar, mas desmantelar as estruturas do patriarcado; o desafio que o queer oferece à cultura normativa é uma provocação sem nenhum objetivo político em desmantelar o normativo, do qual, por sua própria definição, dele depende para sua existência como uma posição oposta. Parece que o queer não está, assim, tentando buscar a libertação do sistema de diferença de gênero, mas simplesmente buscando tomar liberdades com ele.

– De forma a mudar o sistema social que cria a diferença de gênero como nós conhecemos, você deve consignar as estruturas subjacentes que produzem e sustentam a diferença de gênero – e você deve buscar erradicar o próprio gênero.

– Sem o gênero, sem a diferença de poder, a sexualidade pode ser simplesmente a expressão de desejo entre sujeitos iguais. (Veja a citação de Sue no folheto.)

– No início desta conversa, Debbie citou Shulamith Firestone e, por isso, parece totalmente apropriado para mim concluir retornando ao argumento central do “The Dialectic of Sex”, um que encapsula a abordagem feminista radical do gênero: “A tarefa intelectual e teórica do feminismo é compreender o gênero como um sistema de cria e mantém a desigualdade. A tarefa política do feminismo é erradicar o gênero.”