Ato de Sororidade a Yakiri em São Paulo, presa por se defender de agressor sexual

Segunda, 24 de março às 11:00
Rua Holanda, 274. Jardim Europa – CEP 01446-030 – São Paulo/SP

mexico(3)No dia 9 de dezembro de 2013 Yakiri Rubí Rubio Aupart, uma jovem lésbica de 20 anos e de origem indígena da Cidade do México, DF, reagiu a uma brutal violência: sequestro seguido de estupro e tentativa de assassinato, perpetrada pelos agressores Luis Omar y Miguel Ángel Ramírez Anaya. Yakiri conseguiu desarmar um dos agressores que empunhava a faca que era utilizada para ameaçá-la, subjulgá-la e torturá-la e com a mesma arma conseguiu desferir um golpe em um deles, que, em consequência, acabou morrendo.

Yakiri conseguiu fugir e procurou a delegacia de polícia. Quando chegou lá foi surpreendida com a presença de um dos estupradores que lhe acusava de matar seu comparsa. E qual foi a reação da polícia? Proceder a exames de corpo de delito para tentar iniciar um processo que pudesse levar a Yakiri uma sensação de justiça? Não. A polícia, um dos braços repressivos mais eficazes em incutir nos nossos corpos de mulheres, lésbicas e pessoas trans as normas do heteropatriarcado, achou por bem indiciar a Yakiri por homicídio qualificado.

Deu-se início a toda uma série de trâmites dos sistemas de burocracia jurídica misóginos e lesbófobicos que só fizeram repetir uma e outra vez a violência da qual Yakiri logrou sobreviver. No final, Yaki foi enviada à prisão por “uso excessivo de autodefesa” e de onde só saiu depois de 86 dias e sob uma fiança exorbitante de 430 mil pesos mexicanos (o equivalente a 5 mil salários mínimos), preço que lhe obrigaram a pagar para aguardar o julgamento em “liberdade”.

O sistema jurídico e repressivo nesse caso mais uma vez atuou como parte de uma grande engrenagem de castigo que se debruçou sobre Yakiri assim como se debruça sobre cada uma de nós que ousa sair do espaço de submissão a nós reservado. Yakiri se defendeu, conseguiu não ser morta e lutou contra o destino que lhe traçaram: do estupro como castigo por sapatão e insubmissa e do feminicídio como assassinato político. Para essa gigantesca forma de opressão e repressão nos defender do abuso, da invasão dos nossos corpos e da aniquilação política é abusivo. É abuso de legitima defesa. E nesse sentido perguntamos: pode a autodefesa ser abusiva?

Yakiri foi sequestrada e violada por agressores machistas. Depois foi sequestrada e violada pelo estado porque as prisões não são nada mais do que a institucionalização do sequestro e da violação, a materialização brutal de violências heteropatriarcais, racistas e classistas. Por isso dizemos que esse sistema de justiça não é o nosso. Nunca poderemos obter justiça de instituições cujo objetivo é nos manter dóceis e sob controle para que privilégios heteropatriarcais possam seguir existindo. Contra a agressão machista, autodefesa feminista!
Por todas as mulheres, lésbicas e pessoas trans que sucumbiram nas ensanguentadas mãos do heteropatriarcado e que pagaram com suas vidas, com seus sonhos, ou que foram encerradas detrás das grades das prisões. Por todas as que resistiram e por todas as que resistimos.

Dizemos mais uma vez:
Nenhuma agressão sem resposta!
Nem uma morta a mais!
Abaixo os muros de todas as prisões, tanto as físicas e como as simbólicas!

#YakiLibre
#YakiriLibre

Coletiva amazonas em fúria

Mais info:
http://yakilivre.noblogs.org/post/2014/03/19/yakiri-livre/

https://rizoma.milharal.org/2014/02/10/eu-teria-feito-o-mesmo-campanha-pede-libertacao-de-mexicana-presa-por-matar-seu-estuprador/

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feministas autonomas mexicanas se manifestam nas ruas pela liberdade de yakiri. Fonte http://lahoguera.confabulando.org

Como a polícia reforça a cultura de estupro

por stavvers

texto que fala papel que a polícia joga na legitimação da cultura de estupro

+Aviso de acionadores: esta postagem discute estupro, cultura de estupro e abuso de poder.+
A polícia, como sabemos, tem uma terrível e larga história com relação ao estupro. Alegações são muitas vezes não tomadas a sério e, em algumas situações, a polícia ativamente fabrica papéis para fazer os casos sumirem. É dificilmente uma surpresa o fato de que a vasta maioria dos casos de estupro não sejam reportados.

A mulher que foi desapontada pela polícia depois de ter encontrado a coragem para reportar seu estupro sabe isso muito bem, e três delas estão processando o funcionário pelo tratamento que receberam. Duas requerentes foram atacadas pelo estuprador serial John Worboys que poderia ter sido capturado anteriormente se a polícia tivesse escutado às mulheres.

A polícia não escuta. Porém, o oposto também é verdade

“Isso soa nos meus ouvidos ainda, o oficial dizendo ‘um taxista não poderia fazer isso'” ela (uma sobrevivente) diz.

“Isso parecia como se eles não quisessem saber. Em meus sonhos, eu gritava ‘por que você não acredita em mim?'”.
Meu coração dói por essa mulher. A esmagadora descrença em seu relato, depois de que uma violação horrificante ocorreu.

O comportamento do policial aqui é uma das manifestações mais declaradas da cultura de estupro: não acreditar na sobrevivente. Talvez o oficial tenha atuado de boa fé, não querendo maliciosamente jogar fora um caso de estupro (como muitos tiveram). Talvez o oficial apenas absorveu algumas frases de estoque e atitudes da cultura de estupro.

Isso não faz diferença. O policial possui uma posição única de poder: de última, eles decidem se eles vão se incomodar em ajudar uma sobrevivente. Cada momento da lógica da cultura de estupro está fracassando para a sobrevivente que pediu socorro. Cada investigação capenga e mal feita está falhando com a sobrevivente. Cada documento fraudulento jogado no caso está falhando com a sobrevivente. Estas sobreviventes escolheram perseguir um certo curso de ação, ativamente engajando-se com o estado para pedir o auxílio deste.

E eles estão falhando com esta.
Quem se beneficia destes arranjamentos? Estupradores. Cada vez que isso ocorre, as coisas se tornam um pouco mais fáceis pros estupradores. Elessabem que podem se sair bem dessa. Eles sabem que as chances estão a seu favor porque o estado os vai ajudar nessa.

A cultura de estupro apenas sempre beneficia estupradores, e a polícia está usando seu poder para reforçar isso.

Entre 2008 e 2012, houveram 56 casos documentados de estupro, agressão sexual e assédio. Em muitos destes casos, as reclamações foram encobertas e a sobrevivente desacreditada. Em um número assustadoramente largo dos casos, nenhuma acusação criminal foi sequer trazida. É duramente surpreendente, então, que a polícia possua um interesse implícito em manter a cultura de estupro em uma gritante boa saúde: eles estão se beneficiando disso.
Eu sou totalmente crítica da noção de que o poder que a polícia possui possa ser usado para o bem, para ajudar a superar a cultura de estupro desde cima. No melhor dos casos, a polícia pode apenas ser tão progressista quanto a sociedade que a gerou, então eles estarão ainda pisando na cultura de estupro. Isso sem calcular os efeitos psicológicos que tornam todos policiais em bastardos.

Há um vasto caminho para a melhora depois da revolução, no entanto. Eles podem, muito facilmente, parar de tão ativamente reforçar a cultura de estupro começando por uma posição de sempre acreditar na sobrevivente, mesmo que seja seu parceiro o acusado. Eles podem, muito facilmente, na verdade se importar em investigar os casos de estupro apropriadamente, respeitando a coragem da sobrevivente de ter seguido adiante com a denúncia. Melhoras são possíveis. Eu desejaria ser menos pessimista sobre o desejo das forças policiais em tentá-lo.

https://stavvers.wordpress.com/2012/07/21/how-the-police-enforce-rape-culture/

“Documento de Trabalho de Responsabilidade Comunitária (Princípios, Preocupações, Estratégias, Modelos)” INCITE! Women of Color Against Violence

NOTA: Essas ideias têm sido geradas de várias comunidades envolvidas com os Institutos Ativistas da Incite! e workshops. A Incite! não endossa estratégias particulares. Reconhecemos que o que funciona em uma comunidade pode não funcionar em outra comunidade, e de que algumas dessas estratégias podem não funcionar em qualquer comunidade. O propósito desse documento é fornecer ideias e descarregar o desenvolvimento de estratégias adicionais que possam auxiliar na promoção de responsabilidade comunitária na questão da violência contra mulheres de cor. Se você possui ideias adicionais, princípios, preocupações e/ou estratégias que gostaria de adicionar a esse documento de trabalho, por favor contate-nos em incite_national@yahoo.com ou 484-932-3166. Continuaremos a atualizar esse documento assim que obtermos pareceres.

Princípios

1) Princípio de Ação Coletiva: a confiança no sistema de justiça criminal tomou poder à distância da habilidade das mulheres de se organizarem coletivamente para parar a violência e tem investido esse poder no interior do Estado. O resultado é o de que as mulheres que buscam reparação no sistema de justiça criminal de sentem desempoderadas e alienadas. Isso também tem promovido uma abordagem individualista para parar a violência, tanto que a única maneira pela qual as pessoas pensam que podem intervir para fazer parar a violência é chamar a polícia. Essa confiança tem deslocado nosso foco em desenvolver maneiras pelas quais as comunidades podem coletivamente responder à violência. Assim, as estratégias da responsabilidade da comunidade requerem ação coletiva. Se fizermos a pergunta “O que posso fazer?”, então a única resposta será chamar a polícia. Se fizermos a pergunta “O que podemos fazer?”, então poderemos nos surpreender sobre o número de estratégias que podemos imaginar.

2) Princípio de Priorizar a Segurança de Sobreviventes: muitas estratégias de responsabilidade comunitária têm sido desenvolvidas sob o modelo da “justiça reparadora”. No entanto, estamos a entender que tais modelos muitas vezes não priorizam a segurança de sobreviventes. São constantemente coagidos a ir em frente com estratégias de mediação de forma a “manter a paz”. Além disso, a Aboriginal Women’s Action Network reporta que, no Canadá, os modelos de “justiça reparadora” têm sido usados por perpretadores brancos para escapar de responsabilidade pela violência cometida contra as mulheres nativas. Elas reportam que um homem, o bispo Hubert O’Conner, foi sentenciado com múltiplas instâncias de assédio sexual de meninas e meninos aborígenes. Quando visto como culpado, sua punição foi participar de um círculo de cura com suas vítimas. Elas também se queixam de que muitos desses modelos são denominados “indígenas” e, por isso, populações nativas devem usá-los, mesmo que não carreguem qualquer similaridade com as formas de justiça que nações indígenas particulares utilizam. Qualquer estratégia de responsabilidade comunitária será ineficaz se contar com uma noção romantizada da “comunidade” que não consigna a realidade do sexismo e homofobia no interior de nossas comunidades. Além disso, é importante enquadrar as estratégias de responsabilidade comunitária como uma questão de se ou não uma sobrevivente deve chamar a polícia se ela está sob ataque. A questão não é “ela deve chamar a polícia”. As questões são “por que essa é a única opção dela?” e “podemos fornecer outras opções de a deixarão verdadeiramente segura?”.

3) Princípio de Auto-determinação: estratégias de responsabilidade comunitária não funcionarão em todas as comunidades a todo tempo. Cada estratégia deve ser avaliada no interior do contexto da comunidade e ser constantemente reavaliada para sua eficácia e justiça.

4) Princípio de Repensar e Construir a Comunidade: o termo “comunidade” é geralmente pensado em termos de geografia. Dada a mobilidade das pessoas, particularmente em extensas áreas urbanas, não é claro como podem ser essas estratégias sob esses contextos. No entanto, podemos expandir nossa noção de comunidade para incluir comunidades baseadas em afiliações religiosas, de emprego, de hobbies, atléticas, etc., e nos esforçar para desenvolver estratégias baseadas naquelas comunidades. Por exemplo, um homem foi banido de uma comunidade por ter cometido incesto. No entanto, ele simplesmente se mudou daquela área. Mas porque ele era um acadêmico muito conhecido, a família o manteve responsabilizado na comunidade acadêmica para seguí-lo quando ele dava palestras acadêmicas, expondo sua história.
Além disso, a fim de ter responsabilidade comunitária, nosso trabalho pode também incluir construir comunidades onde foram fraturadas, para que estejam numa posição de manter seus membros responsabilizados.

5) Princípio de Expor a Ineficácia do Sistema de Justiça Criminal Para Consignar a Violência de Gênero: por causa das dificuldades em desenvolver estratégias de responsabilidade comunitária, muitos defensores da anti-violência argumentam que depender do sistema de justiça criminal é nossa única “alternativa”. Deve ser reconhecido, no entanto, que o sistema de justiça criminal não é em si mesmo uma alternativa. Ele não somente não promove segurança para mulheres como uma estratégia global (no entanto pode assim ser em casos individuais) como, na realidade, coloca as mulheres em grande perigo de violência, particularmente a violência do Estado (essas questões são discutidas no Incite – Critical Resistance Statement on Gender Violence and the Prison Industrial Complex). No final, a única coisa que irá parar a violência contra as mulheres de cor é quando nossas comunidades não mais tolerarem isso. Desenvolver essas estratégias é difícil porque elas implicam em consignar as causas de raiz da opressão – racismo, sexismo, homofobia e exploração econômica – mas, ao final, é somente através da construção de comunidades de resistência e responsabilidade que podemos esperar parar com a violência contra mulheres de cor.

Preocupações/Perguntas a Ponderar/Questões

1) Como nós incorporamos a justiça nas nossas estratégias de responsabilidade comunitária? Se não contarmos com o Estado para julgar casos de violência de gênero, então como nós garantimos justiça e equidade antes de manter responsáveis os perpretadores? Como garantimos que não nos tornemos em grupos vigilantes? Se desenvolvermos processos para julgar casos no interior do contexto da comunidade, estaremos simplesmente a replicar uma mini-versão do aparato opressivo do Estado nas nossas comunidades?
Alguns modelos desenvolvidos a partir de consignar a violência em comunidades LGBTI podem ser úteis uma vez que reportam que eles não podem admitir que quando alguém liga dizendo que sofreu abuso é porque isso necessariamente é verdadeiro porque eles relatam que agressores também sempre ligam dizendo que foram abusados. Portanto, eles desenvolveram ferramentas para aferir o que realmente está se passando na situação. Tal modelo tem sido desenvolvido pela Northwest Network em Seattle. Eles possuem toda uma lista de perguntas para determinar o que está se passando na situação. É importante que exista um processo, assim os agressores não conseguem manipular o processo da responsabilidade comunitária contra o sobrevivente.

2) Quais são os limites das formas aceitáveis de responsabilidade comunitária? Por exemplo, tudo bem responder a perpretadores com violência física? Sequer consideraríamos tais atos violentos? Como determinamos quais estratégias são aceitáveis ou não?

3) Algumas estratégias dependem de banir da comunidade ou condenar ao ostracismo o perpetrador. Por um lado, pode ajudar a pessoa que foi vitimizada a não ver mais aquela pessoa. De outro lado, essa estratégia é simplesmente a mesma da abordagem do sistema prisional que também bane as pessoas da comunidade. Além disso, se a pessoa deixa a comunidade, ela vai simplesmente abusar de pessoas em outra comunidade, e se perderá sua capacidade de manter ele/ela responsabilizado? Devem haver maneiras de manter a pessoa na comunidade, sem a pessoa diretamente afetado por ele/ela ter que ver essa pessoa. O que presumimos que não há nenhum “fora” de nossa comunidade? Outra abordagem que tem sido usada para manter a pessoa lá, mas para sancionar ele/ela, é tal como todos os membros se recusando a mostrar afeto a ele/ela. É também importante que uma comunidade de responsabilidade não se torne uma comunidade que simplesmente permite o abuso. Tal que às vezes os perpetradores regularmente “confessam” seus pecados à comunidade, mas então continuam fazendo a mesma coisa. Outra questão relacionada é ter certeza de que a pessoa é tirada de sua posição naquela comunidade. Deve também ser entendido que qualquer estratégia de responsabilização para fazer alguém mudar seu comportamento é provável de levar anos para que realmente mude a pessoa.

4) Algumas preocupações tem sido levantadas sobre a humilhação pública e a saída. Para alguns grupos, tem sido eficaz. Tem sido relatado que usar essa abordagem em comunidades gays (e isso pode ser verdadeiro em outras comunidades também) na verdade intensifica a violência.

5) Que linguagem devemos usar para descrever aqueles que utilizam violência e aqueles que sofrem dela? A maioria da nossa linguagem é derivada do quadro da justiça criminal – vítima/perpetrador. Existe outra linguagem que seria mais apropriada?

texto não completo, ainda virá versão integral

tradução anonima

Cárceres e Mulheres: Carta de Olga Ikonomidou

Cárceres e mulheres: Carta de Olga Ikonomidou, Membra da O.R. C.C.F.

*A seguinte carta foi a contribuição de Olga Ikonomidou às jornadas “Mulheres frente ao encerro” realizadas de 10 a 11 de junho na casa ocupada Patisson 61&Skaramaga em Atenas.

Recordamos que a companheira Olga foi detida no 14 de março de 2011 em Volos junto a outros 4 companheir*s e logo assumiu o pertencimento à Conspiração das Células de Fogo.

Carta de Olga Ikonomidou

Em 19 de março em um jeep de EKAM (Unidade Especial Repressiva Antiterrorista) acopmpanhado por três carros patrulhas se para frente a uma enorme porta giratória de ferro. Um guarda pede os papéis. Tudo em ordem e… a porta está se abrindo. Enquanto que se vai fechando por trás de nós, um outro, cercado mundo aparece ante meus olhos. É a cárcere Eleonas de Thiva.

Saio de jipe acompanhada por duas mulheres da Seção Anti-terrorista que durante os quatro últimos dias cumpriam, com grande mérito, papel de minhas governantas. Precisaram de um par de minutos de espera para entregar-me aos novos tutores de minha vida. Durante esses poucos minutos escutei delas comentários no estilo “Que lindo está por aqui… bem mantido o edifício”. Pensei em me despedir-me delas dizendo “Se você gosta tanto, venha ficar aqui…”. Naturalmente, para um visitante, somente a idéia de que se pudesse ficar em qualquer cárcere o assusta, somente tal idéia faz às pessoas, e até aos infra-humanos, calarem a sua boca e simplesmente irem-se. A cárcere de mulheres de Thiva é uma recém construída monstruosidade progressista com retangulares e bifurcados corredores, câmeras de vigilância que cobrem a cada esquina e não deixam nenhum lugar “cego”, carcereiros mulheres e homens, portas automáticas com grades a cada 10 metros, pátios de cimento vazios e mais pequenos que o rancho de basquete, rodeados por muros que terminam com arame farpado. Atrás destes muros há um espaço de segurança que chega até o exterior e te separa da liberdade. Desde umas casinhas elevadas por cima dos guardas estão vigilando quase 24 horas ao dia para se talvez alguma encontre um buraco por onde escapar.

Um jardim zoológico pequeno e cercado se encontra entre a porta exterior a entrada principal da prisão. Não há acesso nem tampouco contato visual com esse jardim para as presas. Somente os vêem os visitantes, as presas que trabalham na limpeza e quando te levam ao despacho dos oficiais de guarda. Imaginavam que a paosagem parecesse mais natural se os animais encarcerados estivessem justo ao lado das pessoas encarceradas. A democracia além disso cuida em ‘adornar’ a seus monstrinhos.

Depois de passar 3 semanas na chamada ala de adaptação estou já de maneira fixa na ala 3, em uma célula em que cabem 14 pessoas. Não diria que a convivência forçosa com 12 mulheres é a coisa mais simples. Tendo zero de espaço pessoal e cada uma com um antojo ou rareza diferente, qualquer pessoa facilmente pode sobre-passar seus limites. A parte das 2 horas e meia por dia na qual eu posso sair ao pátio, as demais se limitam a uma sala 20 por 30 metros. Se trata do espaço permitido para mover-se. Nesta sala estou tomando o café, comendo, lendo, escrevendo, escutando música, pensando. Neste espaço estou passando minha vida os últimos dois meses e meio, e por um tempo ainda indefinido. As paredes estão pintadas até o teto com imagens de campinas, árvores, mares e peixes. Assim tentaram dar à carcere um aspecto mais humano. Fazer as presas acreditarem que a privação de uma paisagem natural se pode substituir com pinturas. Durante os primeiros dias me parecia uma piada de mal gosto, agora somente terminou sendo algo irritante.

O pessoal se move de uma maneira semelhantemente contraditória. Típicas carcereiras que tentam fingir que o trabalho que fazem pode ser livrado de culpa por sua natureza. Acreditam que até a cortesia é capaz de compensar à recontagem de manhã e de tarde, a insensibilidade e a indiferença que mostram quando as presas têm suas crises e com muita frequência raspam as mãos, em uns acessos próprios de toxicómanas. São as mesmas que generosamente repartem os medicamentos para assim evitar alvoroços, enquanto que ao mesmo tempo quando se trata de qualquer outra doença “a privada cura tudo”. Elas são as mesmas que, dependentes das ordems que recebem, não duvidarão em te levar para a célula de isolamento, te desnudar para o chequeio porque sim, elas são as mesmas que durante seu ‘tempo livre’ se assomarão descaradamente em cima das minhas cartas. São elas que, quando chega as 9 da tarde fecharão as portas atrás delas e com a mesma comodidade te dirão: ‘Boas noites’. A hipocrisia em toda sua grandeza. Aqui as bençãos não cabem. Nenhuma boa noite nem um bom dia existe na cárcel. Apenas há dias e noites.

A lógica de dominação está promulgando a divisão das pessoas segundo umas características aparentemente fragmentárias. Deste modo se criam umas aparentes comunidades com o resultado sendo o fortalecimento da desigualdade e do antagonismo. A ética da sociedade responde a esta chamada, não somente reproduzindo essa lógica, mas na maioria dos casos convertindo-se em su maior defensora. A classe social, a nacionalidade, o gênero são alguns dos exemplos que diariamente moldam as percepções e condutas. A cárcere é uma parte fundamental do sistema e a comunidade de pres@s constitui microcosmos de uma sociedade comprimida. Por conseguinte, os sintomas do mundo enfermo em que vivemos chegam também para dentro dos muros. A cárcere por um lado, de certa maneira, coletiviza aos presos obrigando-os a reconhecerem-se em uma identidade coletiva marcada pela condenação. Ao mesmo tempo, a divisão aparece em toda sua grandeza repartindo a homens e mulheres em diferentes penais. Uma vez mas repartirão também, tanto a mulheres como a homens, em alas de proteção, alas de toxicóman@s, de cigan@s, de menores, de mães com crianças, de indisciplinad@s, de células brancas. Cada categoria necessita ser gestionada e afrontada de modo diferente, correspondendo ao interesse que tenha o sistema. Os vermes submissos (dedo-duros) e os ex-servos do sistema (policiais corruptos queimados pelo sistema mesmo) serão protegidos, as mães com filh@s se convertirão em ferramenta para um aparente humanismo, os toxicómanos receberão o desprezo e a indiferença. Dignas mulheres presas que vivem baixo alguma de essas condições, como as das toxicómanas, seguramente poderão explicá-lo de maneira mais detalhada e descritiva às suas experiências.

Como anarquista revolucionária considero que a separação com base no gênero social é uma questão que tem suas extensões sociais tanto dentro como fora dos muros. É uma questão que na maioria das vezes fica subestimada, e em algumas outras vezes fica sobre-estimada de uma maneira distorcida. Considero que existe uma percepção muito enraizada durante os séculos entre as pessoas sobre quais características e comportamentos correspondem (e são apropriadas) somente para as mulheres e quais são apenas para os homens. Com base no gênero se haviam criado papéis e identidades sociais que cada um e uma adquire desde o momento em que nasce e então terão que carregá-las durante toda sua vida. Se trata de uma separação mais profunda que a sociedade havia aceitado.

A realidade social define a mulher como gênero débil e os reflexos disso na prática são de fato infinitos e ocorrem a cada dia. A reprodução de uma tal condição automaticamente define um sujeito como inferior, a apresenta como vítima e a afrontando como uma espécie protegida. No entanto, em cada relação há quem produz/emite algo e há quem o aceita/admite. O gênero feminino em sua maioria aceita sua identidade social e assim é levado à lógica de vitimização, seja para recusar às responsabilidades ou seja para sossegar-se justificando a sua própria inércia posto que assim as “exigências” se minimizam de maneira automática. O ponto de vista vitimizado de qualquer questão conduz ao derrotismo e à incapacidade de valorar as capacidades e habilidades d@ indivídu@. A força da individualidade própria e suas responsabilidades tanto ao nível pessoal como coletivo é o que promulga aos momentos, condições e ações libertadoras.

Falando de mim, nunca havia considerado que pertenço ao “gênero débil” e nunca quis ser um ser passivo. Me libertei das síndromes de culpa com os quais a sociedade nos carga e tracei meu caminho de acordo com meus próprios valores de “eu quero”. Em meu caminho muitas vezes havia encontrado os olhares que foram ainda enjauladas dentro dos estereótipos do gênero social. Segundo minha opinião, até no seio do âmbito anti-autoritário frequentemente as emboscadas do preconceito são montadas por parte de homens e da conformidade, que chega até o ponto de aproveitar-se deste, com seu papel por parte das mulheres. A meus próprios olhos não se pode chamar de pessoa rebelde alguém que não luta por abolir aos papéis sociais. Em primeiro lugar para si mesmo, ao nível interior, e logo em sua relação com os outros, no nível exterior. É um processo de busca interior, mas também de rechaço fundamental à este mundo.

Porque nesta vida nada que vale a pena mencionar fica dado gratuitamente, você mesma tem que reivindicá-lo. A essência está para mim em como finalmente a mulher mesma supere aos resíduos com os quais foi cargada pela sociedade e como se comportará libertada destes. Só então os papéis se rompem, desaparecem, dando lugar a uma postura ativa. Eu havia escolhido a postura ativa em um mundo de passividade. Havia escolhido de ativamente tomar parte em uma organização revolucionária. Não segui a ninguém, nem fui levada por algo. Decidi. Fui presentemente nos debates, quando se ia tomando decisões, durante as ações e agora, na hora de pagar por. Assumi a resonsabilidade de meus atos apesar de que pudesse me aproveitar de minha identidade como mulher e assim receber um trato mais favorável. Mas, como isso poderia ser digno? Na história, a mulher que está se implicando em projetos revolucionários na verdade logra romper dois papéis de uma só vez. Por um lado, de maneira consciente derroga a sua identidade de pessoa legal, questionando às leis e a ordem e então, em segundo lugar, derroga a sua identidade como mulher, superando ao conceito dos papéis de gênero social (mãe, esposa, companheira), os quais a sociedade mesma prestou a ela.

As autoridades alemãs na década dos 70, quando a organização revolucionária RAF era ativa e contava com bastante mulheres, havia emitido a ordem: “primeiro disparem as mulheres”. O fato de superar essencialmente a estes papéis fez às mulheres mais decididas, mais conscientes, mas também mais perigosas em comparação com os homens que, devido ao seu gênero, se supõe que são um elemento compatível com a delinquência (isso segundo a aproximação científica do Estado), seguiram um caminho mais natural.

No entanto, cada época tem suas próprias características e suas próprias condições.

O âmbito anti-autoritário frequentemente está buscando um sujeito revolucionário no seio dos ilegais, estimando que o fato de questionar as leis logo de cometer um ou mais atos ilegais supôe também questionar ao existente. De forma correspondente seria que a mulher que está questionando às leis, portanto questiona também, ainda que seja de maneira inconsciente, seu papel social.

Contudo, ao viver a realidade da cárcere de muheres, e a cárcere Eleonas de Thiva de maneira concreta, se pode comprovar que o comportamento moderno e pequeno burguês de acordo com papéis sociais assumidos havía também transladado para dentro dos muros. O ato ilegal que foi cometido não era nada mais que um momento. É característico que a maioria das mulheres não fale sobre o ‘crime’ que haviam cometido, senão que dizem que um homem a empurrou a fazê-lo. Ou seja, a este ato ilegal pelo qual está na cárcere não o sente sequer como parte dela mesma, e por isso reproduz a lógica vitimista. O papel de mãe foi deixado de lado para delinqüir, mas, ao viver a condição de encerro, rapidamente é recuperada a identidade de mãe-protetora. Sente que talvez assim pode se salvar de sua maldição posto que ficou obrigada a viver longe de s@@s filh@s. Muitas vezes seu papel a guiará no que se refere ao trato que recebe na cárcere, se converte em seu medo e em sua permissividade. O sistema penitenciário que saca tudo à ameaças pisará sobre essa debilidade reclamando todo tipo de coisas em troca, a prioridade sendo subordinação às regras carcerárias e os informes sobre outras presas. Ao mesmo tempo vai ocupar-se de humilhá-la de muitas maneiras, obrigando-a a suportar, ademais dos chequeios corporais, também o chequeio de s@@s filh@s, muitas vezes pequenos, caso queira vê-los na sala de visitas aberta. Diante desta condição tão ofensiva, ela mesma e sua incapacidade de superar às identidades sociais canalizam sua energia em tratar de sobreviver na cárcere fazendo a cotidianidade dentro dela parecida à que tinha fora. Freqüentes visitas ao cabeleireiro, intercâmbio ou venda de roupa, maquiagem.

Um tempo atrás a comunidade carcerária era constituída pelos fora-da-lei desesperados. Desde as pessoas a quem já não lhes restava nenhuma esperança de ver mudar a realidade na qual viviam, excluídas do consumo, marginalizadas pela sociedade. A designação forçosa, sem saída nenhuma, ao mais baixo escalão social, provoca raiva, que é pré-condição necessária para que nascesse qualquer tentativa de libertação. Igualmente, a raiva por si mesma não é nem política nem apolítica. Depende das maneiras em que uma quer ou pode expressá-la. Esta raiva parece que é o que falta hoje aqui dentro. Reina algo contrário, uma resignação. Enquanto que a maioria das mulheres aqui são estranjeiras e não sabem sequer sobre o que passou na rua Terceiro de Setembro nem sobre os acontecimentos que ocorreram então, está se criando um grande abismo entre uma simples sobrevivência e a sã conduta insurrecta. Desde um ponto de vista tão subjetivo como consciência sobre a situação real fora e sobre verdadeiros interesses, estas mulheres estão ainda muito confundidas. A cárcere não está composta por desesperad@s (o são somente os toxicômanos, que por um lado por sua dependência e de outro pela obstinada repressão por trás do restringido acesso aos medicamentos, têm as possibilidades limitadas). Nas cárceres de mulheres o crime econômico tanto como o tráfico de grandes quantidades de droga marcam a nossa época. Em nenhum caso já ficou alguém excluída do consumo, algo que canalize a raiva e, combinadamente com as identidades sociais, faz que as mulheres ao final sigam sendo as vítimas de suas próprias ilusões. Naturalmente, esta percepção não é universal. Há e sempre haverá aqui dentro algumas que guardam sua dignidade e cabeça erguida. Na mente das quais os “empregados”, como os querem agora que os chamem, siguem sendo carcereiros e seu uniforme esteja sempre na nossa mira. Para elas também a solidariedade com presos nunca perde seu sentido. Não no sentido de defender o papel de preso, senão sendo contra sua própria condição de encerro. A condição esta que nos priva do mais precioso bem, a liberdade física, e com a qual contudo estão conectadas penossas limitações de cada tipo. A interrupção das relações sexuais até a vexatória dependência dos mecanismos carcerários para a comunicação. Dentro deste marco há um gozo particular nestes pequenos agrados arrancados da máquina repressiva.

A solidariedade tem que ficar viva quando se trata das mobilizações de presos e intacta, objetiva e em alerta nos casos que têm haver com presos políticos. Segundo minha opinião, as concentrações solidárias não devem limitarem-se apenas a umas datas cerimoniosas como por exemplo o Fim de Ano, senão que têm que manter seus aspectos reflexivos de resposta imediata para deste modo converter-se em alavanca de pressão cada vez que os caprichos penitenciários pôem os presos à prova. A solidariedade tem que ser ferramenta que fará destacar aos casos de anarquistas aprisionados mas não enforcando-se em cada um por separado, não à base de relações pessoais, não à base de critérios como culpa ou inocência. Ademais, neste mundo ninguém é inocente, todas somos culpáveis. Umas por sermos conscientes e haver tomado ação contra o que nos oprimia e otr@s por sua tolerância com relação às instituições opressivas.

Mando minhas saudações revolucionárias a todas e todos que sob a pressão dos tempos que vivemos com insistência decidem tomar a ação.

Olga Ikonomidou,
Membra da O.R. Conspiração de Células do Fogo
Cárcere Eleonas, Thiva (Tebes)


Nota de tradução: Se refere aos seguidos pogroms fascistas (realizados com ajuda de vizinhos do bairro e polícias) contra os imigrantes, ataques que duraram várias semanas e resultaram em pelo menos um* imigrante mort* e dezenas ferid*s por facadas e golpes, ocorridos depois da morte de um* greg* mort* por imigrantes (motivo foi roubo) naquela rua do centro de Atenas em maio de 2011.