Solidariedade e Cuidado em Espaços Feministas

reflexão para termos em mente buscarmos adotar formas de apoio, confiança e conforto em espaços feministas.

 

Espaços feministas existem pela necessidade de criarmos esses espaços de luta e resistência. Espaços feministas são para nos fortalecermos, objetivando construirmos novas realidades individuais e coletivas, para nos apoiarmos e sermos solidárias umas com as outras, para identificarmos padrões que nos ajudam a perceber o inimigo, a causa, e para buscarmos soluções ou apenas resistirmos – buscas que temos por existir uma identificação: temos tratamento e oportunidades diferenciados devido ao machismo, a misoginia e as normas do patriarcado. Ainda que mulheres, lésbicas e outras identidades tenham suas especificidades e com isso opressões específicas, todas estas opressões são fruto de misoginia e crença na inferioridade de “ser mulher”, ou ainda, que mulher se deveria ser aos olhos da sociedade patriarcal.

Em espaços feministas você vai encontrar mulheres com traumas, mulheres ditas fortes e mulheres ditas fracas, mulheres em diferentes momentos de suas vidas, insubmissas, submissas ou com diferentes graus de submissão, adesão ao patriarcado ou a padrões estipulados pela sociedade, e mulheres sobreviventes.

Nós então não vamos encontrar mulheres iguais a nós, vamos lidar com diferenças, com ideias e objetivos nem sempre iguais.
É importante partindo disso, sabermos que o debate está aberto, de que temos diferenças. Ok.
Mas é interessante termos como princípios pelo menos duas coisas: a solidariedade e o cuidado com nossas companheiras e amigas. Obviamente não temos que ser solidárias com atos autoritários por exemplo, ou com qualquer atitude que qualquer mulher tenha só pelo fato de ela ser mulher. Seria mais um ponto de partida na nossa interação com as outras, mais uma maneira de encarar a si mesma e a outra, e uma tentativa de se opor à competitividade estimulada entre mulheres.

As vezes podemos estar muito focadas num problema específico em determinado momento para percebermos o nosso entorno – como a vida está para essas mulheres que estão aqui comigo agora -, e como está também para outras mulheres mais distantes. Mas é importante adotarmos a prática de prestarmos atenção no que outras estão trazendo e passando, e até, porque não, fazermos um esforço em compreender através do silêncio, que pode bem ser um indício de desconforto e medo, e de dinâmicas hierárquicas num espaço que precisa não gerar mais medos e domínio.
Eu tenho vivenciado que em alguns espaços, algumas atitudes e conceitos contrapõem a esta solidariedade e este cuidado fundamentais para o bem-estar de todas.

Por mais que estejamos abertas as discussões, não podemos descartar que esta “abertura” pode ser traumática, e nem todas as teses podem ser abertamente discutidas sem que se tenha cuidado, para evitarmos de machucar outras mulheres. Por exemplo, algumas teorias sobre o patriarcado, sobre o estupro, submissão e vitimização me parecem bem conflituosas para que se exponham desconsiderando que naquele espaço existem pessoas que foram estupradas, foram ou ainda são submissas, para citar algumas realidades. Geralmente com relação a submissão podemos ter uma opinião muito formada e acreditar que só a outra está sendo submissa e desta forma não enxergar nossas próprias atitudes ou situações. Eu percebi muitas vezes que o descuido, acaba por culpabilizar a vítima. E apesar de que o feminismo tem como fundamento nunca culpabilizar nenhuma vítima de estupro, quero dizer, a gente pensa que isso é consenso básico no “mundo” feminista, algumas teorias compartilhadas acabam por culpabilizar. O próprio termo estupro vem sendo desconstruído e banalizado, e tem pessoas que falam em estupro verbal por exemplo, que tentam comparar situações totalmente diferentes de estupros com o estupro. Não é solidário colocar tudo no mesmo saco, e pode ser altamente ofensivo, além de desconsiderar sofrimentos e traumas profundos. E por que haveríamos de ignorar que estes espaços agregam mulheres com traumas e dificuldades? Obviamente que não estou sugerindo que não devemos debater questões que se apresentam, mas que estejamos atentas para não machucarmos umas às outras.
Desde as formas como nos organizarmos, é fundamental que não exerçamos controle e centralidade, mas isso eu percebo estar mais em andamento, mesmo que na prática nem sempre funcione muito bem. O que nos mostra que temos muito por fazer, lembrando que para nossa autonomia é importante que geremos nossas próprias propostas, procurando criar as realidades que queremos para todas nós.

Outra coisa importante de se considerar, é que não podemos também exigir umas das outras, que sejam tomadas atitudes que julgamos mais importantes, sem levar em conta que a outra pode não estar preparada para tomar tais atitudes. O que podemos fazer é contribuir mutuamente nesta “preparação”, para que cada uma se desvincule o máximo que conseguir de suas dificuldades, daquilo que cada uma quer se desvincular. A interação entre nós tem que ser no sentido de nos libertar e de apoio mutuo, e não de reproduzirmos a opressão. Muitas vezes podemos não perceber o que estamos fazendo e estar “contribuindo” para silenciarmos a outra e deixá-la ainda mais insegura.

Penso que uma tentativa de solucionarmos problemas como estes, é de buscarmos desenvolver práticas de apoio quando nos propormos a construir e nos envolvermos em um espaço feminista. Não este cuidado paternalista atrelado ao conceito de fraqueza das mulheres, mas o cuidado para não causarmos mais danos. É essencial que espaços feministas sejam também espaços de apoio e confiança, além de serem de luta e resistência.

Pensemos enquanto feministas nas consequências de que nossas palavras e atos tenham em outras mulheres. Pensemos enquanto feministas em nos colocarmos no lugar da outra com solidariedade, não caridade.

 

enila dor

“Documento de Trabalho de Responsabilidade Comunitária (Princípios, Preocupações, Estratégias, Modelos)” INCITE! Women of Color Against Violence

NOTA: Essas ideias têm sido geradas de várias comunidades envolvidas com os Institutos Ativistas da Incite! e workshops. A Incite! não endossa estratégias particulares. Reconhecemos que o que funciona em uma comunidade pode não funcionar em outra comunidade, e de que algumas dessas estratégias podem não funcionar em qualquer comunidade. O propósito desse documento é fornecer ideias e descarregar o desenvolvimento de estratégias adicionais que possam auxiliar na promoção de responsabilidade comunitária na questão da violência contra mulheres de cor. Se você possui ideias adicionais, princípios, preocupações e/ou estratégias que gostaria de adicionar a esse documento de trabalho, por favor contate-nos em incite_national@yahoo.com ou 484-932-3166. Continuaremos a atualizar esse documento assim que obtermos pareceres.

Princípios

1) Princípio de Ação Coletiva: a confiança no sistema de justiça criminal tomou poder à distância da habilidade das mulheres de se organizarem coletivamente para parar a violência e tem investido esse poder no interior do Estado. O resultado é o de que as mulheres que buscam reparação no sistema de justiça criminal de sentem desempoderadas e alienadas. Isso também tem promovido uma abordagem individualista para parar a violência, tanto que a única maneira pela qual as pessoas pensam que podem intervir para fazer parar a violência é chamar a polícia. Essa confiança tem deslocado nosso foco em desenvolver maneiras pelas quais as comunidades podem coletivamente responder à violência. Assim, as estratégias da responsabilidade da comunidade requerem ação coletiva. Se fizermos a pergunta “O que posso fazer?”, então a única resposta será chamar a polícia. Se fizermos a pergunta “O que podemos fazer?”, então poderemos nos surpreender sobre o número de estratégias que podemos imaginar.

2) Princípio de Priorizar a Segurança de Sobreviventes: muitas estratégias de responsabilidade comunitária têm sido desenvolvidas sob o modelo da “justiça reparadora”. No entanto, estamos a entender que tais modelos muitas vezes não priorizam a segurança de sobreviventes. São constantemente coagidos a ir em frente com estratégias de mediação de forma a “manter a paz”. Além disso, a Aboriginal Women’s Action Network reporta que, no Canadá, os modelos de “justiça reparadora” têm sido usados por perpretadores brancos para escapar de responsabilidade pela violência cometida contra as mulheres nativas. Elas reportam que um homem, o bispo Hubert O’Conner, foi sentenciado com múltiplas instâncias de assédio sexual de meninas e meninos aborígenes. Quando visto como culpado, sua punição foi participar de um círculo de cura com suas vítimas. Elas também se queixam de que muitos desses modelos são denominados “indígenas” e, por isso, populações nativas devem usá-los, mesmo que não carreguem qualquer similaridade com as formas de justiça que nações indígenas particulares utilizam. Qualquer estratégia de responsabilidade comunitária será ineficaz se contar com uma noção romantizada da “comunidade” que não consigna a realidade do sexismo e homofobia no interior de nossas comunidades. Além disso, é importante enquadrar as estratégias de responsabilidade comunitária como uma questão de se ou não uma sobrevivente deve chamar a polícia se ela está sob ataque. A questão não é “ela deve chamar a polícia”. As questões são “por que essa é a única opção dela?” e “podemos fornecer outras opções de a deixarão verdadeiramente segura?”.

3) Princípio de Auto-determinação: estratégias de responsabilidade comunitária não funcionarão em todas as comunidades a todo tempo. Cada estratégia deve ser avaliada no interior do contexto da comunidade e ser constantemente reavaliada para sua eficácia e justiça.

4) Princípio de Repensar e Construir a Comunidade: o termo “comunidade” é geralmente pensado em termos de geografia. Dada a mobilidade das pessoas, particularmente em extensas áreas urbanas, não é claro como podem ser essas estratégias sob esses contextos. No entanto, podemos expandir nossa noção de comunidade para incluir comunidades baseadas em afiliações religiosas, de emprego, de hobbies, atléticas, etc., e nos esforçar para desenvolver estratégias baseadas naquelas comunidades. Por exemplo, um homem foi banido de uma comunidade por ter cometido incesto. No entanto, ele simplesmente se mudou daquela área. Mas porque ele era um acadêmico muito conhecido, a família o manteve responsabilizado na comunidade acadêmica para seguí-lo quando ele dava palestras acadêmicas, expondo sua história.
Além disso, a fim de ter responsabilidade comunitária, nosso trabalho pode também incluir construir comunidades onde foram fraturadas, para que estejam numa posição de manter seus membros responsabilizados.

5) Princípio de Expor a Ineficácia do Sistema de Justiça Criminal Para Consignar a Violência de Gênero: por causa das dificuldades em desenvolver estratégias de responsabilidade comunitária, muitos defensores da anti-violência argumentam que depender do sistema de justiça criminal é nossa única “alternativa”. Deve ser reconhecido, no entanto, que o sistema de justiça criminal não é em si mesmo uma alternativa. Ele não somente não promove segurança para mulheres como uma estratégia global (no entanto pode assim ser em casos individuais) como, na realidade, coloca as mulheres em grande perigo de violência, particularmente a violência do Estado (essas questões são discutidas no Incite – Critical Resistance Statement on Gender Violence and the Prison Industrial Complex). No final, a única coisa que irá parar a violência contra as mulheres de cor é quando nossas comunidades não mais tolerarem isso. Desenvolver essas estratégias é difícil porque elas implicam em consignar as causas de raiz da opressão – racismo, sexismo, homofobia e exploração econômica – mas, ao final, é somente através da construção de comunidades de resistência e responsabilidade que podemos esperar parar com a violência contra mulheres de cor.

Preocupações/Perguntas a Ponderar/Questões

1) Como nós incorporamos a justiça nas nossas estratégias de responsabilidade comunitária? Se não contarmos com o Estado para julgar casos de violência de gênero, então como nós garantimos justiça e equidade antes de manter responsáveis os perpretadores? Como garantimos que não nos tornemos em grupos vigilantes? Se desenvolvermos processos para julgar casos no interior do contexto da comunidade, estaremos simplesmente a replicar uma mini-versão do aparato opressivo do Estado nas nossas comunidades?
Alguns modelos desenvolvidos a partir de consignar a violência em comunidades LGBTI podem ser úteis uma vez que reportam que eles não podem admitir que quando alguém liga dizendo que sofreu abuso é porque isso necessariamente é verdadeiro porque eles relatam que agressores também sempre ligam dizendo que foram abusados. Portanto, eles desenvolveram ferramentas para aferir o que realmente está se passando na situação. Tal modelo tem sido desenvolvido pela Northwest Network em Seattle. Eles possuem toda uma lista de perguntas para determinar o que está se passando na situação. É importante que exista um processo, assim os agressores não conseguem manipular o processo da responsabilidade comunitária contra o sobrevivente.

2) Quais são os limites das formas aceitáveis de responsabilidade comunitária? Por exemplo, tudo bem responder a perpretadores com violência física? Sequer consideraríamos tais atos violentos? Como determinamos quais estratégias são aceitáveis ou não?

3) Algumas estratégias dependem de banir da comunidade ou condenar ao ostracismo o perpetrador. Por um lado, pode ajudar a pessoa que foi vitimizada a não ver mais aquela pessoa. De outro lado, essa estratégia é simplesmente a mesma da abordagem do sistema prisional que também bane as pessoas da comunidade. Além disso, se a pessoa deixa a comunidade, ela vai simplesmente abusar de pessoas em outra comunidade, e se perderá sua capacidade de manter ele/ela responsabilizado? Devem haver maneiras de manter a pessoa na comunidade, sem a pessoa diretamente afetado por ele/ela ter que ver essa pessoa. O que presumimos que não há nenhum “fora” de nossa comunidade? Outra abordagem que tem sido usada para manter a pessoa lá, mas para sancionar ele/ela, é tal como todos os membros se recusando a mostrar afeto a ele/ela. É também importante que uma comunidade de responsabilidade não se torne uma comunidade que simplesmente permite o abuso. Tal que às vezes os perpetradores regularmente “confessam” seus pecados à comunidade, mas então continuam fazendo a mesma coisa. Outra questão relacionada é ter certeza de que a pessoa é tirada de sua posição naquela comunidade. Deve também ser entendido que qualquer estratégia de responsabilização para fazer alguém mudar seu comportamento é provável de levar anos para que realmente mude a pessoa.

4) Algumas preocupações tem sido levantadas sobre a humilhação pública e a saída. Para alguns grupos, tem sido eficaz. Tem sido relatado que usar essa abordagem em comunidades gays (e isso pode ser verdadeiro em outras comunidades também) na verdade intensifica a violência.

5) Que linguagem devemos usar para descrever aqueles que utilizam violência e aqueles que sofrem dela? A maioria da nossa linguagem é derivada do quadro da justiça criminal – vítima/perpetrador. Existe outra linguagem que seria mais apropriada?

texto não completo, ainda virá versão integral

tradução anonima

“Uma declaração Negra Feminista” – Combahee River Colective (A Coletiva do Rio Combahee) – Abril de 1977

A Coletiva do Rio Combahee (Combahee River Colective) foi um grupo feminista negro ubicado na cidade de Boston cujo nome veio da ação guerrilheira inventada e dirigida por Harriet Tubman em 12 de junho de 1963, na região Port Royal do estado da Carolina do Sul. Esta ação liberou mais de 750 escrav*s e é a única campanha militar na história americana planejada e dirigida por uma mulher.

Somos uma coletiva de feministas Negras1 que estiveram se juntando desde 1974. Durante este tempo estivemos nos envolvendo no processo de definir e clarificar nossa política, e ao mesmo tempo estivemos fazendo trabalho político em nosso próprio grupo e em coalizão com outras organizações e movimentos progressistas. A declaração mais geral de nossa política neste momento seria a de que estamos comprometidas a lutar contra a opressão racial, sexual, heterossexual e classista, e que nossa tarefa específica é o desenvolvimento de uma análise e prática integradas baseadas no fato de que os sistemas maiores de opressão se interligam. A síntese dessas opressões criam as condições de nossas vidas.

Como Negras vemos o feminismo Negro como o lógico movimento político para combater as opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor.

 A seguir discutiremos quatro temas importantes: (1) A gênese do feminismo Negro contemporâneo; (2) no que acreditamos, por exemplo, no campo específico da nossa política; (3) os problemas em organizar as feministas Negras, incluindo uma breve “herstoria”2 de nossa coletiva e (4) os temas e a prática feminista negra.


1. A Gênese do feminismo Negro contemporâneo

Antes de apresentar o recente desenvolvimento do feminismo Negro gostaria de afirmar que localizamos nossas origens na realidade histórica das mulheres afro-americanas3 e sua luta contínua de vida ou morte para sua Sobrevivência e libertação. A relação excessivamente negrativa da Negra com o sistema político estadounidense (um Sistema manejado pelo homem branco) sempre foi determinada pela nossa categorização em duas castas oprimidas: a racial e a sexual. Angela Davis indicou em “Reflexões sobre o papel da mulher Negra em uma comunidade de escravos” que as Negras sempre incorporaram, mesmo que somente em sua manifestação física, uma postura adversária ao mando do homem branco e estiveram resistindo ativamente às incursões sobre elas e suas comunidades de maneira tanto dramática quanto sutis. Sempre houveram Negras ativistas – umas conhecidas como Soujourner Truth[1], Harriet Tubman[2], Frances E. W. Harper,[3] Ida B. Wells Barnett[4] e Mary Church Terrel[5], assim como mil tantas outras não conhecidas que compartiram seu reconhecimento de que a combinação da sua identidade sexual e identidade racial faz única sua situação vital total tanto como o enfoque de suas batalhas políticas. O feminismo negro contemporâneo é um reflorecimento de incontáveis gerações de sacrifício pessoal, militância e trabalho por parte de nossas mães e irmãs.

Uma presença feminista Negra se há desenvolvido mais claramente em conexão com a segunda onda do movimento da mulher angloamericana que começou pelos últimos anos dos ’60. As Negras, outras terceiromundistas e trabalhadoras se comprometeram ao movimento feminista desde seus princípios, mas as forças reacionárias exteriores tanto como o racismo e elitismo dentro do mesmo movimento serviram para obscurecer nossa participação. Em 1973, feministas Negras, principalmente as radicadas em Nova Iorque, sentiram a necessidade de formar um grupo feminista Negro separado. Este veio a ser a Organização Nacional Feminista Negra (The National Black Feminist Organization – NBFO).

A política feminista Negra também tem uma conexão evidente com os movimentos para a libertação Negra, em particular os das décadas de 60 e 70. Muitas de nós participamos nos movimentos (Direitos Civis, Nacionalismo Negro, As Panteras Negras) e todas nossas vidas foram afetadas e transformadas por suas ideologias, suas metas, e as táticas empregadas para alcançá-las. Nossa experiência e desilusão com esses movimentos de libertação, tanto como a experiência nas margens esquerdistas masculinas dos brancos, nos levou a ver a necessidade de desenvolver uma política que fosse anti-racista, à diferença das mulheres brancas, e anti-sexista, à diferença dos homens Negros e brancos.

Sem dúvida também há uma gênese pessoal no feminismo Negro, isso é, o reconhecimento político que emerge das experiências aparentemente pessoais das vidas individuais das mulheres Negras. As Feministas Negras e muitas mais Negras que não se definem como feministas experimentaram a opressão sexual como um fator constante em nossa existência cotidiana. Como meninas percebemos que eramos diferentes dos homens e que eles nos tratavam distinto. Por exemplo, ao mesmo tempo que nos faziam calar-nos para que nos vissem como “damas” e para nos fazermos mais admissíveis aos olhos da gente branca. Enquanto crescíamos nos demos conta que a ameaça de abuso físico e sexual por parte dos homens. A pesar de tudo, não tínhamos nenhuma maneira de conceptualizar o que era tão óbvio para nós, que sabíamos o que em realidade sucedia.

As Feministas Negras frequentemente falam de seus sentimentos de loucura de reconhecer os conceitos da política da sexualidade, do mando patriarcal, e mais importante, o feminismo, o análise político e a prática que nós as mulheres usamos para lutar contra nossa opressão. O fato de que a política racial e claramente o racismo são fatores que penetram em nossas vidas não nos permite a nós nem a maioria das mulheres Negras, ver mais a fundo dentro de nossas experiências e, a partir de esta conscientização desenvolvida e compartilhada, construir uma política que transformará nossas vidas e inevitavelmente dará fim a nossa opressão. Nosso desenvolvimento também está submetido à atual posição política da gente Negra. A geração da juventude Negra que seguiu à segunda guerra mundial foi a primeira que pode tomar a menor vantagem de certas opções educativas e de emprego, antes totalmente fechadas à gente Negra. Como resultado dessas poucas opções, nossa posição econômica ainda está pelo chão da economia capitalista norte-americana, umas poucas de nós pudemos obter conhecimentos que nos permitem lutar contra nossa opressão de maneira eficaz.

Uma combinada posição anti-racista e anti-sexista nos juntou inicialmente e, enquanto nos desenvolvíamos politicamente nos dirigimos ao heterossexismo e à opressão econômica sob o capitalismo.

2. No que acreditamos

Sobretudo, nossa política brotou primeiramente da crença compartida de que as Negras somos inerentemente valiosas, que nossa libertação é necessária, não como adjunto à de alguém mais, mas devido a nossa necessidade de autonomia como pessoas humanas. Isso pode parecer tão óbvio como para soar simples, mas é aparente que nenhum outro movimento ostensivelmente progressista considerou nossa opressão específica como prioridade nem trabalhou seriamente para acabar com essa opressão. Só nomear os estereótipos pejorativos atribuídos às Negras (por exemplo mammy/niñera Negra, matriarca, Sapphire, puta, bull-daggar/sapatão) sem categorizar o tratamento cruel, frequentemente sanguinário, indica o tão pouco valor que foi dado a nossas vidas durante quatro séculos de escravidão no hemisfério ocidental. Reconhecemos que a única gente a quem importamos o suficiente para trabalhar por nossa libertação somos nós mesmas. Nossa política nasce de um amor saudável por nós mesmas, nossas irmãs, nossa comunidade que nos permite continuar nossa luta e trabalho.

Este enfoque sobre nossa própria opressão está incorporado ao conceito de política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente a mais radical se deve basear diretamente em nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente. No caso das Negras este conceito é especialmente repugnante, perigoso, e ameaçante, e portanto revolucionário porque é óbvio ao ver de todos os movimentos políticos antecedentes ao nosso que neles qualquer outra pessoa merece a libertação mais que nós mesmas. Rechaçamos pedestais, ser rainhas, ou ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é suficiente.

Nós acreditamos que a política da sexualidade sob este sistema patriarcal se assenhora da vida das vidas das mulheres Negras tanto como a política de classe e raça. Também encontramos difícil separar a opressão racial da classista e da sexual porque em nossas vidas as três são uma experiência simultânea. Sabemos que não existe uma coisa tal como uma opressão racial-sexual que não seja somente racial ou somente sexual; por exemplo, a história da violação das Negras por homens brancos como uma arma da repressão política.

Embora sejamos feministas e lesbianas, sentimos solidariedade com os homens Negros progressistas e não defendemos o processo de fraccionamento que exigem as mulheres brancas separatistas. Nossa situação como gente Negra requer que tenhamos uma solidariedade pelo fato de ser da mesma raça, a qual as mulheres brancas evidentemente não necessitam ter com os homens brancos, a menos que sea sua solidariedade negativa como opressores raciais. Lutamos juntas com os homens Negros contra o racismo, enquanto também lutamos com homens Negros sobre o sexismo.

Reconhecemos que a liberação de toda gente oprimida requer a destruição dos sistemas político-econômicos do capitalismo e do imperialismo tanto como o do patriarcado. Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho tem que se organizar para o benefício coletivo dos que fazem o trabalho e criam os produtos dele, e não para o proveito dos patrões. Os recursos materiais tem que ser distribuídos igualmente entre tod*s que criem esses recursos. Não estamos convencidas, no entanto, que uma revolução socialista que não seja também uma revolução feminista e anti-racista nos garantirá nossa libertação. Chegamos à necessidade de desenvolver um entendimento das relações entre classes que tome em conta a posição específica da classe das Negras que geralmente estão nas margens da força operária, embora durante este tempo em particular algumas de nós sejamos percebidas duplamente como símbolos desejáveis nos níveis funcionários e profissionais.

Necessitamos verbalizar a situação real de classe das pessoas que não são simplesmente trabalhador*s sem raça, sem sexo, mas para quem as opressões raciais e sexuais são determinantes significantes em suas vidas laborais/econômicas. Embora compartilhemos um acordo essencial com a teoria de Marx quanto ao que se refere às relações econômicas específicas que ele analizou, sabemos que seu análise tem que extender-se mais para que nós compreendermos nossa situação específica econômica como Negras.

Uma contribuição política que estimamos já fizemos, é a expansão do princípio feminista de que o “pessoal é político”. Em nossas sessões de conscientização, por exemplo, de muitas maneiras acabamos indo mais além das revelações das mulheres brancas porque estamos tratando as implicações de raça e classe tanto como as de sexo. Até nosso estilo como Negras de falar/testemunhar na língua Negra sobre o que experimentamos tem uma ressonância ao mesmo tempo cultural e política. Por necessidade estivemos gastando bastante energia explorando o caráter cultural e pessoal de nossa opressão porque esses assuntos nunca foram estudados antes. Ninguém examinou antes o complexo tecido das vidas das Negras.

Um exemplo deste tipo de revelação/conceptualização ocorreu em uma juntada na qual discutimos as maneiras em que nossos interesses intelectuais haviam sido atacados por nossos iguais, em particular pelos homens Negros. Todas descobrimos que porque eramos “inteligentes” também nos consideravam “feias”, isso é, “inteligente-feia” Ser “inteligente-feia” pôs em evidência que todas havíamos sido obrigadas a desenvolver nossos intelectos ao grande custo das nossas vidas “sociais”. As sanções das comunidades Negras e brancas contra as pensadoras Negras são muito altas em comparação às mulheres brancas, em particular às educadas de classe média e alta.

Como já dissemos, rejeitamos a posição do separatismo lésbico porque não é uma estratégia nem um análise viável da política para nós. Exclui demasiado e demasiada gente, em particular aos homens, mulheres e crianças Negras. Temos bastante crítica e ódio do que a sociedade fez dos homens: o que apoiam, como atuam, e como oprimem. Mas não temos a noção descabelada de que isso sucede pelo homem em si, ou seja que a anatomia masculina os faz serem como são.4 Como Negras achamos que qualquer tipo de determinismo biológico é uma base perigosa e reacionária para construir política. Também temos que perguntar-nos se o separatismo lésbico é um análise e estratégia política adequada e progressista mesmo para aquelas que o praticam, já que somente admite as fontes sexuais da opressão das mulheres, renegando aqueles feitos de classe e raça.

3. Problemas em Organizar as feministas Negras

Durante nossos anos como uma coletiva feminista Negra, viemos tendo a experiência do êxito e da derrota, da alegria e da dor, da vitoria e do fracasso. Viemos descobrindo que é muito difícil organizar-se ao redor de temas feministas Negros, que ainda mais difícil anunciar em certos contextos que somos feministas Negras. Estivemos tratando de pensar sobre as razões pelas dificuldades, especialmente já que o movimento de mulheres brancas sigue sendo forte e cresce em muitas direções. Nesta seção discutiremos em geral alguns dos problemas que confrontamos ao organizar tanto como suas razões e também comentaremos especificamente sobre as etapas para organizar nossa coletiva.

A maior fonte de dificuldade em nosso trabalho político é que não estamos somente tratando de lutar contra uma de duas frentes de opressão, senão enfrentar toda uma extensão de opressão. Para apoiarmos não temos o privilégio racial, sexual, heterossexual, ou classista, nem temos o mínimo acesso aos recursos nem ao poder que têm os grupos que possuem qualquer destes tipos de privilégio.

O desgaste psicológico de ser uma Negra e as dificuldades que isso apresenta ao tratar de lograr uma conscientização política e ao fazer trabalho político nunca podem ser subestimadas. Nesta sociedade racista e sexista se dá muito pouco valor ao espírito das Negras. Como disse uma vez uma membra que havia recém-entrado: “Todas somos pessoas danadas somente pelo fato de sermos mulheres Negras”. Somos gente despossuída psicologicamente e a todo nível, e ainda sentimos a necessidade de lutar para mudar a condição de todas as mulheres Negras. No livro “A Busca por uma feminista Negra pela irmandade” Michele Wallace chega a esta conclusão:

“Existimos como mulheres que são Negras que são feministas, cada uma isolada por hora, trabalhando independentemente porque ainda não há um ambiente nesta sociedade remotamente admirável à nossa luta – por que ao estar tão abaixo, tínhamos que fazer o que ninguém havia feito ainda: lutar contra todo o mundo ”.

Wallace é pessimista mas realista em seu assenhoramento da posição das feministas Negras, em particular em sua alusão ao quase clássico isolamento que todas confrontamos. Podíamos usar nossa posição baixa, contudo, para tomar um salto limpo até a ação revolucionária. Se as mulheres Negras fossem livres, isso significaria que todas as demais tinham que ser livres já que nossa liberdade exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão.

O feminismo é, apesar de tudo, muito ameaçante para a maioria da gente Negra porque pôe em dúvida algumas das suposições mais básicas de nossa existência, por exemplo, de que a sexualidade terá que ser um determinante das relações baseadas no poder. Aqui vocês têm a definição da voz do homem e da mulher segundo um panfleto Negro dos anos 70:

Nós entendemos que é e tem sido tradicional que o homem encabece o lar. Ele é o líder do lar e da nação porque seu conhecimento do mundo é mais amplo, seu conehcimento mais grande, seu entendimento mais pleno, e sua aplicação de essa infromação é mais sábia… Depois de tudo, é simplesmente razoável que o homem encabece o lar porque ele pode defender e proteger o desenvolvimento de seu lar… As mulheres não podem fazer a mesma coisa que os homens – por natureza funcionam distintamente. A igualdade entre os homens e as mulheres é algo que não pode suceder nem sequer no abstrato. Os homens não são iguais a outros homens, por exemplo, em habilidade, experiência ou até em entendimento. O valor dos homens e das mulheres se pode ver como o valor do ouro e da prata – não são iguais mas ambos têm muito valor. Temos que reconhecer que os homens e as mulheres se complementam porque não há uma casa/família sem um homem e sua esposa. Os dois são essenciais ao desenvolvimento de qualquer vida” [7]

As condições materiais da maioria das mulheres Negras provavelmente não as levaria a destruir os arranjos econômicos e sexuais que parecem representar a estabilidade de suas vidas. Muitas mulheres Negras têm um bom entendimento tanto do sexismo como do racismo, mas devido às constrições em suas vidas não podem tomar o risco de batalhar contra ambos.

A reação dos homens Negros ao feminismo esteve sendo notoriamente negativa. Se sentem certamente mais ameaçados que as mulheres Negras pela possibilidade de que as feministas Negras nos organizemos em torno de nossas próprias necessidades. Reconhecem que não somente perderiam aliadas valiosas e trabalhadoras pra suas lutas senão que também estariam obrigados a mudar seus costumes habitualmente sexistas em como atuam entre si e em quanto oprimem às mulheres Negras. As acusações de que o feminismo Negro divide a luta Negra são dissuasões poderosas contra o desenvolvimento do movimento autônomo de mulheres Negras.

Ainda assim, centos de mulheres participaram em diversos momentos durante os três anos vigentes de nosso grupo. E cada mulher que veio, veio ao sentir uma forte necessidade de captar a qualquer nível uma possibilidade que não existia antes em sua vida.

Quando começamos a reunir-nos em 1974 depois que a NBFO teve sua primeira conferência na região oriental, não tínhamos nem uma estratégia para organiza-nos nem um enfoque. Só queríamos ver o que possuíamos. Depois de nos reunir-nos por uns meses, começamos a juntar-nos outra vez mais tarde esse ano e começamos uma toma de consciência variada e intensa. Tivemos o sentimento abrumador de que depois de anos e anos finalmente havíamos havíamos encontrado. Embora não fazíamos trabalho político como grupo, individuas continuavam sua participação na política lésbica, o abuso da esterilização e o trabalho para o direito ao aborto, as atividades do dia internacional da mulher terceiro-mundista, e o apoio ativo de Dr. Kenneth Edelin,[8] Joann Little, [9], e Inez García [10]. Durante nosso primeiro verão quando o número de membras havía baixado consideravelmente, aquelas entre nós que ficávamos nos dedicávamos a discutir a possibilidade de abrir um refúgio para mulheres agredidas na comunidade Negra (não havia nenhum em Boston naquele tempo). Também decidimos por esse momento fazermos uma coletiva independente já que tínhamos uns desacordos sérios com a posição burguesa-feminista da NBFO e sua falta de um claro enfoque político.

Também, neste momento, nos contataram feministas socialistas com quem havíamos trabalhado em atividades sobre direito do aborto. Elas queria animar-nos a assistir a Conferência Feminista Socialista Nacional em Yellow Springs [11]. Uma de nossas membras assistiu e apesar da estreita ideologia que se promovia em essa conferência em particular, reconhecemos ainda mais a necessidade de entender nossa própria situação econômica e de fazer nosso próprio análise econômico.

No outono, quando algumas membras regressaram, experimentamos vários meses de inatividade comparativa e desacordos internos que primeiro se conceptualizaram como uma divisão entre lesbianas e heterossexuais mas que também era resultado de diferenças políticas e de classe. Durante o verão, aquelas dentre nós que ainda nos juntávamos determinamos a necessidade de fazer trabalho político, e de ir mais além da toma de consciência e de servir somente como um grupo de apoio emocional. No começo de 1976, quando algumas das mulheres que não quiseram fazer trabalho político, e que também tiveram desacordos com o grupo, deixaram de comparecer por sua conta, buscamos um novo enfoque. Decidimos durante esse tempo, com a somatória de novas membras, converter-nos em um grupo de estudo. Sempre havíamos compartilhad o que líamos e algumas de nós havíamos escrito papéis sobre feminismo Negro para discutir com o grupo uns meses antes que se fizera essa decisão. Começamos a funcionar como um grupo de estudo e também começamos a discutir a possibilidade de começar uma publicação Negra feminista.

Fizemos um retiro nos finais dessa primavera que nos proporcionou o tempo para discutir a política e para resolver temas inter-pessoais. Atualmente planejamos uma coleção de escrita feminista Negra. Sentimos que é absolutamente essencial demonstrar a realidade de nossa política a outras mulheres Negras e cremos que podemos fazer isso por meio da escritura e distribuição da nossa obra. O fato de que indivíduas Negras feministas vivem em isolamento por todo o país, de que somos poucas, e de que temos algumas habilidades para escrever, imprimir e publicar nosso trabalho, nos faz querer levar a cabo projetos deste tipo como meio para organizar feministas Negras enquanto continuamos nosso trabalho político em coalizão com outros grupos.

4. Temas e Projetos de feministas Negras

Durante esse tempo juntas, estivemos identificando e trabalhando com muitos temas de particular interesse das mulheres Negras. O desdobramento totalizante de nossa política nos leva a preocupar-nos com qualquer situação que toque a vida da mulher, gente de Terceiro Mundo e trabalhador*s. Estamos, é claro, particularmente comprometidas a trabalhar nessas lutas nas quais raça, sexo e classe são fatores simultâneos de opressão. Podíamos por exemplo involucrar-nos na organização sindicalista de fábricas que empregam mulheres terceiro-mundistas, ou protestar contra hospitais que lhes cortam seus serviços de saúde, a princípio inadequados, à comunidade terceiro-mundista, ou começar um centro em um bairro Negro que trate a crise de violações. Os problemas de bem-estar social (programas estatais) e de creches também podem ser pontos de enfoque. O trabalho por fazer e os temas inacabáveis que esse trabalho representa simplesmente reflete que os aspectos de nossa opressão se filtram através de todas partes.

Os temas e projetos que membras da coletiva tiveram realmente trabalhado são o abuso da esterelização, os direitos de aborto, as mulheres agredidas, a violação e o rapto, e os serviços de saúde. Também tivemos muitas oficinas educativas sobre o feminismo Negro nas universidades, conferências de mulheres e mais recentemente à mulheres no ensino secundário.

Um tema que nos preocupa muito é que temos começado a discutir publicamente é o racismo no movimento das mulheres brancas. Como feministas Negras estamos alertas constante e dolorosamente com relação ao pouco esforço que as mulheres brancas fazem para compreender e combater seu racismo, o qual requer, entre outras coisas, mais que uma compreensão superficial do racismo, da cor, e da história e cultura Negras. Eliminar o racismo no movimento das mulheres brancas é por definição o trabalho delas, mas continuaremos a dirigir-nos ao tema e exigir que assumam responsabilidade sobre o tema.

Na prática de nossa política não acreditamos que o fim sempre justifica os meios. Muitos atos reacionários e destrutivos foram cometidos para obter metas políticas “corretas”. Como feministas não queremos jogar sujo com gente em nome da política. Acreditamos no processo coletivo e em uma distribuição de poder que não seja hierárquico dentro de nosso próprio grupo e em nossa visão de uma sociedade revolucionária. Nos comprometemos a um exame contínuo de nossa política a medida que se desenvolva, por meio da crítica e autocrítica como um aspecto essencial de nossa prática. Na sua introdução de Sisterhood is Powerfull (A Sororidade é poderosa) Robin Morgan escreve:

Não tenho nem a menor ideia do papel que os revolucionários homens brancos heterossexuais podiam fazer, já que são a incorporação do poder na qual os interesses reacionários estão investidos”

Como feministas e lésbicas Negras sabemos que temos um trabalho definitivamente revolucionário para levar a cabo e estamos preparadas para dedicar a vida ao trabalho e luta que nos espera.

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[Retirado do livro Esta Puente mi Espalda: Voces de las mujeres tercermundistas em los Estados Unidos].

Notas

[1] Soujorner Truth (1797?-1883) foi uma abolicionista (lutadora pela abolição da escravidão de negr*s) e ativista pró-direitos da mulher. Em um dos primeiros congressos sobre direitos da mulher em meados do século 19, revelou sua bravura para dar privas de seu sexo, proclamando “Ain’t I a woman?” (“E eu não sou uma mulher?”). Este gesto simbólico quis expôr a falha das feministas brancas da primeira onda para incorporar em sua luta os problemas das negras. Portanto, Sojourner Truth serviu de modelo para muitas feministas negras contemporâneas.

[2] Harriet Tubman (1820?-1913) foi uma escrava fugitiva, abolicionista e reformista social. É famosa pelo seu trabalho com “a resistência liberacionista” que a permitiu salvar a 300 negr*s da escravidão.

[3] Frances E. W. Harper foi poetisa popular, novelista e oradora de finais do século 19.

[4] Ida B. Wells Barnet (1862-1931) foi jornalista, conferencista e liderança dos direitos civis. Participou da fundação da NAACP (Associação nacional para o assalariamento da gente de cor) e fundou a primeira organização de mulheres sufragistas.

[5] Mary Church Terrel (1863-1954) foi professora, autora, sufragista e uma liderança dos direitos civis. Trabalhou ativamente para organizar as negras nas lutas contra o racismo e o sexismo. Ela foi instrumental em fundar a Associação Nacional de Negras em 1896.

[6] Michele Wallace, “A Black Feminist’s Search for Sisterhood” (“Uma busca Negra feminista pela Irmandade”), The Village Voice, 28 de julho de 1975, pp.6-7.

[7] Mumininas of Committee for United Newark, Mwanamke Mwananchi (The Nationalist Woman). Netwark, New Jersey, 1971, pp. 4-5.

[8] Doutor Kenneth Edellin foi um obstetra e ginecólogo negro do Hospital da Cidade de Boston. Sem apoio dos administradores hospitalários, ele e seus colegas progressisas trabalham horas extras sem pagamento para prover abortos a mulheres de bairros próximos pobres porque os pedem. Em 1973 acusaram-no de homicídio involuntário por fazer um aborto ilegal a uma garota negra de 17 anos que pediu o procedimento e que não sofreu nenhum dano como resultado. “Creio muito frequentemente no direito de uma mulher de determinar o que lhe passe a seu próprio corpo”, declarou o doutor Edelin. “Se uma mulher não está convencida em sua própria mente de que quer um aborto… não o farei”. Em fevereiro de 1975, Edelin foi declarado culpado por um jurado de doze brancos, em sua maioria homens e católicos, e condenado a um ano de liberdade vigiada. (The Guardian, Nova Iorque, 19 e 26 de fevereiro de 1975). Enquanto que a hierarquia católica mobilizava seus partidários anti-feministas para apoiar o castigo de Edelin, o movimento das mulheres feministas de Boston se mobilizou para defendê-lo. No processo subsequente, se exonerou ao doutor Edelin, que depois recebeu uma promoção.

[9] Joann Little foi uma negra de 20 anos encarcerada no condado de Beaufort no estado da Carolina do Norte. Em agosto de 1974, um guarda branco de 62 anos entrou em sua celula e tentou violá-la. Ela resistiu e resultou que o matou a punhaladas. Acusada de homicídio, recebeu o apoio e solidariedade dos liberais, radicais e especialmente do movimento de mulheres através do país. Em agosto de 1975 a exonerou um jurado de seis negr*s e seis branc*s. “Pode ser que já haja uma lei que diz que uma negra tem direito a defender-se”, declarou. “O fiscal tinha mais interesse em mandar as mulheres negras à câmara de gás que à justiça” (The Guardian, Nova Iorque, 27 de agosto de 1975). “… Nunca fui pessimista com respeito ao poder do povo. Sabia que uma vez que se juntasse o povo, venceríamos”.

[10] Inez García foi acusada na Califórnia em 1975 do homicídio de Miguel Jiménez. Jiménez foi amigo de Louis Castillo, 17, que segundo Inez García a violou com ajuda ativa de Jiménez. Seu primeiro juízo resultou em um julgamento de culpada. Mas depois o julgamento foi anulado pela corte superior de California, assim que se a exonerou.

[11] A Conferência Feminista Socialista Nacional foi levada a cabo em Yellow Springs, Ohio em julho de 1975. Assistiram umas 1600 mulheres socialistas e feministas com diferentes perspectivas políticas de muitas partes de Norte-America. Um grupo de mulheres marxistas e anti-feministas tentou dominar a conferência e evitar qualquer discussão teórica do feminismo socialista. Por isso, se formaram espontâneamente várias caucuses (grupos de base), inclusive uma grande junta de lésbicas, para enfrentarem as questões que tocavam a maioria das presentes.

1O Uso em maiúscula da palavra “Negra” é uma convenção linguística nos Estados Unidos e aprte do movimento de Libertação dos Negros nos sessenta.

2O termo “Herstory” é uma forma de reinventar o termo “History”, que traduzindo se lê “História”. Porque “his” em inglês é o pronome masculino “Ele” em tradução literal. As feministas vêm usando a palavra “Herstory” (História dela, tradução literal) que soa como um trocadilho e de modo a questionar a história androcêntrica e a versão masculina prevalescente dos fatos, assim como modo de recuperar uma “história nossa” própria.

3Pensei intervir aqui e pôr “afro-norte-americanas” mas como o texto é retirado de uma coletânea de mulheres terceiromundistas e pertence a essa tradição (chicana, afro-latina, caribenha, migratória nos EUA) eu mantive americana no sentido do continente América, espero que *s leitor* s possam lê-lo assim com ajuda desta nota. [A Editorial]

4Provavelmente aqui a coletiva se refere ao clima que Feminismo Lésbico Cultural deu lugar nos 70, embora o que possa ser extraído das correntes com enfoque mais político se refere mais à necessidade de éticas lésbicas e espaços próprios (Sarah Lucia Hoagland, Marilyn Frye), estas possuíam um análise mais histórico. Em geral o clima do separatismo cultural deu lugar a discursos mais essencialistas e mesmo de uma espiritualidade feminista, que acredito terem sido mais uma reação ao centrismo masculino social e histórico e a lesbofobia do movimento feminista, narrativas essencialistas que eu vejo mais como uma necessidade de criar contra-narrativas e contra-cultura, coisa que sempre existiu durante a trajetoria dos feminismos (Monique Wittig, que publicou livros como Dicionário das Amantes e As Guerrilheiras, com largo linguagem mítico, lírico e metafórico, apesar de ter livros muito teóricos). A crítica é bem entendível mas me preocupo com a apropriação possível que possa ser feita por parte de misóginos ou quem a reproduza a despeito de conhecer ou não o contexto da crítica. Algumas separatistas lésbicas negras que podemos citar: Jacqueline Anderson, Anna Lee, Naomi Littlebear Morena, Pipa Flemming.